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“Cid ligava e perguntava: Pode vender?”, diz ex-chefe de área de presentes do do Palácio do Planalto

Foto: reprodução

A VEJA conversou com o antigo chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica do Palácio do Planalto, investigado no caso sob a suspeita de atuar em conluio com Bolsonaro e seus assessores para o desvio dos presentes. Marcelo Vieira , que cuida do inventário presidencial desde o governo de Michel Temer, confirmou que, de fato, havia o entendimento no órgão de que certos dados apresentados ao presidente da República se enquadravam na categoria de “personalíssimo”, ou seja, faziam parte do acervo pessoal do mandatário. Nesse caso, portanto, poderiam ser negociados, desde que fossem seguidos alguns protocolos. Os relógios, por exemplo, poderiam ser vendidos aqui ou mesmo no exterior, mas antes que Bolsonaro deveria ter comunicado sua intenção à União. Leia uma entrevista:

A Polícia Federal afirma que durante sua gestão foram criadas brechas para permitir a incorporação de presentes recebidos por Bolsonaro como bens privados. Isso aconteceu? Isso é uma ilação. Qual é a brecha? O que eu chorei? Eu trabalhei apenas com a lei, com o decreto e com o acórdão do TCU. O meu trabalho foi técnico durante todo o tempo, e nem conheci o presidente Bolsonaro.

O senhor conversou com o presidente sobre as joias? O Cid me ligou no dia 27 de dezembro, num contato de não mais que um minuto. “Marcelo, tenho um ofício de um presente para o presidente que está retido na Receita e preciso que você assine para liberar”. Eu falei: “Manda pelo WhatsApp que vou dar uma olhada”. Logo no primeiro parágrafo vi que estava escrito que o presente era para o Estado. Expliquei que não poderia continuar. Aí o Cid disse: “Marcelo, então explique para o chefe”. Aí eu passei essas informações ao presidente, que só falou “Ok, obrigado” e desligou.

E com o Cid, o senhor tratou com ele sobre os presentes? Ele me ligava sempre: “Marcelo, o presidente recebeu isso”. Um detalhe interessante é que ele já emitia um juízo de valor: “Isso é personalíssimo”. Eu falei assim: “Cid, pelo amor de Deus, isso não é personalíssimo”. E eu repeti até o último dia que era personalíssimo só o que era dado por chefe de Estado. Todas as conversas que eu tive com o Cid foram relacionadas a presentes que o presidente recebeu.

O Cid comunicou a intenção de vender os itens personalíssimos? Formalmente, não. Uma ligação para tirar uma dúvida não é uma comunicação. Cid me ligou e perguntou: “Pode vender?”. Eu respondia: “Podemos, desde que obedeça à lei”. Em caso de venda, a União tem direito de preferência. Os presentes não podem ser alienados para o exterior sem manifestação expressa da União. O gabinete não emite juízo de valor. A gente só responde aquilo que nos perguntam de acordo com a legislação.

Pela regra, o que deve ser feito antes da venda ou da tentativa dela? Se quiser vender ou mesmo fazer algo do acervo privado presidencial, tem de avisar a União. Isso porque a legislação diz que os detentores do bem, que aí passam a ser o presidente ou o seu representante, têm de avisar sobre qualquer transação, porque a gente tem de saber para alterar o status: saiu de Brasília para o Rio de Janeiro, por exemplo. E, se o bem for alienado para o exterior, tem de haver uma manifestação expressa da União. Não houve qualquer comunicação oficial nesse sentido.

Em sendo obrigatória essa comunicação de venda, e ela não tendo sido feita, isso caracteriza o quê? Eu prefiro que um advogado diga. Mas eu entendo que está contrariando a lei, é uma ilegalidade. Agora, se houve um erro de repente no modus operandi , não sei. O Cid, de modo geral, estava sempre tentando fazer o que era certo.

No seu entendimento, um relógio recebido por um chefe de Estado pertence ao presidente? No nosso entendimento, relógio é um bem personalíssimo, independentemente do valor. Outro exemplo, o presidente Bolsonaro foi aos Estados Unidos e ganhou do Trump uma camisa de futebol. Camisa é de uso personalíssimo. E ele também ganhou uma camisa emoldurada, escrita “Bolsonaro”, e gostaria que o quadro ficasse para ele. Um quadro não é um bem personalíssimo, ele não vai usar uma camisa emoldurada.

Isso se aplicaria também ao relógio Piaget que Lula usou durante a campanha? Segundo o Lula, ele recebeu o relógio de um chefe de Estado. Se as pessoas consideram que o relógio é um item personalíssimo, então o presidente Lula pode usá-lo. Pelo visto, o erro que também ocorreu nesse caso não foi registrado no acervo.

E-mails mostram que Jair Renan, filho de Bolsonaro, tentou levar alguns presentes. O que aconteceu? Um dia o filho do presidente chegou lá acompanhado de um influenciador . Então, mandei uma mensagem ao chefe de gabinete dizendo: “O Renan está aqui querendo pegar alguns objetos”. O chefe do gabinete estava ao lado do presidente e repassou o recado. O presidente só falou assim: “Manda ele (Renan) subir agora”. A orientação que recebi foi: o que não tiver problemas, pode deixá-lo levar. Era camisa camuflada, bonequinho, nada de grande significado.

Por que o senhor se emociona ao falar desse caso? Estamos falando em conluio e que eu sou bandido. Sou um chefe de família que estava apenas trabalhando. A polícia veio na minha casa, a minha esposa ficou desesperada. É por isso que eu me emociono. Não quero mais saber de serviço público.

Fonte: Polêmica Paraíba com Paraíba.com
Créditos: Polêmica Paraíba