As investigações sobre as fraudes em contratos da Secretaria de Saúde com a Cruz Vermelha de Petrópolis para a gestão das unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) de São Sebastião e Recanto das Emas apontam uma verdadeira farra com o dinheiro público. Em entrevista coletiva na tarde desta quinta-feira (22/6), promotores disseram ter identificado 77 transferências bancárias feitas a terceiros, que não tinham nada a ver com a parceria firmada em 2010 entre a entidade com sede no Rio de Janeiro e o órgão local.
Segundo o promotor Luís Henrique Ishihara, da 4ª Promotoria de Justiça de Defesa de Saúde (Prosus), mesmo com as UPAs fechadas, nada do contrato foi executado. “Os envolvidos começaram então a gastar o dinheiro recebido. Dissiparam os recebimentos a terceiros, pessoas que não tinham nenhum vínculo com os contratos”, disse. As 77 transferências bancárias foram feitas ao longo de oito meses.
Os investigadores apontam um desvio de R$ 3.463.130,80 (cerca de R$ 8,9 milhões atualizados) pagos à Cruz Vermelha de Petrópolis pela gestão das unidades, em 2010, serviço que nunca foi prestado. Segundo a Secretaria de Saúde, apesar de haver decisão judicial no sentido de penhorar os bens dos envolvidos, até o momento, não foi localizado patrimônio suficiente em nome deles para quitar a dívida.
Em novembro do ano passado, o Metrópoles conseguiu documentos exclusivos que apontavam 15 pessoas físicas e sete empresas beneficiadas com os desvios. Entre elas, Carlos Augusto Baptista, que recebeu R$ 151,6 mil. Ele era responsável pela organização social (OS) Inase e foi investigado pelo Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF-RN) durante a Operação Assepsia, por suspeitas de irregularidades na contratação da entidade pelo Hospital da Mulher.
O promotor Luís Henrique Ishihara diz que as investigações continuam para identificar quem são as pessoas e empresas que receberam o dinheiro e o que elas fizeram com os recursos, por meio da quebra do sigilo bancário dos envolvidos. Os alvos do MP responderão por crimes de peculato, dispensa ilegal de licitação, uso de documento público falso e lavagem de dinheiro.
“Identificamos inúmeras condutas de servidores públicos que vieram a favorecer até em conluio com a Cruz Vermelha”, ressaltou Ishihara. Um dos indícios de que isso ocorreu, segundo os promotores, é que no mesmo dia da publicação do chamamento público para a parceria, feito pela Secretaria de Saúde, a Cruz Vermelha buscou o edital no Distrito Federal. Além disso, a entidade protocolou pedido para ser uma Organização Social no DF em agosto de 2009, antes de o documento ser divulgado pela pasta.
Operação Genebra
As investigações estão no bojo da Operação Genebra, deflagrada nesta quinta (22) pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Nove pessoas foram levadas para depor coercitivamente na Delegacia de Combate aos Crimes contra a Administração Pública (Decap). Entre elas, Joaquim Barros Neto, ex-secretário de Saúde, e o adjunto dele à época, Fernando Antunes.
Também prestaram depoimento na Decap Déa Mara Tarbes de Carvalho (ex-subsecretária de Programação, Regulação, Avaliação e Controle da SES), José Carlos Quináglia e Silva (ex-subsecretário de Atenção à Saúde da SES) e Alba Mirindiba Bonfim Palmeira (ex-secretária adjunta de Saúde), além de quatro ex-integrantes do Conselho de Saúde do Distrito Federal: Fátima Celeste, Maria Luzimar, Asenath Teixeira e Flora Rios.
Foram emitidos pela Justiça, ainda, três mandados de prisão preventiva, todos para o Rio de Janeiro, onde funciona a sede da Cruz Vermelha, contra Douglas de Oliveira, Richard Strauss Júnior e Tatty Anna Kroker. Eles foram trazidos para Brasília no início da tarde. Estão no Departamento de Polícia Especializada (DPE), ao lado do Parque da Cidade, e serão levados para a Papuda.
Em depoimento na Decap, Déa Mara Tarbes de Carvalho confirmou que tinha ciência de que a Cruz Vermelha filial Petrópolis não tinha experiência em gerir UPAs. “A Fátima Celeste (relatora do processo) disse que deveria seguir o parecer da Procuradoria do DF cancelando o certame. Ela recuou e passou por cima das irregularidades que ela mesmo tinha previsto”, ressaltou o delegado Jonas Bessa, da Decap.
No edital em que a Cruz Vermelha saiu vencedora, houve o interesse de apenas mais uma concorrente: a ONG Vida e Natureza. A entidade apresentou uma proposta 20 dias do prazo, que nem chegou a ser avaliada pela Secretaria de Saúde.
O contrato com a entidade com sede no Rio foi cancelado quase dois meses depois por suspeitas de irregularidades, mas, mesmo assim, a Cruz Vermelha recebeu R$ 3,463 milhões e não devolveu o dinheiro. O edital completo previa o pagamento de R$ 62 milhões.
O outro lado
Em nota, a Secretaria de Saúde informou que o contrato com a Cruz Vermelha foi celebrado no dia 02/07/2010 e rescindido no dia 17/09/2010. A Procuradoria-Geral do DF ajuizou, em 2011, ação visando à rescisão do convênio. A ação foi julgada procedente em primeira instância, condenando a ré a restituir toda a quantia ao erário. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) confirmou a sentença em 20/11/2013.
Ainda de acordo com a nota da secretaria, o cumprimento da decisão foi iniciado pelo Distrito Federal logo em seguida.” Até o momento, porém, não foram localizados bens bastantes para satisfação do crédito. No último dia 29 de maio, em nova tentativa, a PGDF peticionou em Juízo requerendo penhora de valores eventualmente disponíveis em contas ou aplicações financeiras em nome da Cruz Vermelha Brasileira – Filial Petrópolis”, complementou.
Também por meio de nota, a Direção Nacional da Cruz Vermelha Brasileira esclareceu que tem colaborado desde o início com as investigações a respeito de fraude em contrato de saúde com o Distrito Federal. Segundo a entidade, o convênio alvo de investigação foi realizado em junho de 2010 unilateralmente pela unidade regional de Petrópolis, sem anuência do órgão central.
“Devido à gravidade desse problema, a atual direção nacional incluiu esse tema na auditoria internacional, com a consequente intervenção da unidade regional de Petrópolis e afastamento dos dirigentes regionais”, informou.
“Desde aquela época a atual diretoria da CVB mudou seu estatuto e sistemas de normas e controle, adotando medidas que impedem ocorrências de situações similares, aumentando o controle da direção da entidade”, explicou em nota.
O ex-secretário de Saúde Joaquim Barros Neto negou qualquer envolvimento em irregularidades. Os demais citados não quiseram falar com a reportagem ou não foram localizados.
Fonte: Metrópoles