entrevista

Bolsonaro terá que driblar lei para fugir de impeachment, afirma Alvaro Dias

A avaliação é do senador Alvaro Dias (Podemos-PR), 74, candidato derrotado à Presidência nas eleições do ano passado.

Brasília, 11 de Abril de 2012. Foto George Gianni / PSDB.
Senador Álvaro Dias.

O governo Jair Bolsonaro (PSL) não tem tomado as medidas necessárias para sanear as contas públicas, e o presidente corre o risco de enfrentar um processo de impeachment por causa disso. A avaliação é do senador Alvaro Dias (Podemos-PR), 74, candidato derrotado à Presidência nas eleições do ano passado.

O parlamentar diz que o país pode entrar em colapso em função dos problemas de caixa. Em sua opinião, a equipe de governo tentará “driblar a regra de ouro” neste ano ou no próximo, recorrendo a algum tipo de manobra, para evitar a abertura do processo de afastamento. A norma proíbe o governo de contrair dívida para pagar despesas do dia a dia como salários de servidores, passagens aéreas e diárias.

Dias completa 50 anos na política em 2019. Ele exerce o quarto mandato como senador – o terceiro seguido — e é líder de uma bancada de oito integrantes. Começou como vereador em Londrina (PR), foi deputado estadual e federal pelo Paraná, estado que governou entre 1987 e 1991. Passou por partidos como MDB, PSDB, PDT e PV. No ano passado, recebeu 859.601 votos e terminou a corrida presidencial em nono lugar.

O Podemos é aliado do PSL no Senado, mas, segundo o parlamentar, a aliança foi proposta pela legenda do presidente visando somente a disputa por cargos na Casa. O Podemos, diz ele, mantém posição de independência em relação ao governo. O senador é favorável à reforma da Previdência, mas considera que a medida é insuficiente para fazer o país crescer com força. Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo senador.

UOL – O sr. é um veterano na política. O presidente Jair Bolsonaro também é, mas fala-se na prática de uma nova política neste governo. Estamos mesmo diante de uma nova política?

Alvaro Dias – Não dá para afirmar que há uma nova política. O que há é dificuldade de relacionamento [com o Congresso]. No entanto, isso já era previsto. As características do candidato são reproduzidas na Presidência da República. É o estilo. Não creio que seja surpresa para todos que acompanham a atividade política de perto. Pode ser surpresa para os mais distantes, para o eleitor que não teve essa proximidade com a atuação parlamentar do candidato, que não tinha como conhecer mais efetivamente o seu perfil.

Quem são os articuladores do governo?

Desconheço quem articula em nome do governo. O que é visível é a ocupação de espaço de lideranças no Congresso. O que se pode discutir é se a escolha [de líderes] foi boa ou não. Há lideranças que deveriam estar exercendo essa tarefa da articulação política.

No espaço de uma semana, Bolsonaro afirmou que “não nasceu para ser presidente, e sim militar” e que “não entende de economia”. Para o sr., que tipo de presidente o Brasil elegeu?

Elegeu um presidente sincero porque na campanha ele dizia isso: “não entendo de economia, não entendo de agricultura, não entendo de saúde”. E o eleitor, majoritariamente, fez a opção por quem não entendia, por esse modelo de candidato. Então, não há razão para espanto. O que se dá agora é exatamente o que se previa durante a campanha eleitoral.

Na sua opinião, quais são as intenções do presidente ao manter a força da comunicação via redes sociais?

Ganhou-se a eleição, e isso é reconhecido pelo presidente, utilizando-se das redes sociais. E o que se busca agora é preservar a popularidade com a utilização das redes sociais. Me parece ser uma estratégia também [para] preservar essa bipolarização. “Se você não me apoia, você é PT”. Me parece que há um desejo de se preservar essa bipolarização, que é muito ruim para a democracia e o país.

É bom considerar que existe vida inteligente entre os extremos, que não podemos viver submetidos a posições extremadas.

Em meio a questões como a reforma da Previdência e o pacote anticrime do ministro Moro, o governo federal também tem virado notícia por causa de declarações de ministros que dizem, entre outras coisas, que o nazismo é de esquerda. Como o sr. avalia este comportamento do governo?

Não discutiria detalhes de comportamento do governo, mas é fundamental para o país discutir aquilo que deveria ser feito e até este momento não se fez, que é a adoção de medidas objetivas para conter o déficit público, razão dessa desarrumação das finanças e que transforma o poder público em incapaz de promover investimentos essenciais em setores fundamentais como saúde, educação e segurança.

O que se imaginava eram medidas urgentes de ajuste fiscal. Por exemplo, algo semelhante a um limitador emergencial de despesas que pudesse eliminar o déficit de R$ 139 bilhões deste ano e possibilitar um ajuste estrutural no ano seguinte, com avaliação do desperdício em cada área do governo, para a virada de déficit para superávit. Era isto que eu, como brasileiro, esperava. Isto não ocorreu.

A dívida pública continua crescendo de forma avassaladora, com o governo refém do sistema financeiro, com rolagem da dívida, com emissão de títulos públicos, taxas generosamente privilegiadas para alguns bancos. Cinco bancos controlam mais de 70% do crédito no país. Os bancos não precisam competir no mercado porque eles possuem um cliente generoso que é o governo. Isso faz a festa do sistema financeiro, mas é um prejuízo para o mercado e o país.

Esse capitalismo financeiro tem sido admitido nos últimos governos e o atual o mantém. Não há nenhuma alteração de rota e não há indícios de que o governo pretenda adotar medidas que possam significar uma reforma do sistema bancário e financeiro.

A reforma da Previdência é vendida como solução para a melhora da economia. Ela será suficiente para fazer a economia crescer de forma consistente?

O capitalismo financeiro explora a dívida pública brasileira. Isso é o grande desafio para o governo em que pese o fato de ele apostar muito na reforma da Previdência.

A reforma da Previdência é insuficiente. Fala-se em uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos [caso a proposta do governo seja aprovada no Congresso]. Esse R$ 1 trilhão desaparece em dois anos do déficit nominal [cálculo que leva em conta as receitas e despesas do governo e o pagamento de juros da dívida]. O déficit nominal neste ano deve ser de R$ 517 bilhões. Então, em dois anos, nós liquidaríamos com a suposta economia de R$ 1 trilhão.

A reforma da Previdência é necessária do ponto de vista do trabalhador e do aposentado brasileiro. Muito mais importante para a sociedade do que para o governo. O governo pode comemorar uma tímida economia com esta reforma, mas o que deve nos orientar é a necessidade de um sistema previdenciário que garanta a aposentadoria no futuro. Milhões de brasileiros correrão o risco de ter sua aposentadoria comprometida se não aprimorarmos o sistema previdenciário.

Fonte: UOL
Créditos: UOL