Cafezinho - Rubens Nóbrega

Sou viciado em cafezinho e dependente total do papo do cafezinho, ambos no Tambiá Shopping, centro da Capital. De segunda a sexta, entre meio dia e meia e duas da tarde, estou lá, tomando cafezinho e jogando conversa fora.

É a conversa fiada mais produtiva do mundo. Do meu mundo, claro. É o meu recreio diário, que me faz esquecer um pouco o trabalho chato da manhã e me dá coragem e ânimo pra enfrentar o resto da tarde.

Mas o cafezinho também me dá vez por outra a inspiração, as dicas e os motes para as colunas que começo a escrever quando chega a noite. Esse bônus eu pego na inteligência e criatividade dos amigos que dividem comigo a ‘Mesa da Diretoria’.
‘Mesa da Diretoria’ foi o nome dado por um advogado que freqüentava bissextamente o cafezinho. Refere-se às duas mesinhas de frente do cafezinho do terceiro andar do shopping. Elas são ocupadas pela turma mais cativa do papo do cafezinho.

O batismo aconteceu quando um dia convidei o tal advogado a puxar cadeira e tomar na mesa o cafezinho que ele sempre sorvia de pé, ao pé do balcão. “Agradeço muito, amigo Rubens, mas não devo. Essa aí é a mesa da diretoria”, disse ele.

Pronto. Ficou. No horário em que estou, estamos, por lá, dificilmente os outros fregueses do estabelecimento verão outras pessoas que não os mesmos de sempre ocupando as duas mesinhas que, juntas, formam a ‘Mesa da Diretoria’.
Mas não tem exclusividade, não. Não é um clube fechado. Quem quiser, pode chegar. Não importa se ricardista, maranhista, cassista ou tico-tico no fubá. No papo rola de tudo, de todas as tendências, quase nunca de um jeito chato, pedante, boçal.
Tem vez que só falta sair tapa. Alguns habitués ficam mais exaltados na defesa de suas posições. Mas saibam que até mesmo a veemência ou virulência é só pra tirar onda. Papo de cafezinho é coisa séria que não se deve levar a sério.

A não ser alguém como um porta-voz do governo atual, que num programa de televisão teria dito que o cafezinho do Tambiá reunia conspiradores contra a nova ordem. Que bobagem! Não é nada disso. Se o Doutor quiser, venha tomar um cafezinho conosco que vai logo desfazer a má impressão.
Agora, de uma coisa o senhor pode ter certeza: a nossa conversa é fiada, mas também é bastante afiada.
Digo-lhe mais: os personagens do cafezinho são todos protagonistas. Não tem um coadjuvante, sequer. Nenhum mais proeminente que outro. A única dificuldade de participar é falar e se fazer ouvir quando alguns mais falantes ou mais mal educados se juntam.

Porque também tem isso. Tem figura que interrompe sua fala sem pedir aparte, muito menos desculpa. Mas até aí a gente encontra pretexto pra dar uma bronca bem humorada, fazer gozações ou reclamações que parecem iradas, mas na realidade são sempre encenadas, como já disse.

Preservando quem frequenta
Tenho o privilégio de desfrutar diariamente da companhia de pessoas inteligentes, bem informadas, bem articuladas ou, simplesmente, doces, afetuosas e propositadamente alienadas, dessas que se espantam diante da verdade mais sabida, como se você estivesse dizendo a ela uma grande e bombástica novidade.
Gosto, particularmente, de fazer o tipo. Faço perguntas óbvias para as quais já sei e todos sabem a resposta, mas só pra chacoalhar com algum dos meus camaradas mais facilmente irritáveis nessa imperdível jornada diária de descontração e amizade sinceras.

Só não revelo aqui quem são essas pessoas porque, infelizmente, sabem vocês como é… Na Paraíba de agora, desfrutar ou passar pelo desconforto da companhia de gente feito este colunista pode queimar o filme da figura junto ao círculo íntimo do poder no Estado. E aí…
Tenho amigos que participam ou têm negócios com o governo da hora. Mencioná-los pode trazer complicações pra eles. E se você acha incrível que seja assim é porque certamente não ouviu o tal secretário de Estado afirmar na tevê aquilo de a gente formar um grupo de inconfidentes, no sentido mais ‘conjurador’ do termo.
Melhor deixar quieto, então. Fiquemos com os personagens do cafezinho, que posso nominar um dia, mas sempre buscando preservar as pessoas de verdade – e que grandes pessoas! – que eles são.

O cafezinho de D. Vanessa
Como disse logo no início, sou viciado em cafezinho. Muito mais no cafezinho preparado por Dona Vanessa, uma das meninas que nos atendem.
Elas formam a equipe de Dona Aline, moça de enorme talento para gerenciar qualquer empreendimento que lhe queiram confiar.
Pois bem, estou com um problema porque Dona Vanessa está esperando seu primeiro filho e já comunicou que em agosto próximo estará entrando em férias para depois fruir a licença gestante.

Significa que serão no mínimo cinco meses sem o cafezinho de Vanessa.
Não sei como vou agüentar. Juro. Há tempos vinha pesquisando, assuntando, buscando, enfim, o cafezinho no ponto ideal, com o equilíbrio total entre o pó de café e a água quente, o adoçante mais certo, tudo por um expresso nem tão forte nem fraco, tipo carioca, nem ácido nem aguado.
Encontrei essa perfeição no cafezinho preparado por Dona Vanessa. A meu pedido, ela já tentou passar a fórmula para as colegas e até para sua gerente. Mas, sei lá, deve ser um dom, intransferível dom, um talento todo especial para fazer o melhor cafezinho de minha vida.
Resta, portanto, conformar-me com a ausência da talentosa fazedora de cafezinho expresso. Ou, então, torcer para que suas companheiras de trabalho aprendam a fazer algo bem próximo do que ela faz.

Da parte deste viciado, caberia o esforço mínimo para se adaptar ao novo sabor.
Enquanto isso, ficaremos todos nós do cafezinho torcendo para que Deus e Nossa Senhora do Ó, a protetora das grávidas e guardiã dos bons partos, concedam a Dona Vanessa e ao seu marido a graça de botar no mundo um ser humano saudável, decente e tão bom cidadão ou cidadã quanto seus pais.