Considero a corrupção eleitoral um dos mais graves crimes praticados contra a humanidade

Corrupção eleitoral

Por Rubens Nóbrega

Do Jornal da Paraíba

corrupçao

Formalmente, contando da primeira assinatura na Carteira de Trabalho, completei em julho passado 40 anos de jornalismo. Neste ofício, quem o exerce obriga-se aacompanhar – em geral para noticiar ou analisar – o que se passa no meio político e administrativode todas as esferas, níveis e instâncias de poder, do municipal ao federal. Por conta desse tempo de janela ou batente, presumo ter alguma credibilidade para dizer o que vou dizer agora: após rebobinar e passar a fita desses quatro decênios, não encontreinemlembrei, sinceramente, de qualquer campanha eleitoral – como essa de agora – com tantas denúncias e evidências de tão ostensivo e despudorado uso da máquina pública em favor de uma candidatura.


Nos procedimentos já divulgados que caracterizam inequívocas condutas vedadas, nos termos da legislação eleitoral, destacam-se a arregimentação, mobilização e movimentação do exército de cabos eleitorais formado por comissionados e prestadores de serviço. Todos pagos com o dinheiro do contribuinte para fazer campanha, muitos deles forçadamente, pois se submetem em razão da mais primária necessidade de sobrevivência. Disso se aproveita quem não tem pejo de abusar do poder político e econômico tanto para contratar como para demitir quem se recusa a participar debandeiraços, adesivaços, panfletaços e as não menos famosas ‘visitas qualificadas’. Nas calçadas das avenidas mais movimentadas ou na abordagem casa por casa, a presa fácil desse rolo compressor é, claro, o eleitor mais pobre e mais despolitizado, inteiramente vulnerável à pressão e métodos de convencimento dos compradores de voto.
Mas os mentores e operadores do esquemão que se cuidem! Da mesma forma que não consigo localizar na minha história de jornalista algum paralelo de tamanho esforço para desequilibrar as condições de disputa, também não consigo imaginar uma vitória da impunidade para o caso presente. Tenho a mais fundada esperança de que o castigo virá. Meu otimismo está todo ele concentrado na competência e diligência do Ministério Público Eleitoral.Investigador dos malfeitos e propositor das ações cabíveis para responsabilizar e punir quem for encontrado em culpa, o MPE haverá de pedir e conseguir na Justiça, além do enquadramento do chefe e seu bando nos rigores da Lei da Ficha Suja, a devolução integral do dinheiro do povo que estão gastando para corromper eleitores.

VERDADE SABIDA
O troço está tão na cara, os fatos são tão notórios e notáveis que aposto como não preciso dizer aqui o nome daquele(s) a quem estou me referindo. Nessa mesma linha, confesso que dá uma
vontade enorme de ver restaurada até mesmo a discutível legalidade do instituto da verdade sabida para agilizar a punição dos malfeitores. Mas, ainda bem, é vontade que dá e passa ligeirinho. Que eles, mesmo fazendo o que fazem, tenham direito à ampla defesa, ao contraditório, ao devido processo legal, enfim, como manda a nossa Constituição. Só tenho certeza de uma coisa: se o esquemão fosse ao contrário, ou seja, comandado pelos adversários, o processo seria tão sumário e a condenação tão certa que os envolvidos não teriam direito sequer de sentar no banco dos réus. Seriam julgados de pé, direto no paredão, sob a mira do pelotão de fuzilamento.

Crime contra a humanidade
É o que é a corrupção eleitoral, como bem definiu o desembargador Pedro VallsFeu Rosa, do Espírito Santo, em entrevista concedida há quatro anos ao jornalista Antônio Carlos Lacerda, correspondente no Brasil do jornal russo Pravda. Leia com atenção, a seguir, trechos das declarações do magistrado capixaba sobre o assunto. Os argumentos e dados que ele expõe convencem qualquer pessoa de bem do grande mal que é a compra de voto.
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Considero a corrupção eleitoral um dos mais graves crimes praticados contra a humanidade. Isto porque o dinheiro utilizado para comprar votos, hoje, amanhã será recuperado através da corrupção e do favorecimento a interesses privados de grandes empresas, sempre em detrimento da população. É em grande parte graças a este mecanismo perverso de escolha dos governantes que 10% dos habitantes do planeta já deram propina a alguma autoridade, enquanto a cada cinco segundos morre uma criança de fome – eis aí uma relação de causa e efeito claríssima!
O pior é que a população muitas vezes não percebe a extensão e gravidade deste problema. Assim, por exemplo, nas últimas eleições 13% dos eleitores brasileiros confessaram ter vendido o voto – alguma coisa em torno de 18 milhões de pessoas. Isto é um escândalo. A partir daí fica fácil compreender porque estima-se que 30% de tudo o que o Brasil produz é tragado pela corrupção. E este quadro é mundial. Li que na Rússia, por exemplo, os prejuízos decorrentes deste problema chegam a US$ 316 bilhões a cada ano. Na África, diversos estudos concluíram ser este o maior dos entraves ao desenvolvimento. Enquanto isso, pelo mundo afora, 900 crianças morrem por hora vítimas da falta de um simples saneamento básico. Assim, não é exagero dizer que quem compra votos integra um sistema assassino, e até genocida.