CARLOS CHAGAS “VAI TER, SIM SENHOR!”

 O grito de “não vai ter copa!” foi entoado nas ruas de São Paulo, na noite de sábado, por quinhentos manifestantes e no máximo trinta arruaceiros. Jovens protestaram sob o argumento de que o governo desperdiça recursos para realizar a Copa do Mundo de futebol, em detrimento de investimentos em saúde e educação. Podem até ter razão, perdida quando os tais black-blocks misturaram-se ao grupo e passaram a depredar agencias bancárias, lojas de venda de automóveis, restaurantes e pontos de acesso ao metrô, além de incendiar um ônibus, um carro e montes de pneus que espalharam no percurso até o centro da cidade.

Que tipo de apoio esses irresponsáveis imaginam dispor numa população de duzentos milhões de pessoas? Esperam que o cidadão comum, até o frequentador dos estádios, se omitam ou intimidem diante de seus protestos? Pretendem fazer fracassar uma das poucas alegrias concedidas a uma sociedade carente e sofrida?

Faltam juízo e conhecimento da História a esses inocentes úteis manipulados por vândalos. Em 1970, quando mal tinham nascido, ou nem isso, o Brasil assistiu pela televisão a Copa do Mundo realizada no México. Mandava no governo o mais radical dos generais-presidentes, Garrastazu Médici. A tortura começava nos porões da ditadura, a censura à imprensa era implacável mas o país continuava vivendo. Ou sobrevivendo. A campanha do selecionado nacional ia de vento em popa, acompanhada por todo mundo. Na véspera da partida final com a Itália, Médici mandou avisar os jornalistas estar disposto a conceder uma entrevista. Era adepto do futebol, assistia jogos nacionais no Rio, São Paulo e Porto Alegre enclausurado em cabines destinadas aos narradores do rádio, sem que as torcidas soubessem. Evitava vaias, caso os alto-falantes anunciassem sua presença.

Na entrevista inédita, seus auxiliares participaram que não falaria de política. Só de futebol. Como sempre acontece nessas ocasiões, havia sabujos entre os repórteres, e um deles logo indagou: “então, presidente, vamos ganhar amanhã? Qual o seu score?”

A resposta vinculada à euforia patriótica daqueles idos foi a esperada: “Ora, o Brasil ganhará de quatro a um!”

Começa o jogo, uma das maiores seleções formadas entre nós batia os italianos por três a um. De Norte e Sul, tanto faz se entre esquerdistas, direitistas e neutros, era uma alegria só. Seríamos campeões do mundo, melhor dizendo, tricampeões.

Faltando poucos minutos para o final, o país se dividiu. Metade dos 90 milhões ansiava pelo quarto gol. A outra metade, quando Pelé pegava a bola, os votos eram para que jogasse pela lateral. Foi quando o craque dos craques dribla dois ou três e escorre para Carlos Alberto, que vinha lá de trás. Brasil, quatro a um…

Foi a consagração do ditador, porque todos os jornais e noticiários daquele dia estamparam na primeira página e nos tele e rádio-jornais a previsão do dia anterior. Durante meses, continuando a frequentar os estádios, Médici não mais se escondia. Mandava anunciar sua entrada na tribuna de honra, aplaudida por cem mil torcedores, de pé, em homenagem ao presidente “que era gente como a gente”, como apregoavam os sabujos.

É claro que não durou muito aquela euforia. Logo prevaleceu a natureza das coisas. Apesar de a economia andar bem e de não haver desemprego, a ditadura ia ampliando suas garras e presas.

Esses episódios se contam a propósito de uma conclusão: mesmo sufocada, a população manifestou-se e integrou-se na Copa do Mundo. Imagine-se agora, que pode respirar democraticamente. (A menos, é claro, que por um desses golpes do destino, nosso time venha a ser desclassificado nas preliminares…)