CNV tomará depoimentos “históricos” na Paraíba

Nonato Guedes

Enquanto o governador Ricardo Coutinho (PSB) lançou, hoje, o portal da transparência da Comissão Estadual da Verdade, dotando o órgão de outros instrumentos para facilitar seu trabalho de apuração sobre violações de direitos humanos, ocorridas especialmente no regime militar, está agendado para segunda-feira, na cidade de Sapé, um encontro histórico para a tomada de depoimentos de figuras como Elizabeth Teixeira, viúva do líder camponês João Pedro Teixeira, assassinado na década de 60 a mando de usineiros daquela região, ex-deputado Assis Lemos, que foi um dos defensores das Ligas na Assembleia Legislativa, advogada paraibana Ofélia Amorim, que aos 23 anos defendeu trabalhadores reprimidos na luta por seus direitos, e a deputada federal Luíza Erundina, paraibana de Uiraúna mas representante do PSB de São Paulo e mentora da Frente Parlamentar da Verdade.

Serão tomados, ainda, depoimentos de Antônio Dantas, que atuava em associações de trabalhadores rurais e de uma filha de “Pedro Fazendeiro”, camponês que desapareceu juntamente com João Alfredo Dias, o “Nego Fuba”, depois de terem sido interrogados em unidades militares em João Pessoa. Igualmente serão colhidos testemunhos de trabalhadores rurais anônimos, que estarão sendo convocados para a sessão especial através de carros de som disponibilizados para a Comissão da Verdade. Instituída pelo governador Ricardo Coutinho, a Comissão Estadual compõe-se de sete integrantes. É presidida pelo professor Paulo Giovani Antonino Nunes e conta, ainda, com o pesquisador Waldir Porfírio, chefe de gabinete do governo do Estado, professora Lúcia Guerra, advogada Iranice Diniz, professora Irene Marinheiro, jornalista João Manoel de Carvalho, diretor do semanário “Contraponto” e professor Fábio Freitas. A Comissão de Preservação da Memória vai atrair para o evento de Sapé integrantes da Comissão Nacional da Verdade, que se farão acompanhar de quase uma dezena de assessores.

Os integrantes da congênere estadual atuam em dez linhas temáticas, envolvendo agrupamentos sociais que sofreram repressão por discordarem do regime militar e dos atos de exceção que foram cometidos, além das torturas e outras arbitrariedades, expostas em entrevistas a jornais ou transcritas em livros pelos que foram vitimados na ditadura. Waldir Porfírio ressalta que os resultados têm sido bastante significativos até agora, citando como exemplo a providência de digitalização de arquivos do Dops, contendo informações valiosas dos órgãos de segurança sobre o rol dos acusados de suposta subversão em fases distintas do regime militar. Além do portal, a Comissão Estadual ganhará espaços para vídeos, guarda de arquivos e imagens de depoimentos que serão transmitidos ao vivo, para um melhor acompanhamento por parte da sociedade.

Ao contrário de divergências ocorridas no âmbito da Comissão Nacional da Verdade, que motivaram o afastamento do jornalista Luiz Cláudio Cunha, na Paraíba o ambiente é de colaboração entre os grupos que compõem a Comissão da Preservação da Memória. Elizabeth Teixeira chegou a participar de filmagens do documentário “Cabra Marcado para Morrer”, que foram interrompidas por cineastas paraibanos devido à eclosão do golpe de 64. Ofélia defendia as Ligas Camponesas antes mesmo da eclosão do movimento militar e chegou a ser homenageada em João Pessoa em cerimônia pública, que a deixou bastante emocionada. Ela empunhou a causa pouco tempo depois de ter se formado em Direito. Na pauta da Comissão Estadual está a apuração da explosão de uma bomba, na década de 70, no Cine Apolo XI, na cidade de Cajazeiras, no alto sertão. O cinema pertencia à diocese e o artefato foi colocado debaixo da poltrona do bispo dom Zacarias Rolim de Moura, que, no instante, encontrava-se no Recife. Houve vítimas fatais e feridos, entre seguranças e operadores de filmagem do cinema. Dom Zacarias era da linha conservadora da Igreja e um inquérito formal chegou a ser instaurado, sem que até hoje qualquer conclusão oficial fosse revelada de público. O ex-deputado João Bosco Braga Barreto, líder populista de oposição que atuava em Cajazeiras, foi incriminado na fase inicial, mas as autoridades não conseguiram provas suficientes para inquiná-lo como autor intelectual da explosão. O escritor cajazeirense Francisco Salles Cartaxo, que reside no Recife e que tratou do atentado num dos seus livros, mantém viva a esperança de que a Comissão da Verdade evolua para a elucidação do que aconteceu na noite do dia fatídico na cidade onde ele nasceu.