Carlos Dunga: a repetição de um episódio

Nonato Guedes

fotoO mandato-relâmpago de cinco horas de Carlos Marques Dunga como deputado estadual, na última sexta-feira, em meio a recursos judiciais contestando retotalização de votos que havia garantido a sua ascensão à titularidade, fez lembrar um outro episódio: a meteórica passagem de Dunga pelo governo da Paraíba. Exatamente cinco horas, uma coincidência inusitada. Em matéria de capa intitulada “O dunga da Assembléia”, datada de 23 de março de 1991, a extinta revista “A Carta” destacava que o período de governo mais rápido da história paraibana talvez tenha sido protagonizado por Dunga, então presidente da AL, que substituiu o ex-governador Tarcísio Burity para transferir o cargo a Ronaldo Cunha Lima, que havia sido eleito em segundo turno na campanha de 1990, derrotando Wilson Braga. Como primeiro mandatário do Estado, Dunga teve a chance de assinar ordens de serviço beneficiando três municípios e deixar um protocolo de intenções sobre o que teria sido a sua marca pelo Executivo se a permanência fosse mais duradoura.

Dunga contava à revista: “No período de cinco horas à frente do governo, procurei, pelo menos, pensar o que iria fazer se efetivamente fosse o governador por um tempo maior, e deixei para o governador Ronaldo Cunha Lima, documentadas, minhas ideias sobre a administração estadual, para uma análise por sua parte no aproveitamento à frente do Executivo”. Numa tarde de sexta-feira, dia 15 de março, Dunga-governador recebeu no Palácio prefeitos de oito municípios que apresentaram pleitos de solução viável. Com o seu “jamegão” foram criados os colégios estaduais de Puxinanã e Fagundes, bem como estadualizadas as escolas de primeiro e segundo graus dos distritos de Alcantil, Caturité e Bodocongó. A expectativa de Dunga, naturalmente, era a de que Ronaldo colocasse em prática as demandas por ele legadas. O então parlamentar não escondia a emoção de ter ascendido ao governo, mas dava ênfase, mesmo, ao comando que exercia na Assembléia, em regime de colegiado. ‘Dunga’ mesmo é o funcionário mais humilde, que trabalha com afinco, com fé e entusiasmo, mesmo sem receber vencimentos há mais de três meses, definia o ex-dirigente do Legislativo. O ocaso do governo Burity, a quem Dunga e Ronaldo sucederam, fora marcado por atropelos econômicos e financeiros e por dificuldade de relacionamento com deputados estaduais.

Fazendo projeções sobre a administração que Ronaldo encetaria, Carlos Dunga acentuava que os eflúvios eram promissores. “Com ele a Paraíba poderá sair do caos em que se encontra, mas é preciso que haja união de toda a classe política e empresarial para este soerguimento”, preconizava Carlos Dunga, advertindo para as limitações que qualquer governante teria no mister administrativo. A conjuntura levou o então presidente da AL a propor uma trégua a fim de que a Paraíba saísse do atoleiro, expressão que ele usou para definir o quadro pouco otimista. No protocolo de intenções, para ser lido por Ronaldo, Dunga insistia na necessidade de um esforço concentrado que priorizasse o ser humano. Sugeria alocação de recursos disponíveis na regularização do pagamento ao funcionalismo estadual, que estava atrasado. Mas pedia atenção especial à agricultura. Ele havia ocupado a secretaria de Agricultura do Estado e entendia que o setor carecia de investimentos e de estímulos fiscais para que fossem potencializadas as culturas do milho, feijão, algodão, sisal, abacaxi e produtos hortigranjeiros. Na Educação, Dunga firmou o princípio de que todo aglomerado com população superior a 300 crianças em faixa escolar deveria dispor de estabelecimento de ensino de nível médio. A malha rodoviária era objeto, igualmente, de suas preocupações, em paralelo com a modernização do serviço público, evitando-se o paternalismo assistencialista do Estado. E, na Saúde, propunha um plano de salvação do povo, com a redução dos baixos indicadores de eficiência no atendimento da rede pública. A Assembléia, na época, fora alvo de insinuações de desgaste por parte de Burity. Dunga rebatia: “Não há Legislativo desmoralizado. Há mau parlamentar. E o mau parlamentar deve ser julgado pelo povo, que é soberano”.

Na gestão interna na AL, ele valorizou os que trabalhavam e tornou sem efeito gratificações de quem não comparecia ao expediente. Carlos Dunga tem origem humilde. Foi caminhoneiro entre 1957 e 1965, quando deixou a aventura nas estradas após o terceiro acidente com o seu caminhão. Seguindo oconselho do pai, que também era caminhoneiro, resolveu continuar os estudos em Campina Grande e tornar-se bacharel em Direito. Natural de Pombal, com passagem por Campina, Dunga foi convidado por Ernesto Heráclito do Rego para ser professor em Boqueirão. Da escola partiu para a prefeitura do município e de lá para a Assembléia. O “professor Carlos”, como era chamado, chegou a ser cogitado como candidato a vice-governador na chapa encabeçada por Antônio Mariz, que foi vitoriosa em 94, mas o escolhido acabou sendo José Maranhão. Conhecido pela sua lealdade, tudo o que Carlos Dunga deseja, agora, é retomar o mandato de deputado. Em 2010 ele obteve mais de 18 mil votos e acabou sobrando nos cálculos de sufrágios que beneficiaram Genival Matias, do PT do B. Ficou na suplência da deputada Daniella Ribeiro, do PP, e é, também, suplente de senador de Cícero Lucena (PSDB). Mesmo com o imbroglio que tornou nula sua reinvestidura na sexta-feira, Dunga promete ir amanhã à Assembléia dar expediente. “Só saio do plenário preso”, avisou, com antecedência.

Ricardo Marcelo apoia luta de Dunga na Justiça

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O presidente da Assembléia Legislativa da Paraíba, Ricardo Marcelo (PEN), externou, em mensagens postadas no Twitter, a sua solidariedade ao ex-deputado Carlos Marques Dunga, que teve anulada pelo juiz Márcio Aciolly a sua investidura no mandato estadual depois do TSE e do TRE terem lhe dado ganho de causa em meio à retotalização dos votos referentes à disputa proporcional de 2010. Dunga, que obteve 18 mil sufrágios, estava na condição de suplente em virtude de entendimento predominante que favorecia a ascensão ao cargo titular de Genival Matias, do PT do B. A recontagem, oficializada, beneficiou o projeto do petebista Carlos Dunga de ascender ao mandato, mas a liminar do juiz sustou os efeitos e criou uma situação de indefinição.

Carlos Dunga, que já presidiu a Assembléia Legislativa e foi deputado federal, além de secretário de Agricultura do Estado, anunciou que recorrerá da decisão mas que independente disso vai comparecer segunda-feira à Assembléia. “Só sairei do Plenário preso”, reagiu o petebista. O presidente Ricardo Marcelo afirmou, através do Twitter, que deu posse a Carlos Dunga cumprindo uma determinação emanada da Justiça Eleitoral. “Sempre cumpri e vou continuar cumprindo determinações judiciais, pois assim é que deve ser feito”, proclamou o presidente da Casa de Epitácio Pessoa, estranhando a liminar concedida que sustou os efeitos da diplomação e posse de Carlos Dunga.

O senador Cássio Cunha Lima, do PSDB, por sua vez, manifestou, também, completa solidariedade ao que considera direito líquido e certo do então suplente Carlos Marques Dunga. Cássio desabafou ser lamentável que atitudes estranhas continuem acontecendo na esfera da Justiça Eleitoral paraibana, aludindo à sua via crucis desde a cassação do mandato como governador, em 2009, até o impedimento para que ele assumisse a cadeira no Senado, depois de ter sido o mais votado em 2010, obtendo mais de um milhão de sufrágios. Cássio acha incompreensíveis posicionamentos dessa natureza que desrespeitam a vontade popular. Lembrou que, no seu caso, levou quase um ano para ocupar o mandato no Senado. Durante esse período, ocupou a vaga o peemedebista Wilson Santiago, que ficou em terceiro lugar na disputa senatorial, passando, inclusive, a integrar a Mesa da Casa, embora o processo estivesse sub-judice. A investidura de Cássio como senador foi oficializada depois que o Supremo Tribunal Federal bateu o martelo e recomendou à Mesa do Senado, então presidida por José Sarney, que tomasse providências administrativas para a sua efetivação no mandato. Nesse episódio, houve, também, pressão da parte do PSDB e do senador paraibano Cícero Lucena, que ocupava a primeira secretaria do Senado, responsável por providências inerentes à investidura de parlamentares. O clima é de expectativa quanto aos desdobramentos do impasse envolvendo a ascensão de Carlos Dunga ao mandato parlamentar.