Rubens Nóbrega

Convidado para ser o paraninfo da turma concluinte de curso ministrado em importante centro universitário do interior, o governante ficou muito feliz ao saber que o convite custar-lhe-ia tão somente patrocinar a banda que tocaria na festa de formatura.

“Falem com Fulano, que ele resolve tudo pra vocês”, orientou Sua Excelência. E lá foram os membros da comissão representante dos graduandos à Secretaria determinada, onde deveriam cuidar dos detalhes da contratação da banda.

“Tem que ser a Banda Galácticos, Doutor, aquela de São José. Foi escolhida por votação na turma”, disseram os estudantes à pessoa da Secretaria encarregada de shows e outras prioridades governamentais, como armação e iluminação de palcos e palanques, faixas, cartazes, panfletos, carros de som e claques para aplaudir o ‘home’.

“Sem problemas. Vocês têm algum contato, um telefone pra gente falar com o pessoal da banda?”, pediu o sujeito, sendo prontamente atendido por um membro da comissão, que lhe passou um cartão de apresentação com o número do celular de Juari do Som, o empresário dos Galácticos.

Agendado pelo Núcleo de Agitação e Propaganda da Secretaria, no dia seguinte Juari seria recebido pelo responsável, a quem a gente pode agora chamar de Doutor Marcelino. Foi a ele que o agenciador da banda propôs R$ 5 mil por quatro horas de baile, “com intervalo de meia hora apenas para o lanche dos músicos”.

– Cinco mil? Que diacho de banda é essa sua, meu amigo? Quantos componentes ela tem? – perguntou o cara ao empresário, que de imediato pensou: “Pronto, lá vem mais um filho da mãe pechinchador!”. Mesmo assim, respondeu. Educada e pausadamente, detalhou:

– Minha banda tem tecladista, sanfoneiro, dois guitarristas – um solo, outro base; um baixo, baterista, percussionista e a metaleira, que vem com trompete, trombone e sax. Além desses, temos um casal vocalista e três meninas no back que também dançam alguns números no palco.

A informação pareceu animar o contratante, que ajeitou o corpanzil na cadeira, olhou com severidade para Juari e fez uma contraproposta surpreendente (pelo menos para o empresário, na verdade um micro, “acostumado a coisa pequena”, como ele mesmo gostava de dizer):

– Vamos fazer o seguinte, meu caro. Você me tira uma nota de R$ 30 mil, me traz até quinta-feira, depois de amanhã, que aqui eu mando formar processo e já na segunda o dinheiro vai estar na sua conta – disse o promoter oficial.

Juari quase engasgava ou saltava da cadeira. Não de alegria, mas de espanto misturado ao medo de estar sendo vítima de uma pegadinha, com escuta eletrônica ou coisa parecida.

Tinha pavor de se meter em trapalhada, como um negócio daqueles, que até então nunca lhe haviam proposto. Refletiu por alguns segundos e, apesar de acreditar que poderia aborrecer a autoridade com quem falava, encarou a fera e questionou:

– Como assim, Doutor? Quer dizer que o senhor me paga R$ 30 mil, tiro a minha despesa e dou o resto pro senhor, é? Não, não, Doutor. Faço esse tipo de negócio não. Meu faturamento é pequeno. Se eu estourar, o Fisco vem em cima de mim e eu saio da faixa de pagar pouco imposto.

– Mas todo mundo faz assim, Seu Juari. Além disso, essa é uma maneira do senhor ajudar na campanha do homem, entende? Não é pra mim, não, amigo. Eu não toco num centavo. Tanto que o senhor vai entregar o dinheiro é àquele cidadão ali, ó, aquele na mesa do canto, carimbando e assinando papel – apontou Marcelino.

Juari apenas conferiu o carimbador com o rabo do olho, mas em seguida levantou-se devagar, ajustou a calça à cintura, resmungou um ‘passar bem’ e retirou a sua pessoa honesta do recinto. Na calçada, voltou-se para ler a placa identificadora da repartição, como quem queria ter certeza de onde acabara de sair e mentalmente exclamou: “Meu Deus, como tem ladrão e cabra safado nesse mundo!”.

Uma semana após a frustrada negociação, Juari recebeu ligação de um colega maior do que ele no ramo de agenciamento de grupos musicais para festas, comícios, vaquejadas, solenidades e tudo o mais nessa linha.

Para surpresa do nosso herói, o concorrente queria contratar os Galácticos para o mesmo baile de formatura dos concluintes paraninfados pelo governante. “Se for naquele esquema do tal Doutor Marcelino, nem pensar”, avisou Juari. Do outro lado da linha, o colega cuidou de tranquilizar: “Fique frio, amigo. Sou eu que estou contratando. Não é cinco mil? Pois, então, espera aí que tô indo agora pra gente acertar tudinho”.

Não deu meia hora, o novo contratante riscou no escritório de Juari, abriu uma pasta 007 e de dentro dela tirou cinco maços de notas de cem, bem verdinhas, estalando de novas. Entregou tudo, nem pediu recibo, mas uma recomendação, antes de sair:

– Ah, fala pro pessoal da banda ensaiar e não deixar de tocar ‘Gatinha manhosa’ na festa. O home ficou de dar uma passada no clube na noite do baile. Marcelino me disse que ele adora essa música. É aquela de Erasmo, num é?

***
Quem me contou garante que é mais ou menos assim o processo de contratação de bandas para eventos festivos patrocinados com dinheiro público por prefeituras e governos estaduais.

Pelo que entendi, a única peça ficção em histórias como essa seria a figura de um Juari do Som, com seus pruridos e temores de fazer algo errado ou ser pego por algo errado que tenha feito.