Alteração de traçado, reforço na mão de obra, desapropriações e até o pagamento de uma taxa para atravessar uma rodovia privatizada encareceram em 66% o projeto de transposição de água da Bacia do Rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira em apenas oito meses. Anunciada em março deste ano pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) por R$ 500 milhões, a obra mais urgente para ajudar na futura recuperação do manancial em crise está orçada agora em R$ 830 milhões.
O projeto prevê a construção de um canal de quase 20 quilômetros para fazer a transferência de pelo menos 5,1 mil litros de água por segundo da Represa Jaguari, em Igaratá, para a Represa Atibainha, em Nazaré Paulista, um dos cinco reservatórios que formam o Cantareira – ontem, o sistema ficou estável em 6,7% da capacidade. O manancial opera atualmente com nível 21% abaixo de zero, dentro da segunda cota do volume morto.
A ideia inicial era que o canal acompanhasse o curso da Rodovia D. Pedro I, que liga as cidades de Campinas e Jacareí e passa sobre os dois reservatórios. Responsável pela obra, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) estudou 13 alternativas de traçados e decidiu que o mais viável terá 13,3 quilômetros de adutora em vala e outros 6,2 quilômetros de túnel, atravessando a estrada privatizada.
“Olhando no mapa, acharam que seria fácil seguir a D. Pedro, mas, na hora de desenhar o projeto, apareceram interferências dessa alternativa”, explica o professor de Hidrologia da Universidade de São Paulo (USP) Rubem Porto, que participou dos estudos de viabilidade da obra. “Agora, terão de fazer algumas obras que não estavam previstas, desapropriar áreas valiosas, como posto de gasolina, e pagar pelo uso da faixa de servidão da rodovia privatizada”, afirmou.
Curto prazo. O Estado questionou a Sabesp sobre qual o impacto de cada alteração no encarecimento da obra, mas não obteve resposta. Na justificativa do traçado escolhido, a companhia afirma que ele tem a menor extensão de túnel e de adutora e permite a conclusão das obras em um prazo mais curto.
A estimativa é de que toda a obra, que prevê ainda duas estações elevatórias de água para fazer a transposição de água nos dois sentidos, seja concluída em no máximo 14 meses após seu o início. Segundo o governo, até março de 2016.
Aposta. O projeto é a principal aposta do governo Alckmin para a recuperação do Cantareira a médio prazo. Atualmente, as principais ações para tentar preservar o manancial que ainda abastece 6,5 milhões de pessoas na Grande São Paulo são a redução da pressão da água na rede, o remanejamento de outros sistemas, o desconto na conta para quem economizar e, a partir de janeiro, a multa para quem gastar água.
O problema que ameaça o socorro ao Cantareira é que a Bacia do Rio Paraíba do Sul também atravessa a seca mais severa em 80 anos, com apenas 2,4% da capacidade. Só o nível da Represa Jaguari, alvo da transposição, está em 4%. Diante da escassez, o projeto de transposição ainda causa polêmica com municípios que dependem da água do Paraíba, responsável pelo abastecimento de 15 milhões de pessoas, incluindo a Região Metropolitana do Rio.
“Não somos contra ceder essa água para São Paulo, mas não da forma como isso tem sido tratado, mais política do que técnica, desrespeitando os comitês de bacias. Estamos caminhando para um colapso hídrico das duas regiões mais importantes do País. Precisamos discutir com seriedade os diversos usos da água”, diz Vera Lucia Teixeira, vice-presidente do Comitê de Integração da Bacia do Rio Paraíba do Sul (Ceivap).
Após uma longa disputa pública, os governadores de São Paulo, Rio e Minas, que dependem da água do Paraíba, anunciaram um acordo para a transposição durante uma audiência no Supremo Tribunal Federal (STF), no mês passado. Até fevereiro, eles devem chegar a um projeto que seja consenso para socorrer o Cantareira sem comprometer o abastecimento das demais regiões.
Discussão. Com órgãos federais, como a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), as autoridades estão discutindo um reordenamento do uso das águas do Rio Paraíba do Sul, que também é usado para geração de energia.
Uma das ideias já incluídas na projeto da Sabesp e revelada pelo Estado é a criação de uma reserva de 162 bilhões de litros do volume morto da Represa Paraibuna como garantia de abastecimento de água do Rio em caso de estiagem extrema.
Diário do Poder