Em cinco dias, a Covid-19 matou uma jovem, de 31 anos, o pai dela, de 65, e a avó materna, de 82 anos. Eles moravam nas cidades de Itaquaquecetuba e Mogi das Cruzes. “Um abalo terrível na família. Um transtorno muito grande. Era uma casa cheia. Em sete dias enterramos três”.
Catia Antunes dos Santos estava há dois anos lutando contra mielodisplasia e mielofibrose, doenças causadas pelo mal funcionamento da medula óssea que podem evoluir para leucemia, o câncer no sangue. Nas redes sociais, contava a outras pessoas que passavam por este tipo de situação sobre sua rotina.
A jovem já tinha passado há um ano por um transplante de medula óssea doada pelo irmão Rubens, que era 100% compatível. O procedimento reverteu o quadro da mielofibrose. O segundo transplante seria feito com a medula da irmã, 50% compatível. No entanto, a Covid-19 chegou antes que ela pudesse vencer a luta contra a mielodisplasia.
O transplante precisava ser realizado com certa urgência, porque a doença poderia evoluir para a leucemia que, na situação dela, seria irreversível, conta o marido, o microempreendedor Luis Ricardo de Oliveira dos Santos, de 37 anos.
Em 31 de janeiro, ela se internou no Hospital das Clínicas de São Paulo. A programação era colocar um cateter e passar por sessões de quimioterapia, para na semana seguinte receber a medula. A digital influencer contou aos médicos que o marido estava com sintomas da doença.
Ela foi testada e o resultado deu negativo. Ainda assim, os médicos a mandaram para casa, com a orientação que ficasse em um local distante do marido. Ela então foi para a casa dos pais, em Itaquaquecetuba.
“A equipe médica disse que poderia ser fatal se ela passasse pelo transplante e estivesse com a Covid-19. Nessa semana seguinte, o pai dela a levava até o HC para fazer os exames. Enquanto isso eu estava em casa, em Mogi, com os sintomas se agravando. No final de semana seguinte, eles testaram de novo e ela estava com a Covid-19. Eles então orientaram que ela viesse para a nossa casa, porque poderia contaminar os pais”, relembra Luis.
No segundo dia que estava com o marido, os dois ficaram muito mal, com cansaço extremo. A equipe do HC ligou para acompanhar a situação e ela contou que a saturação estava em 86. Eles decidiram que ela deveria ser internada, no dia 9 de fevereiro, para tratar da Covid-19.
“Era muito difícil imaginar que ela estava passando por aquilo. Ela tomava remédio para manter a medula que tinha recebido do irmão e não poderia demorar. Parecia que tudo estava dando errado”, conta Luis.
Na mesma data, Luís Ricardo também procurou atendimento no Hospital Municipal de Mogi. Apesar da baixa saturação, os médicos orientaram a continuar o tratamento em casa, mas não poderia ficar sozinho. Ele então foi para a casa dos pais de Catia, ficar em um imóvel nos fundos.
Quando chegou lá, o sogro disse que também estava com os sintomas da Covid-19. Nos dias seguintes a sogra e a mãe dela, avó de Catia, também apresentavam saturação baixa.
“Com o tempo, eu já estava bem. Tanto que eu internei o pai dela no hospital, na Mooca, no dia 17 de fevereiro. Um dia depois, a avó dela também foi internada, mas no Santa Marcelina de Itaquaquecetuba”, diz.
Os boletins médicos atualizavam o estado de saúde cada vez mais sensível. Estava entubada há nove dias, o rim, o fluxo de oxigênio e a pressão arterial ruins. Curado da Covid-19, no dia 20 de fevereiro, um sábado, Luis foi ficar com a família na região rural de Mogi. Lá ele recebeu a notícia que tanto temia. Catia não havia resistido ao novo coronavírus.
“Eu não tinha pernas naquele dia. Eu não sabia o que falar. Meu tio e primo ficaram transtornados ao meu lado. A Catia era uma pessoa muito querida para a minha família. Eu não sabia o que fazer. Na hora pensaram que poderia ter sido a avó dela. Mas era a Catia. Todo mundo ficou em pânico. Foi muito difícil, complicado. O telefone tocando para eu fazer as coisas do velório, mas eu não conseguia acreditar”.
O sepultamento aconteceu no domingo, dia 21. Já na segunda-feira, o telefone trouxe a informação de mais uma morte. Carmelina Alves Pereira, de 82 anos, também não havia resistido. “A minha sogra enterrou a filha em um dia e no outro a mãe morreu”, relembra.
Na quinta-feira da mesma semana, o hospital na capital chamou a família para dizer que a Covid-19 fazia a terceira vítima fatal na família. Mario Antunes da Silva, o pai, aos 65 anos.
“É difícil de acreditar porque a gente estava sempre se prevenindo. Toda a família era cuidadosa. Usava máscara. Sempre deixava a roupa do lado de fora, tomava banho. Tinha muita cautela. Eu tinha que ir duas vezes na semana com ela no HC. Eu tinha que ter muito cuidado até com as compras do mercado que eu fazia. A gente não saia para outro lugar que não a família dela.”
Um sonho realizado
Catia trabalhava na área fiscal. Quando descobriu a doença, se afastou do trabalho. Mas decidiu que deveria ajudar as outras pessoas que também passavam pelo mesmo e passou a dividir a rotina em um perfil nas redes sociais.
Juntos há quatro anos, o casal sonhava em se casar. Ela queria também ter filhos. Em outubro do ano passado, durante a pandemia, se casaram.
“Foi um dia de muita emoção. Eu via ela ajudando as outras pessoas, incentivando mesmo, e acreditávamos que ela iria sair dessa. É muito difícil de aceitar, principalmente quando eu vejo as pessoas desrespeitando as leis, fazendo festas clandestinas, aglomerando, não usando máscara. Não pode subestimar esse vírus”, diz.
Fonte: G1
Créditos: G1