As duas faces do governo RC e do Sócio RS

Gilvan Freire

Ricardo Coutinho está procurando definir uma identidade para seu governo. Por enquanto, o governo tem apenas a face do governante que, convenhamos, não é a melhor cara que pode ter. Quando a administração fica pessoalizada, espelhada apenas na figura do governador, perde a feição democrática, o perfil popular, plural e aberto.

Nesse caminho de personificar a gestão pública, tipo ‘eu sou o governador e é do jeito que eu quero que será feito’, RC tem recolhido maus resultados, segundo as pesquisas. Seu governo está descambando a ladeira. Mas o governante ligou o desconfiômetro e começou a reagir para conter a onda adversa. É possível que não mais recupere tudo, porque os maiores danos foram à sua própria imagem, que ficou estigmatizada. Mas, se RC quiser, pode dar uma reviravolta, certamente mudando o estilo. É tudo quanto ele não gostaria de mudar, mas será preciso. E isso não será ruim.

No momento, RC está travando um duelo com as caras que o governo tem. Ele precisa eliminar uma para salvar a si mesmo e governar melhor. Fica, nesses primeiros instantes (que já estão ficando longos e velhos instantes), a impressão que o governo está enfermo e desorientado. Essa é a face externa, a que chega à população e aos observadores políticos.

Acuado, o governo quer fugir das contradições e do imobilismo, já que perdeu até a guerra da comunicação com a classe política e com a sociedade. Mas o pesadelo do governo é fruto do amadorismo da equipe e da intolerância e prepotência do chefe da administração. É preciso ter autocrítica e percepção dos abismos que estão postos à frente do nariz. Nariz arrebitado demais atrapalha a visão.

Sinais da tensão e das mudanças

É falso a gente imaginar que os governos não conhecem o seu próprio tamanho, só porque os governantes se julgam soberbos demais. Os líderes arrogantes sabem quando o excesso de sua soberba pode está conspirando contra suas ambições. Muitos se salvam ou sucumbem em razão de descobrirem cedo ou tarde o tamanho do abismo que abrem em volta do trono.

RC fez males irreparáveis a todos os servidores públicos. Criou uma antipatia movida a ódios e revoltas. Mas mandou pagar a metade do 13º salário para que os aflitos recorressem às suas próprias reservas salariais para minimizar o desespero. Fez cortesia com o chapéu do servidor e se vangloriou de ter dado ajuda. Para aplacar a ira dos campinenses (que lhe deram uma garantia de eleição), por causa da crise do São João, anunciou 50 milhões em investimentos no município, sem detalhar as aplicações. A cidade vinha a trinta dias dançando xaxado e tocando zabumba em protestos contra RC. Esses 50 milhões são os mesmos anunciados aos demais municípios (221, descontados a Capital e Campina). Aos demais, portanto, caberá a irrisória quantia de 226 mil reais para cada. É uma coisa inconsistente e insensata.

Aos professores irritados, RC elevou o piso salarial, mas usou um artifício pouco leal na luta da classe. Incorporou uma gratificação que elas já tinham (GED) ao salário. É como se estivesse combatendo a fome alheia com as provisões dos famintos e passando a ideia que estava dando comida.

Agora (antes tarde do que nunca), RC começou a mexer dentro do governo. Quer também melhorar a relação com a Assembleia, que estava lhe engolindo atravessado. Está até procurando diálogos com jornalistas. O objetivo é não perder politicamente o ano de 2012 por antecipação. O risco é muito grave. Vêm outras mudanças – também no estilo – porque Ricardo deseja nomear outros culpados por seus próprios erros. Mas ele está certo, pela simples razão de que antes estava perigosamente errado. Se é que é ele mesmo que está querendo mudar a si próprio.

O que as mudanças estão querendo encobrir?
RC precisa recuperar prestígio popular para poder superar o problema mais grave de sua gestão. Aquele que mais ateou labaredas sobre a sua biografia política. Uma relação incestuosa que envolve o governador, um empresário milionário, um pacto secreto de favores indevidos e a lesão ostensiva do interesse público. Um conluio lastimável e deprimente que afronta a consciência de quem for minimamente decente. Um gueto moral. Por que Ricardo (logo ele) precisaria entrar nesse mar de lama?

Bom, a questão é precisamente essa. RC necessita convencer o Poder Legislativo a avalizar a operação ilegal para poder sair da crise de desconfiança e suspeita que atinge sua imagem de homem público. Custe o que custar, essa matéria que corria veloz e sigilosa na Assembleia, precisa ser aprovada. Ainda que haja troca de liderança, transferência de deputado para ocupar posto importante no governo, nomeação de parentes de parlamentares e outras medidas. Mesmo que, mais tarde, tenha de reexaminar o caso, porque os vícios de origem botaram catinga na transação, e não há creolina que limpe mais. Mas, pelo menos, sob os aspectos pontuais das mudanças, o governo ganha com as medidas que RC somente fez por está em absoluta necessidade de sobrevivência. Quem precisa mudar para salvar a pele, muda.

A questão RS e o shopping da boa vontade
Conforme o prometido (compromisso é pacto), faremos vários artigos continuados com a análise esmiuçada desse escândalo do shopping estatal e a aliança com interesses escusos privados.

No próximo capítulo, comentaremos o perfil do empresário Roberto Santiago, que será chamado abreviadamente RS, um homem, assim como o governo de RC, de duas faces: uma admirável, e a outra abominável. Começaremos pela cara mais apreciável, a que, ainda assim, não serve para indulgenciá-lo diante de defeitos graves, especialmente no casamento impuro de seus interesses individuais com os interesses públicos do Estado e da coletividade.

Grandes episódios do nosso cotidiano, às vezes, colocam fatos novos na ordem do dia, atrapalhando os capítulos anunciados. Mas, na próxima quinta-feira, à tarde, soltaremos a primeira análise dessa série macabra que não me causa nenhuma felicidade em narrá-la. É puro dever. Sem medo. Não vou pedir desculpas a ninguém pelo que considero ser o meu dever de fazer. E é tudo para evitar males maiores. Silêncio, nesses casos, é conivência.