Colunistas comentam crise entre Poderes

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Depois da Proposta de Emenda à Constituição que submete decisões do STF ao Congresso, foi gerada a crise entre os Poderes Judiciário e Legislativo. Diante de toda polêmica, o Blog separou a opinião de três analistas sobre o assunto.

Confira:

A crise que afronta

Zuenir Ventura

Há muito eu não via num dia só tanta gente conhecida preocupada com a perspectiva de uma crise institucional no país. A causa seria a emenda parlamentar que pretende submeter ao Congresso decisões do Supremo Tribunal Federal, usurpando-lhe o poder constitucional de dar a “última palavra”.

Saindo de uma sessão especial do belo e comovente filme “Flores raras”, de Bruno Barreto, encontro Cacá Diegues que, como se sabe, filma e pensa o Brasil com igual lucidez.

Estava chocado com a declaração de Renan Calheiros, acusando o STF de “invasão” por ter barrado a tramitação do projeto que limita a criação de novos partidos. É curioso porque o presidente do Senado carrega nas costas pesadas denúncias de “invasão”, só que do terreno da ética e dos bons costumes morais.

À tarde, eu já recebera de Ziraldo um telefonema indignado, dizendo que preferiria deixar o país se a ameaça se consumasse. Nem quando foi preso pela ditadura militar umas quatro vezes manifestou essa disposição de agora. “Isso é uma afronta à democracia”.

À noite, em casa, vi na TV Arnaldo Jabor revoltado, afirmando que se o “vexame” de fato acontecesse seria melhor fechar o Supremo. Ou então mantê-lo aberto, tendo na presidência José Dirceu e na Procuradoria-Geral da República, Valdemar da Costa Neto.

Sem ironia, a mesma hipótese tinha sido levantada pelo ministro Gilmar Mendes: “Se algum dia essa emenda vier a ser aprovada, é melhor que se feche o Supremo.” Seu colega Marco Aurélio não acredita na possibilidade de o Congresso “virar a mesa”, mas admite que a medida seja uma “retaliação” ao julgamento do mensalão pelo STF.

Não por acaso, na Comissão de Constituição e Justiça, que aprovou a emenda, estão homiziados dois mensaleiros condenados na ação penal 470, José Genoino e João Paulo Cunha, e um procurado pela Interpol por causa dos milhões de dólares que tem em contas bancárias no exterior: Paulo Maluf.

Finalmente, resta o personagem que criou toda essa confusão, um obscuro deputado pelo PT do Piauí, Nazareno Fonteles, que diz falar em nome do povo: “Nos submetemos ao crivo popular.” Suplente que deve o cargo não ao “crivo popular”, mas ao titular da vaga, Átila Lira (PSB), que se afastou para ser secretário de governo, esse Nazareno é um daqueles tipos do baixo clero prontos para os serviços sujos. Insignificante, sim, mas capaz de pÃ?r em risco com uma proposta irresponsável o que o país custou tanto a conquistar: o equilíbrio entre os poderes constituídos e a harmonia institucional.

 

STF tem a palavra final

Merval Pereira

Não há como negar a existência de uma crise entre o Legislativo e o Judiciário neste momento, e o pano de fundo é o julgamento do mensalão, agora na sua fase decisiva. Há diferenças fundamentais, no entanto, entre decisões tomadas nas últimas horas que geraram esse ambiente de mal-estar institucional.

O equilíbrio entre os poderes da República será quebrado caso o escandaloso projeto de emenda constitucional aprovado pela CCJ da Câmara, dando ao Congresso a possibilidade de rever decisões do Supremo e até mesmo submeter algumas delas a plebiscito, prossiga até o final do processo legislativo. Uma retaliação clara de um grupo petista à atuação do Supremo no julgamento do mensalão.

Já a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes sustando a tramitação do projeto de lei que cria obstácul os a novos partidos segue rigorosamente a jurisprudência da Corte e representa a defesa constitucional dos “princípios democráticos, do pluripartidarismo e da liberdade de criação de legendas.” A base de toda discordância está na não aceitação por parte de grupos políticos da predominância do Supremo Tribunal Federal no que se refere à interpretação constitucional.

É com o objetivo de ressaltar esse papel do Supremo de dar a última palavra em termos de Constituição que o ministro Gilmar Mendes lembra na liminar que, quando analisou a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o PSD, que tinha o objetivo de impedir que os parlamentares que foram para a nova legenda levassem consigo o tempo de televisão e o dinheiro do Fundo Partidário, o Supremo decidiu “assegurar aos partidos novos, criados após a realização das últimas eleições gerais para a Câmara dos Deputados, o direito de acesso proporcional aos dois terços do tempo desti nado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, considerada a representação dos deputados federais”.

Diante desta decisão, que, lembra Gilmar Mendes, foi acatada na última eleição municipal, o projeto de lei “parece afrontar diretamente a interpretação constitucional veiculada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.430, Rel. Min. Dias Toffoli, a qual resultou de gradual evolução da jurisprudência da Corte, conforme demonstrado”.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, levou a questão para o plano emocional quando afirmou que “da mesma forma que não interferimos no Judiciário, não aceitamos que o Judiciário influa nas nossas decisões”. Na própria liminar o ministro Gilmar Mendes já respondera a essa acusação reproduzindo um texto do decano da Corte, o ministro Celso de Mello, que diz que o Supremo pode interferir “sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Cons tituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional”.

Para o ministro Gilmar Mendes, diante da decisão anterior do STF, “a aprovação do projeto de lei em exame significará, assim, o tratamento desigual de parlamentares e partidos políticos em uma mesma legislatura. Essa interferência seria ofensiva à lealdade da concorrência democrática, afigurando-se casuística e direcionada a atores políticos específicos”.

O ministro Gilmar Mendes trouxe ao debate mais uma vez, na sua liminar, a impossibilidade de se alterar uma decisão do STF através de um projeto de lei, coisa que o próprio Supremo já considerou inconstitucional. A esse respeito, há a famosa discussão entre Rui Barbosa e Pinheiro Machado, que criticava uma decisão do STF. O episódio foi lembrado por Celso de Mello durant e o julgamento do mensalão, dizendo que Rui definira “com precisão” o poder da Suprema Corte em matéria constitucional:

“Em todas as organizações, políticas ou judiciais, há sempre uma autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, a alguém deve ficar o direito de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou como verdade.”

 

STF tem unanimidade para derrubar PEC que limita poder da Corte

Gerson Camarotti

Em conversa com o Blog, um ministro do Supremo Tribunal Federal alertou que se o plenário analisar o mandato de segurança que pede a suspensão de Proposta de Emenda à Constituição (que submete decisões do STF ao Congresso), a tese será derrotada por unanimidade. Ou seja, 10 x 0, já que uma vaga de ministro ainda não foi preenchida.

“Em qualquer momento que esse tema for analisado em plenário, não há dúvida que o Supremo irá decidir de forma unânime pela inconstitucionalidade”, disse o ministro, para em seguida completar: “A PGR entraria imediatamente com uma ação de inconstitucionalidade”.

Segundo ele, o prazo de 72 horas que foi dado pelo relator, ministro Dias Toffoli, para que a Câmara dos Deputados se manifeste sobre a proposta do deputado Nazareno Fontelles (PT-PI) foi um tempo concedido para que o próprio Legislativo encontre uma solução para o problema. A PEC foi aprovada nesta semana pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara

“Esse prazo serve para baixar a poeira. A Câmara pode refletir e dar um fim a isso. A tese desta PEC não tem cabimento”, observou esse ministro. Os integrantes do STF apostam que o próprio presidente da Câmara, deputado Henrique Alves, vai encontrar uma solução interna. “Percebo que a Câmara quer esquecer isso, e mudar rapidamente de assunto.”