Cupido fracassado

fotoRubens Nóbrega

Ainda bem que a reencontrei sexta-feira passada. Até então, andava preocupado e intrigado com o sumiço de Josely. Ela passou uns dois meses sem dar notícia. Nesse período, não mais deu o ar da graça no cafezinho onde a gente se encontrava quase todo santo dia útil, após o almoço, para conversar miolo de pote, rir das tiradas de Potinho de Veneno e até das ruindades de Gosto Ruim.

Matutando sobre a ausência injustificadamente prolongada de Josely, no começo da semana que passou cheguei mesmo à conclusão de que ela resolvera dar um tempo, justamente, por conta da nossa última conversa. Primeiro, porque o assunto foi sério; segundo, porque ela se abriu comigo como nunca fizera antes e, terceiro, porque ela esperou o pessoal se retirar para botar pra fora o que estava lhe aperreando.

Realmente, aquilo não era coisa pra se falar na frente da nossa turma. Diante dos nossos amigos, só sendo doida para confessar – como ela me confessou – que estava sentindo falta de um companheiro ou, no mínimo, de um ‘ficante’ (palavra que na hora não entendi direito).

– Já passei dos trinta, amigo. Não faz mais sentido ficar de namorico com seu ninguém, embora eu não fizesse questão de um namorado só pra de vez em quando, se é que você me entende… Um ficante, morou? Mas nem um assim me aparece. Está mesmo muito difícil encontrar um homem pra chamar de meu. Pense uma mercadoria escassa! – revelou.
Para validar a sua tese, Josely sustentou que nos tempos atuais pelo menos 50% dos homens estariam comprometidos e indisponíveis, em razão de casamento e laços similares. A outra metade estaria dividida assim: 25% de gays e 25% de ‘banda avoou’, categoria na qual incluiu solteirões convictos, raparigueiros incorrigíveis e candidatos a rufião com os quais não valeria a pena trocar sequer um olhar, muito menos uma carícia. Vida a dois, então, nem pensar.
– Se Gosto Ruim estivesse aqui ele diria que você esqueceu de deduzir dos 25% avulsos os chamados enrustidos, aqueles que vão morrer dentro do armário – disse-lhe, em mal sucedida tentativa de lhe aprimorar a inusitada estatística. Digo mal sucedida porque ela me olhou indisfarçadamente decepcionada. Talvez esperasse do ombro amigo pelo menos algo do tipo “Não é bem assim…”.
Percebendo que não agradara, tentei remendar. Disse-lhe que devia estar acontecendo alguma epidemia de cegueira no mundo masculino, pois achava muito estranho uma mulher inteligente e charmosa como ela não arranjar bom partido. “Deixa de tua falsidade, Rubão. Gosto tanto de mentira…”, reagiu ela, para em seguida anunciar que precisava ir embora terminar um trabalho no escritório.
Para me redimir, prometi a mim mesmo que arrumaria um namorado pra Josely. Lembrei-me, de cara, do meu amigo Obtemperado, a quem não via há algum tempo, mas soubera por Nó Cego que ele voltara à galeria dos solteiros e estaria mesmo à procura. Não contei história. Liguei pra um e pra outro até descobrir o número do celular do alvo da minha já deflagrada Operação Cupido.
Ele estava mesmo se separando de Comadre Olívia, atualizou-me o velho Nó. Esperado. O casamento deles, ouvia vez por outra, não andava bem há séculos. Terminaram numa boa, contudo, favorecendo o divórcio sem briga o fato de não terem filhos. Cada um iria pro seu canto, sem choro, vela ou mágoa. Melhor de tudo: apartar-se-iam enquanto ainda tinham idade e disposição para começar novo relacionamento.
De modo que com essa ficha o meu amigo Obtemperado parecia o par perfeito para Josely. Convencido disso, tratei de juntar os dois, ‘casualmente’, num sábado à noite. Convidei-o para tomar cerveja boquinha da noite numa barraca de Tambaú. Fiz o mesmo com ela. Deu certo. Encontramo-nos. E depois que senti certo entrosamento no projeto de casal, aleguei que precisava pegar a mulher no Pilates, pus na mesa o suficiente para cobrir as três ou quatro latinhas que emborcara até aquele momento e me arranquei dali.
Na manhã seguinte, ansioso para saber as novidades, nem me dei conta que era domingo e liguei meio cedo para Obtemperado. O telefone chamou, chamou… Nada. Tentei mais duas ou três vezes, mandei mensagem de texto… Nada. Desisti dele, mas não telefonei pra Josely. Apesar da velha amizade, naquele momento achei demasiado checar com ela o resultado ou desfecho da noite anterior.
Bem, o correr da luta e das semanas posteriores acabou por arrefecer bastante a minha curiosidade, transformando-a em um quase esquecimento. Mas, anteontem, com o reaparecimento de Josely, a lembrança da minha empreitada regenerativa no conceito da amiga atiçou-me de modo irresistível a vontade de saber, enfim, “no que foi que deu” (ou não, como diria Caetano). Mandei os pruridos às favas, como disse aquele ministro, e perguntei na lata:
– E aí, Jó, naquele dia lá com o meu amigo Obtemperado, rolou?
Daí pra frente, o que rolou foi uma surpreendente revelação.
– Rolou nada, Rubão, nadica de nada – respondeu ela.
– Poxa, amiga, lamento. Pensei que ia rolar.
– Eu também, mas…
– Afinal, foi que houve?
– Houve que ele ficou chapado e desatou a contar coisas como se eu fosse sua confidente. Aí…
– Aí o quê?
– Aí, meu querido, que da fruta que ele gosta eu como até o caroço. Vou até refazer aqueles meus cálculos, lembra?
– Não, não me diga! Obi? Tem certeza, amiga? É de não acreditar…
– Ô, Rubão, e tu acha que o casamento dele dançou por que, hem?