A cúpula das Forças Armadas e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, assinaram um documento que vai ser lido nos quartéis para marcar o aniversário de 55 anos do golpe militar de 1964.
O texto, divulgado nesta quarta-feira (27) pelo Ministério da Defesa, afirma, sem mencionar “golpe militar”, que ascensão dos militares ao poder se deu para interromper “a escalada em direção ao totalitarismo” (leia a íntegra do documento ao final desta reportagem). De acordo com a Defesa, a ordem do dia deverá ser lida nas unidades militares “em atividades rotineiras” até a próxima sexta-feira (29).
“O 31 de março de 1964”, como o documento se refere ao golpe militar, “estava inserido no ambiente da Guerra Fria, que se refletia pelo mundo e penetrava no país”.
De acordo com o texto, naquele momento em que os militares destituíram o então presidente João Goulart, “as famílias no Brasil estavam alarmadas e colocaram-se em marcha”.
“Diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo. As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo”, diz trecho do documento.
Vice Mourão
Também nesta quarta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão, que é general da reserva do Exército, comentou a determinação de Bolsonaro para comemorar o golpe de 1964.
Segundo Mourão, o “31 de março” foi um “fato histórico”, com diferentes óticas a respeito dos acontecimentos. O vice disse que é necessário que “atores e historiadores isentos” analisem o que ocorreu no Brasil.
“Acho que no futuro vai ser visto que o 31 de março foi o ápice das intervenções militares durante a história da República. Se vocês olharem, os generais de 64 eram os tenentes de 1922”, declarou.
Mourão destacou que o tom das comemorações nas Forças Armadas, como a ordem do dia do Ministério da Defesa, será “muito conciliador”, ao lembrar que os militares combateram o “nazi-facismo” e o “comunismo”, o que faz parte do “passado”.
Mourão não vê as comemorações como uma agressão às vítimas da ditadura. Ele ainda disse considerar legítimo o pedido de parentes de vítimas, como o encaminhado nesta quarta ao Supremo Tribunal Federal (STF), para impedir comemorações do golpe.
“Não vivemos um Estado Democrático de Direito? Não faz parte de cada um defender aquilo que é justo? Então, tudo bem, usem os instrumentos legais. Se o camarada é contra, ele não vai sair dando tiro para tudo que é lado, ele usa os instrumentos legais. Acho isso normal. Essas coisas são normais quando a gente vive na liberdade”, declarou.
‘Comemorações’ do golpe
Na última segunda-feira (25), o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, afirmou que o presidente Jair Bolsonaro determinou ao Ministério da Defesa que faça as “comemorações devidas” pelos 55 anos do golpe que deu início à ditadura militar.
Na semana passada, Rêgo Barros havia dito que não haveria nenhum tipo de comemoração relacionada à data. Na segunda-feira, porém, o porta-voz mudou o discurso.
“O nosso presidente já determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964, incluindo uma ordem do dia, patrocinada pelo Ministério da Defesa, que já foi aprovada pelo nosso presidente”, afirmou Rêgo Barros durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto.
Segundo o blog do colunista do G1 Matheus Leitão, integrantes da ala mais moderada das Forças Armadas têm dito que são contra a decisão de Jair Bolsonaro.
Ainda de acordo com o blog, causou desconforto entre esses militares, alguns de alta patente do Exército, Marinha e Aeronáutica, a ideia de que é necessário “comemorar uma velha ferida nacional”.
Lei a íntegra do texto que será lido nos quartéis:
MINISTÉRIO DA DEFESA
Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964
Brasília, DF, 31 de março de 2019
As Forças Armadas participam da história da nossa gente, sempre alinhadas com as suas legítimas aspirações. O 31 de Março de 1964 foi um episódio simbólico dessa identificação, dando ensejo ao cumprimento da Constituição Federal de 1946, quando o Congresso Nacional, em 2 de abril, declarou a vacância do cargo de Presidente da República e realizou, no dia 11, a eleição indireta do Presidente Castello Branco, que tomou posse no dia 15.
Enxergar o Brasil daquela época em perspectiva histórica nos oferece a oportunidade de constatar a verdade e, principalmente, de exercitar o maior ativo humano – a capacidade de aprender.
Desde o início da formação da nacionalidade, ainda no período colonial, passando pelos processos de independência, de afirmação da soberania e de consolidação territorial, até a adoção do modelo republicano, o país vivenciou, com maior ou menor nível de conflitos, evolução civilizatória que o trouxe até o alvorecer do Século XX.
O início do século passado representou para a sociedade brasileira o despertar para os fenômenos da industrialização, da urbanização e da modernização, que haviam produzido desequilíbrios de poder, notadamente no continente europeu.
Como resultado do impacto político, econômico e social, a humanidade se viu envolvida na Primeira Guerra Mundial e assistiu ao avanço de ideologias totalitárias, em ambos os extremos do espectro ideológico. Como faces de uma mesma moeda, tanto o comunismo quanto o nazifascismo passaram a constituir as principais ameaças à liberdade e à democracia.
Contra esses radicalismos, o povo brasileiro teve que defender a democracia com seus cidadãos fardados. Em 1935, foram desarticulados os amotinados da Intentona Comunista. Na Segunda Guerra Mundial, foram derrotadas as forças do Eixo, com a participação da Marinha do Brasil, no patrulhamento do Atlântico Sul e Caribe; do Exército Brasileiro, com a Força Expedicionária Brasileira, nos campos de batalha da Itália; e da Força Aérea Brasileira, nos céus europeus.
A geração que empreendeu essa defesa dos ideais de liberdade, com o sacrifício de muitos brasileiros, voltaria a ser testada no pós-guerra. A polarização provocada pela Guerra Fria, entre as democracias e o bloco comunista, afetou todas as regiões do globo, provocando conflitos de natureza revolucionária no continente americano, a partir da década de 1950.
O 31 de março de 1964 estava inserido no ambiente da Guerra Fria, que se refletia pelo mundo e penetrava no país. As famílias no Brasil estavam alarmadas e colocaram-se em marcha. Diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo. As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo.
Em 1979, um pacto de pacificação foi configurado na Lei da Anistia e viabilizou a transição para uma democracia que se estabeleceu definitiva e enriquecida com os aprendizados daqueles tempos difíceis. As lições aprendidas com a História foram transformadas em ensinamentos para as novas gerações. Como todo processo histórico, o período que se seguiu experimentou avanços.
As Forças Armadas, como instituições brasileiras, acompanharam essas mudanças. Em estrita observância ao regramento democrático, vêm mantendo o foco na sua missão constitucional e subordinadas ao poder constitucional, com o propósito de manter a paz e a estabilidade, para que as pessoas possam construir suas vidas.
Cinquenta e cinco anos passados, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica reconhecem o papel desempenhado por aqueles que, ao se depararem com os desafios próprios da época, agiram conforme os anseios da Nação Brasileira. Mais que isso, reafirmam o compromisso com a liberdade e a democracia, pelas quais têm lutado ao longo da História.
FERNANDO AZEVEDO E SILVA (ministro de Estado da Defesa)
ILQUES BARBOSA JUNIOR (almirante de Esquadra comandante da Marinha)
General de Exército EDSON LEAL PUJOL (Comandante do Exército)
Tenente Brigadeiro do Ar ANTONIO C. M. BERMUDEZ (Comandante da Aeronáutica)
Fonte: G1
Créditos: G1