Assédio a criança do 'MasterChef' pode gerar ação coletiva

Muitos usuários publicaram mensagens com teor sexual

imageValentina Schulz tem 12 anos e cozinha, com pouquíssimos tropeços e em apenas uma hora, um refinado ravióli recheado de gema de ovo mole. Isso seria o suficiente para fazer muitos voltarem atenção para a menina, uma das participantes do “MasterChef Junior”, programa da Band que estreou na noite de terça-feira, 20. Mas o grande motivo que levou o nome da criança ao topo dos Trending Topics no Twitter foi a chuva de comentários de apologia ao estupro. A chef mirim foi alvo de postagens, tanto no Twitter quanto no Facebook, de teor sexual durante a exibição do programa.

“Essa Valentina com 14 anos vai virar aquelas secretárias de filme pornô”, comentou um internauta. “Sobre essa Valentina: se tiver consenso, é pedofilia?”, escreveu outro. “#valentinanaplayboy”, postou um terceiro homem.

A apologia ao crime do estupro é prevista pelo Código Penal Brasileiro no Art. 213. E, segundo o artigo 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente, aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso dá pena de um a três anos de reclusão mais multa.

Postagem considerada criminosa no Twitter – Reprodução
Segundo Jonatas Lucena, advogado especialista em crimes digitais, tais comentários sobre a participante se enquadram no crime de apologia ao estupro, e até mesmo quem não escreveu, mas compartilhou alguma postagem criminosa, deve responder pela mesma acusação.

— As pessoas que compartilharam se enquadram no mesmo crime porque estão endossando e ajudando a disseminar o conteúdo criminoso. Quem recebeu por whatsapp e repassou a outros também. A única dúvida entre especialistas no tema é se as pessoas que “curtiram” também podem ser consideradas criminosas, porque, enquanto alguns entendem que “curtir” é um ato livre expressão de pensamento que não pode ser impedido, outros interpretam que isso ajuda a alavancar a popularidade da postagem, fazendo com que ela chegue a mais pessoas — explica ele. — No caso do “curtir”, portanto, cabe ao juiz interpretar se se enquadra ou não.

Frase de teor sexual envolve garota de 12 anos – Reprodução
Apesar de as frases criminosas terem chamado atenção na internet, o pai de Valentina preferiu não entrar com ações na Justiça, como afirmou em entrevista ao portal “IG”.

— A gente já tinha chamado uma pessoa para tomar conta do Twitter dela porque estávamos preparados para o assédio e as consequências possíveis, mas não imaginávamos encontrar tarados — contou o pai, Alexandre, ao portal. — Teve gente que pediu que ela mandasse foto nua.

Segundo ele, a participante só lê as mensagens de fãs depois de prévia aprovação. Os usuários que ultrapassam os limites são bloqueados.

De acordo com o advogado Lucena, porém, nem é preciso que os pais tomem a iniciativa de abrir um processo. A partir de denúncias recebidas, o próprio Ministério Público pode abrir uma ação coletiva, incluindo uma investigação a todas as pessoas que comentaram, compartilharam e curtiram o conteúdo de apologia ao estupro. O MP de São Paulo não informou, até o final da tarde desta quinta-feira, se vai entrar com ação.

As postagens geraram revolta de muitos usuários da rede – Reprodução
Para Lucena, a falta de educação digital é o maior gerador de crimes virtuais.

— O problema maior é cultural. A internet foi introduzida na nossa sociedade sem uma educação digital. Os pais dão à criança um smartphone e não a ensinam como usar, como se comportar. A internet é uma ferramenta maravilhosa, mas ela só amplifica o que o ser faz ou pensa. O problema está sempre no ser humano. O que falta é um bom senso — afirma Lucena.

No Facebook, chegaram a ser criadas páginas como “Admiradores da Valentina”, que já foi retirada do ar. Muitos usuários de várias redes sociais denunciaram conteúdos desse tipo às próprias redes e escreveram longas postagens reunindo reproduções dos diversos comentários de teor sexual.

O Globo