As plataformas 'fictas'

SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo

Em sua mensagem de fim de ano aos brasileiros a presidente Dilma Rousseff responsabilizou “alguns setores” por uma “guerra psicológica” que retrai, inibe e retarda investimentos no País. Dilma não identificou esses “setores”, mas sua equipe econômica se encarrega de fazê-lo sempre que divulga algum resultado desfavorável às metas e aos desejos do governo: são analistas, empresários, economistas, investidores, a imprensa e quem mais se ocupe em avaliar a conjuntura da economia. Na última quinta-feira foi o caso do resultado da balança comercial, o pior em 13 anos. A ele vamos voltar no final deste texto.

São os empedernidos “pessimistas” os verdadeiros culpados pelo déficit nas contas públicas, pela retração dos investimentos, pelo baixo crescimento econômico, pela inflação alta, pela degradação da balança comercial, pelos maus resultados da Petrobrás e da Eletrobrás, pelo fracasso em licitações públicas, etc., etc. Nessa procissão dos contra certamente estão incluídos dois conselheiros de Dilma (já eram de Lula) que com ela costumam trocar ideias: os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Delfim Netto, que têm criticado publicamente a inflação, o desempenho externo, os truques para fechar as contas públicas, ações do governo na Petrobrás, etc., etc.

Talvez por enfrentar uma chefe impiedosa, cobradora, centralizadora e dona da palavra final, talvez por limitações e inexperiência em gestão econômica, ou por tudo isso junto, a equipe de Dilma Rousseff tem incorrido em vários erros nestes últimos três anos. Mas alguns deles – abaixo listados – foram importantes para criar um clima de crescente desconfiança entre investidores e governo e que determinou o mau desempenho econômico nos últimos três anos, prejudicado pelo que ela chamou de “guerra psicológica”.

O governo até criou alguns programas setoriais no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para estimular a produção, mas não cuidou de definir um programa maior para demarcar um rumo para o País, deixando investidores desorientados.

A estratégia de dar prioridade ao consumo acreditando que o investimento viria a reboque deu errado. O governo somente foi cuidar do investimento em infraestrutura em 2013 e, mesmo assim, tropeçando em erros que retardaram projetos.

O maior desses erros foi a excessiva intervenção do governo em decisões próprias do investidor e que são fundamentais para ele decidir entrar ou não no negócio. Exemplo: depois do fiasco em várias licitações para construção de rodovias, finalmente o governo desistiu de tabelar o lucro e deixou os concorrentes disputarem entre si a menor taxa de retorno. Com isso obteve resultados até melhores, mas conseguiu atrasar o investimento em rodovias em quase três anos.

Aliás, as miúdas interferências do governo em decisões privadas foram-se acumulando no tempo e concorreram para gerar um clima de desconfiança e insegurança nos empresários, que prejudicou a economia.

Por não ser horizontal, a política de recuperação econômica pós-crise de 2008 gerou distorções sérias e contribuiu para taxas medíocres de crescimento na gestão Dilma, ao premiar setores industriais com redução de impostos e punir outros que acabaram prejudicados nas vendas.

A política de concentrar bilhões de reais do BNDES em empresas campeãs nacionais resultou errada: não gerou as tais multinacionais brasileiras, nem empregos, faltou dinheiro do banco para outras empresas e ainda deixou um enorme passivo para o BNDES. O grupo de Eike Batista é apenas um deles.

Mas o maior dos erros de seu governo – que Dilma atribuiu aos pessimistas da “guerra psicológica” – tem sido a falta de transparência na divulgação de dados e indicadores que desmoralizam metas e desempenho do governo. É a chamada “contabilidade criativa”, inventada pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin – que de criativa não tem nada, são truques primários que nunca enganaram ninguém, mas causaram enormes prejuízos à credibilidade do governo e à imagem do País no exterior. O mais recente exemplo foi o resultado do comércio exterior, divulgado na quinta-feira.

Plataformas – A equipe de Dilma criou a expressão “exportação ficta” – no Aurélio “ficto” significa “fingido, suposto, falso, ilusório” – para designar operações de “venda” de sete plataformas de petróleo que, mesmo sem nunca terem saído do País, adicionaram US$ 7,735 bilhões à receita com exportações em 2013, evitando fechar o saldo comercial no vermelho e ajudando no superávit de US$ 2,561 bilhões – o menor em 13 anos. Calcula-se que sem a “ajuda” das plataformas a balança comercial teria fechado com um déficit de US$ 5,173 bilhões. Como nas contas públicas, em vez de atacar o problema pela raiz, o governo recorre à pajelança para tentar esconder o que é ruim. Como não consegue, culpa a “guerra psicológica”.

O secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Daniel Godinho, explica que essas operações fazem parte de um regime aduaneiro chamado Repetro, pelo qual o proprietário da plataforma no Brasil a vende a outra empresa no exterior e, em seguida, a aluga a uma operadora no Brasil. Dessa forma, o equipamento nunca atravessa a fronteira, mas é contabilizado como exportação. Como se trata de um produto caro e valioso, ajuda muito a inflar a receita cambial. Em 2013, por exemplo, cada plataforma gerou, em média, US$ 1,105 bilhão de receita. Quem está envolvido na operação aplaude, porque é aquinhoado com vantagem fiscal.

A questão é que não há nenhuma transparência na divulgação dos dados sobre tais operações. Desconfia-se que, na condição de proprietária, a Petrobrás vende a plataforma à sua própria subsidiária no exterior, que a aluga à mesma Petrobrás que a vendeu. Assim, a plataforma não sai do lugar onde já explora petróleo e gás. Godinho reconhece que muitas operações são feitas dentro do grupo Petrobrás, diz que não são todas, mas não identifica nenhuma outra empresa, não informa quem vendeu, quem alugou, tampouco o preço de venda e os valores de aluguel. Garante que tais operações cumprem a regra internacional, mas diz não conhecer nenhum outro país que a adote. Ou seja, transparência zero.