A proposta original é para acabar com o foro privilegiado, mas devido a articulações nos bastidores do Congresso, a tendência é expandir esse direito para ex-presidentes. O objetivo é proteger o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em primeira instância por corrupção e lavagem de dinheiro, e manter a proteção ao presidente Michel Temer, investigado na Operação Lava Jato.
Para isso, deputados planejam incluir na proposta de emenda à Constituição (PEC) 333/2017, que acaba com o foro especial para autoridades, um trecho que dê o benefício a ex-mandatários do País. Nos bastidores, parlamentares afirmam que a iniciativa será do PMDB.
O deputado Wadih Damous (PT-RJ) também é citado como um dos possíveis autores da mudança, mas ele nega. “Nunca apresentei essa proposta. Não vou apresentar. Não há clima para esse debate”, afirmou ao HuffPost Brasil. O deputado defende a manutenção da prerrogativa de foro como está na lei atual.
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados discute nesta quarta-feira (22) PEC 333/2017, aprovada pelo Senado em maio. O texto mantém o foro apenas para os chefes dos três poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Se for aprovada na CCJ, a PEC segue para uma comissão especial, onde terá o prazo de 40 sessões plenárias para ser discutida. Na etapa seguinte, o texto vai para o plenário da Câmara, onde precisa de 308 votos, em dois turnos, para ser aprovado.
É na comissão especial que a discussão sobre o foro para ex-presidentes deve acontecer. “É uma blindagem. Como essa Câmara é corporativista tudo é possível, mas nós vamos trabalhar contra”, afirmou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG).
O parecer do relator, deputado Efraim Filho (DEM-PB) é favorável ao texto aprovado no Senado. “Concluímos o voto no sentido da admissibilidade”, escreveu o parlamentar na análise que exclui qualquer problema de conflito do texto com as normas legais.
Em 2005, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional o foro privilegiado para ex-presidentes. O direito estava previsto na Lei nº 10.628, sancionada em dezembro de 2002 pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, dias antes do fim de seu mandato. Em 1999, o Supremo já havia derrubado o benefício.
Foro privilegiado
De modo geral, o foro privilegiado é a prerrogativa de ser julgado por um tribunal diferente ao de primeira instância, responsável pelos casos de cidadãos comuns. No Brasil, a extensão do benefício vai do presidente da República até comandante da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros, chefe da Polícia Civil e vereadores.
São 54.990 brasileiros com direito à prerrogativa, sendo 38.431 por determinação da Constituição Federal e 16.559 previstos pelas constituições estaduais, de acordo com a pesquisaForo, prerrogativa e privilégio: Quais e quantas autoridades têm foro no Brasil?, dos consultores legislativos do Senado João Trindade Cavalcante Filho e Frederico Retes Lima.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, cabe ao Supremo julgar o presidente da República, ministros de Estado, senadores e deputados federais. Governadores são atribuição do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
No caso dos prefeitos, o Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, prevê julgamento dos crimes comuns pelo Tribunal de Justiça estadual e dos crimes de responsabilidade pela Câmara Municipal. Quem trata de crimes eleitorais ou de competência da Justiça Federal são, respectivamente, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e o Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre aquele Município.
Para deputados estaduais e distritais, o entendimento mais comum é o de que, por simetria, o julgamento desses parlamentares cabe ao Tribunal de Justiça. Quanto aos vereadores, não houve concessão de foro especial pela Constituição, mas há previsão em alguns estados, por normas locais.
Congresso x Supremo
A iniciativa de marcar a votação da PEC na Câmara é uma reação ao julgamento do Supremo sobre o tema, que será retomado nesta quinta-feira (23). O relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, defende a restrição do foro apenas para crimes cometidos durante o exercício do mandato e se estiver relacionada com as funções desempenhadas no cargo. A expectativa de o STF decidir a questão também foi o que moveu a votação da proposta no Senado, em maio.
Para o relator da PEC e líder do DEM, Efraim Filho, as discussões não são antagônicas. “São suplementares. Não conflitantes”, afirmou ao HuffPost Brasil. Ele destacou que a proposta do Congresso é mais abrangente do que o ponto em discussão no Supremo, já que acabaria com o foro também para os membros do Judiciário e do Ministério Público.
No STF, o debate é feito em uma ação penal contra o atual prefeito de Cabo Frio (RJ), Marcos da Rocha Mendes (PMDB), por crime eleitoral. O julgamento foi interrompido em junho, após pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Alexandre de Moraes. Votaram com o relator os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
De acordo com dados da Secretaria de Gestão Estratégica do STF citados por Barroso, atualmente, 37 mil autoridades gozam de foro privilegiado e casos de mais de 800 agentes com prerrogativa de foro, como o presidente da República, o vice-presidente, os 513 deputados e os 81 senadores devem ser julgados pelo STF.
Levantamento feito pela assessoria de imprensa do Supremo mostra que, atualmente, há 540 inquéritos e ações penais em tramitação na Corte envolvendo pessoas com foro. Barroso citou ainda que, se a sua tese prevalecer, o Supremo ficaria com apenas 10% dos processos que tem atualmente, de acordo com estudo da FGV.
Impunidade
Como cabe ao Supremo julgar parlamentares, a ideia de foro privilegiado é associada, por parte da população com a noção de impunidade. O discurso também é adotado por nomes à frente da Operação Lava Jato, como o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.
De acordo com dados do Supremo em Números, da Fundação Getulio Vargas (FGV), apenas 0,78% das 515 as decisões em ações penais no Supremo foram favoráveis à acusação. Em comparação, 14% das decisões foram favoráveis à defesa.
Não há, contudo, consenso quanto à questão. Para a organização não-governamental Transparência Brasil, a possibilidade de recursos em diferentes instâncias irá atrasar o resultado final. “Se os processos nos tribunais superiores já demoram anos e anos para se concluírem, levá-los para a primeira instância fará aumentar ainda mais esse tempo”, diz nota da entidade.
Fonte: Marcella Fernandes
Créditos: HuffPost Brasil