Bigamia política explícita no cenário paraibano

Nonato Guedes

O senador Cássio Cunha Lima (PSDB) pratica um caso de bigamia política explícita no cenário paraibano, e a questão é saber até quando ele terá jogo de cintura para sustentar essa situação. Ontem, (26), o parlamentar compareceu à solenidade em que o governador Ricardo Coutinho (PSB) inaugurou a primeira etapa das obras do Centro de Convenções de João Pessoa e colocou um ponto final na polêmica sobre a paternidade de ações administrativas no Estado. Aproveitou para agradecer a Ricardo a homenagem prestada ao seu pai, poeta e ex-governador Ronaldo Cunha Lima, que denomina o equipamento turístico ainda em fase de conclusão. No reverso da medalha, Cássio prepara-se para aparecer no Guia Eleitoral do senador Cícero Lucena, candidato do PSDB a prefeito de João Pessoa, e adversário ferrenho de Coutinho, que, por sua vez, apoia a candidata Estelizabel Bezerra.

Cássio vale-se da imunidade do prestígio que adquiriu no horizonte político paraibano para atuar em frentes distintas em pleno ano eleitoral. Em alguns municípios do interior do Estado, sua presença em palanques é disputada por postulantes. Em algumas localidades, o ‘teatro’ armado em torno da presença de Cunha Lima gera expectativa tal que ele chega a ser comparado a “frei Damião”. Em cidades como Santa Luzia e Sousa, Cássio já foi aclamado como sensação de comícios ou concentrações públicas. Em Santa Luzia, esteve no palanque do prefeito Ademir Morais (DEM), candidato à reeleição. Em Sousa, foi dar apoio a Lindolfo Pires, do mesmo partido, que concorre contra André Gadelha, do PMDB. A disputa em Sousa é mais renhida do que em Santa Luzia, e Lindolfo saudou a chegada de Cássio como um reforço providencial e estratégico à sua pretensão de ocupar a cadeira do prefeito Fábio Tyrone (PTB). Em Campina Grande, seu principal reduto, o senador tucano idealizou visitas noturnas, de casa em casa, a bairros escolhidos mas não anunciados previamente. Os moradores aguardam pacientemente a visita de Cássio pelo único prazer de apertar sua mão. Ele pede votos para o deputado federal Romero Rodrigues, com quem tem laços de parentesco, e que figura na dianteira de um prélio acirrado em que pontificam ainda a deputada Daniella Ribeiro (PP) e a médica Tatiana Medeiros (PMDB), esta apoiada pelos irmãos Veneziano e Vital do Rego.

As atenções estão voltadas para o tom da participação de Cássio no Guia Eleitoral de Cícero. Pelo que já vazou de comitês e rodas políticas, o enredo prevê elogios à atuação de Cícero como prefeito da capital por duas vezes e à sua passagem pelo governo do Estado, inicialmente como vice de Ronaldo Cunha Lima, depois como governador de fato, com a desincompatibilização do poeta para concorrer ao Senado em 94. Não se espera que Cássio vá carregar nas tintas contra o governo Ricardo ou contra a administração de Luciano Agra (sem partido), que apoia o deputado estadual Luciano Cartaxo, do PT. Neste caso, a estratégia é focalizar a competência e a sensibilidade de Cícero para com os problemas da capital. Se isto não contribuir decisivamente para consolidar a posição de Lucena, também não lhe tirará votos, conforme a avaliação que se faz no ‘staff’ do candidato tucano na capital. Cássio tem retardado ao máximo sua aparição no Guia em João Pessoa, talvez como parte do marketing para provocar impacto no resultado eleitoral, mas, em certa medida, a demora se deveu a uma indefinição pessoal sobre a vantagem de pontificar ou não na disputa no maior colégio do Estado. Rendeu-se às evidências após concluir que é impossível omitir João Pessoa do roteiro das aparições na campanha eleitoral. Até porque Cássio alimenta projetos para o futuro, o principal deles o de voltar a ser candidato ao governo, senão em 2014, para não confrontar-se com Ricardo, que tem direito natural à reeleição, certamente em 2018.

Nos últimos dias, Cássio deu passos relevantes para acabar os ruídos de comunicação que vinha mantendo com o governador Ricardo Coutinho e que reverberam em mensagens postadas no Twitter ou em troca de telefonemas. O estilo impetuoso do senador é bastante conhecido. Ricardo o respeita pelo destemor de Cássio em apoiá-lo ao governo em 2010 ao preço de provocar um racha no PSDB. Na época, Cícero ainda vestiu por algum tempo o figurino de candidato ao Palácio da Redenção. Recuou ao perceber que Cássio já arquitetava outros planos. Ficaram “Senas” acumuladas, resultantes do processo, mas não houve ferimentos graves na relação. Houve quem apostasse que o apoio de Cássio a Cícero este ano sinalizaria o divisor de águas para o rompimento do senador com o governador. Erro de cálculo. Cunha Lima dá uma no cravo e outra na ferradura. E, ao final, desponta como conciliador. Parece evidente, cada vez mais, porém, que este panorama artificial não sobreviverá a embates futuros, exatamente por ser artificial e incômodo. Ninguém serve bem a dois senhores. Por ora, Cássio mantém vínculo com Ricardo por pragmatismo: o governo socialista acolheu órfãos do cassismo em secretarias de Estado e outros órgãos influentes. Se o PSDB conseguir vitoriar em Campina com Romero e em João Pessoa com Cícero, Cássio terá guarda-chuvas suficientes para acomodar afilhados políticos, deixando de ser refém do governo estadual. Sem tirar nem pôr, este é o quadro que se desenha no universo das relações cultivadas pelo ex-governador, atual senador e herdeiro legítimo de Ronaldo Cunha Lima.