Polêmicas

Campestre 2 - Rubens Nóbrega

19 de março de 2014, por volta das 17h05.

O relógio da Catedral de Nossa Senhora da Conceição mal bateu as cinco badaladas da tarde chuvosa e o ginásio do Campestre, cinco quilômetros a oeste do templo católico, já não cabe de tanta gente.

Do lado de fora do clube, tropa de elite formada por policiais militares à paisana e bombados (da empresa de segurança preferida da alcaidaria local) tenta controlar a multidão ansiosa por participar da grande festa.

Porteiros e seguranças em visível apuro. A turba só faz aumentar a cada ônibus que desembarca nas proximidades, vindo de alguma cidade do interior, trazendo mais uma caravana de fanáticos seguidores e admiradores do senador.

O homem só deve chegar ao Campestre por volta das nove da noite. A chegada será apoteótica, sem dúvida. Pra vocês terem uma idéia, logo cedo correu o boato de que ele seria carregado sobre um andor, do meio da rua ao interior do clube.

Por volta do meio dia, contudo, um porta-voz apressou-se em desmentir a história. O senador entraria no clube nos braços do povo, é verdade, mas, em vez do andor, ele deverá ser carregado sobre os ombros do indispensável Jacaré.

De qualquer forma, persistia a dúvida sobre quem realmente carregaria o aniversariante. Tudo porque nos bastidores corria frouxa a versão segundo a qual um robusto deputado da bancada governista na Assembléia se oferecera para substituir o Negão Jacaré na honrosa missão.

Mas o parlamentar teria sido demovido de seu nobre intento pelos organizadores da festa. Argumentaram, com razão: se lhe fosse dada e consumada a tarefa, criaria uma ciumeira danada entre seus pares igualmente interessados em prestar o relevante serviço. Lá pras oito da noite…

A sirene de um caminhão dos Bombeiros na entrada do clube é acionada para anunciar a chegada dos familiares do senador, que desembarcam de três confortáveis vans e são aplaudidos delirantemente pelo público que ainda não entrou no ginásio e ficou do lado de fora só para ver o desfile de celebridades no tapete vermelho.

De repente, um princípio de tumulto. Fãs mais ardorosos, de ambos os sexos, agarram o filho do senador pelo paletó e disputam na base da tapa, cotoveladas, caneladas e empurrões, o privilégio de receber um olhar, um ‘oi’ ou até mesmo o carinho do rapaz. O incidente não evolui, felizmente. Bombados distribuem porradas democraticamente e dispersam a tietagem.

Vinte minutos depois, começam a chegar autoridades estaduais mais expressivas. O governador, atrasado como sempre, é aguardado com certa ansiedade. Especula-se que ele e o senador estariam em rota de colisão, por conta de pesquisa de intenções de voto divulgada no dia anterior.

Publicada a pesquisa, dando mais de 30 pontos de vantagem para o senador na corrida sucessória, o clima pesou e azedou entre os grupos que acompanham um e outro líder com fidelidade canina, bovina e caprina. Quem pune pelo favorito diz que é a vez dele voltar ao Palácio; quem defende a reeleição do governador já começa a chamar os aliados de ‘traíras’ e diz abertamente que a pesquisa foi armação, sacanagem.

E quando chega a hora…

Nove em ponto, sirenes, buzinas, charangas e foguetões anunciam o senador. Que Jacaré que nada! Iluminado pelo foco de canhões de luz que rasgam os céus da eletrizante noite campinense, o senador vem do alto, dentro de uma concha dourada pendurada em um guindaste.

Delírio total. Gritos, choro e desmaios se sucedem enquanto o senador se aproxima do centro do tapete vermelho. Nos telões, quando as câmeras fecham no rosto do astro, dá pra ver que ele também está emocionado e agradece soltando beijos, acenos, sorrisos e lágrimas, ao mesmo tempo em que puxa, coça e passa os dedos pelo nariz, alternando esse tique com ajeitadas na franja.

Quando pousa, o senador é imediatamente cercado por seguranças bem parrudos e levado nas carreiras para dentro do clube, onde sua aparição é saudada com frenesi sem precedentes. Literalmente empurrado até o palco, lá cumprimenta os presentes e abraça o mestre de cerimônia já rouco de tanto gritar e enaltecer o homem.

Um desfecho inesperado

Quando o locutor oficial começa a listar os oradores e informa que o poeta pai do senador será o primeiro a falar, o agito se agiganta dentro do Campestre. O barulho é tamanho que dá a sensação de estar em curso um terremoto em Bodocongó ou um tsunami no Açude Velho.

O grande tribuno aproxima-se do microfone, mas é interrompido por zoada bem maior do que aquela preparada pela claque. Todo mundo no clube ouve o som inconfundível das hélices de um helicóptero que dá alguns rasantes sobre o Campestre e aterrissa numa quadra de esportes descoberta bem próxima do local da festa.

Do helicóptero, desce ninguém menos que o Excelentíssimo Senhor Governador, acompanhado pela belíssima primeira-dama e dois fidelíssimos escudeiros que também trabalham como secretários de Estado. Nesse momento, alguém aciona um foguetório ainda maior do que aquele que recepcionou o grande homenageado da noite.

O pessoal que cerca o aniversariante acusa o golpe no ato. O senador, da mesma forma, fecha a cara. Um despautério, aquela girândola, bem maior e mais duradoura do que a que foi acionada na entrada do aniversariante.

Indiferente a tudo isso, governador e comitiva entram no clube e vão direto para o palco, onde o senador já está de microfone na mão, pronto para iniciar o seu discurso, pois acabara de combinar alguma coisa ao pé do ouvido com o pai. Ato contínuo, após ligeira saudação ao público presente, encara o governador, que já está ao lado, estica e põe o indicador bem pertinho do nariz de Sua Excelência e manda a ver:

– Escuta aqui, Governador, se o senhor não tem condições de tomar conta direito do meu Estado, saiba que eu vou tomar o Estado do senhor…