“Apenas coloquei no papel uma interpretação possível dos rumos que deu à sua carreira, baseado em informações públicas e notórias. Foi o suficiente para ele me colocar no seu index pessoal”
O debate sobre o direito que figurões teriam ou não de impugnar biografias não autorizadas que tragam revelações desagradáveis a seu respeito me fez lembrar de um episódio ocorrido quando eu trabalhava numa editora de publicações musicais, no início dos 1980. |
Uma entrevista exclusiva com Roberto Carlos era o grande sonho da Imprima Comunicação Editorial. E ele finalmente concordou em concedê-la, com a condição de que não fosse eu o entrevistador.
O motivo do veto foi eu ter cogitado, num longo texto dedicado à sua trajetória, a hipótese de que o problema na perna (ele manquitola) tivesse influenciado sua maneira de ser como artista.
Em seus primórdios, RC se enturmou com uma patota de roqueiros brigões da Tijuca (RJ). Mas, por ser franzino e se movimentar com dificuldade, não deveria fazer grande figura nos arranca-rabos, se é que deles participava. Isto, contudo, não afetou a sua aceitação no grupo.
Supus que tal se devesse ao jogo de cintura, à capacidade de se fazer estimar por aqueles que costumeiramente respeitavam apenas os que lhes eram iguais. Resumindo: por lhe faltar força física, RC deveria ter desenvolvido astúcia.
E teci um paralelo com sua pouca fidelidade aos valores inconformistas da Jovem Guarda. No momento certo, ele deixou de lado a rebeldia comportamental e, acompanhando o envelhecimento do seu público, tornou-se um melífluo compositor e intérprete de músicas românticas (fui tão comedido que nem sequer as rotulei de xaroposas, como mereciam…).
Erasmo Carlos e Tim Maia continuaram intrinsecamente rebeldes porque a rebeldia estava em seus corações. RC deve ter ouvido a voz da razão, que lhe aconselhava uma guinada conservadora se quisesse continuar quebrando recordes de vendagem de discos.
Não fui, em momento nenhum, indelicado com o RC nem devassei sua intimidade. Apenas coloquei no papel uma interpretação possível dos rumos que deu à sua carreira, baseado em informações públicas e notórias.
Foi o suficiente para ele me colocar no seu index pessoal e, abusando do poder de fogo que tinha, determinar à editora quem o poderia ou não entrevistar.
Sem medo de errar, afirmo: é isto que ele e os outros pavões estão querendo atualmente. São figuras públicas, ganharam fortunas graças à exposição incessante de praticamente todos os detalhes de suas vidas, mas agora reivindicam o direito de expurgar a parte dessas informações que, por um outro motivo, incomoda seus superinflados egos.
Atentam, sim, contra a liberdade de expressão. Têm, sim, de receber um sonoro não! da Justiça. Ou estaremos consentindo em que nossa democracia estabeleça distinções entre os iguais e os mais iguais.
É verdade que isto já ocorre na prática, mas passarmos recibo, estuprando a Constituição, seria dose de elefante. Vamos pelo menos manter as aparências, senhores me(r)dalhões!
Por último, não pode passar em branco a postura de Caetano Veloso, artista que antes alvejava com seus sarcasmos a geleia geral brasileira e agora é o primeiro a tentar torná-la ainda mais gelatinosa. Também envelheceu mal e tem ajudado a alavancar as piores causas, como o fracassado lobby dos discípulos de Ali Kamel contra as cotas raciais.