Polêmicas

Arnaldo Jabor: Lula vem ou não vem?

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Lula era linear. Dilma tem um desenho mais complicado. Lula era mais fácil de criticar, pois seu erro era mais nítido, óbvio, em sua carreira oportunista de ser um santo rei no país. Dilma é mais neurótica; não tem aquela solidez obstinada dos proletários que sobem na vida. Lula sofreu na infância, apanhou do pai e construiu uma estrutura de frieza, disfarçada de “amor ao seu povo”, com a diferença de que ele se achava o povo de si mesmo. “Eu sou do povo, logo, meu desejo é o mesmo dele…”

O governo Lula era rombudo e com rumo único. O governo Dilma é confuso em sua divisão esquizoide de querer ser moderno e antigo ao mesmo tempo. O que Lula aprontou com o Brasil vai ser a causa de muitos males que ainda vão se agravar. Dilma quer ser Lula e ela ao mesmo tempo.

A “presidenta, gerenta, comandanta” vive a missão impossível de ser socialista (ou o que isso ainda significa) e dirigir um país… ah… capitalista. A conclusão é que Dilma perdeu o controle da zona geral que Lula sabia “desorganizar” com esmero e competência. Sua única competência, aliás. Tudo que temos pela frente não é o fim de dois maus governos apenas; é o despertar de um caos institucional que será mais grave do que pensávamos. São erros fecundos e duradouros que vão marcar nosso caos durante muito tempo, mesmo com um governo novo. É uma herança que vai amaldiçoar o futuro.

Os diagnósticos sobre nós são iguais no mundo todo: uma presidente rachada ao meio por fissuras ideológicas e dominada pela fome eleitoral do PT, a fim de virar um partido mexicano como o PRI. Os europeus têm inveja e desprezo por nós, porque eles querem sair da crise e não conseguem e nós temos tudo para nos salvar e não queremos.

Há alguma coisa “não acontecendo” no Brasil que me dá arrepios. As análises políticas buscam em vão uma síntese do que acontecerá. Ninguém sabe – a equação tem tantas incógnitas que torna nosso futuro imprevisível.

Este artigo é um rascunho de possibilidades, pois é impossível imaginar um futuro para nós.

Para administrar a democracia, é preciso acreditar nela. E no fundo dos petistas há um desprezo por essa “liberdade da burguesia”. Assim, como administrar instituições não respeitadas? O resultado é um sarapatel de gestos e atos que se anulam mutuamente, como, por exemplo, as concessões de obras de infraestrutura que barram a lucratividade de eventuais investidores. O governo tolera o capitalismo, mas é contra o lucro. Não acredita na sociedade, formada por uma classe média “alienada, reacionária e ignorante”, no claro dizer de intelectuais orgânicos do partido. Eles acham que empreendedor é ladrão. Enfiar social-petismo no subcapitalismo do Brasil, está criando um “Bebê de Rosemary” (Noronha?).

As manifestações de rua entusiasmaram, mas também nos apavoraram pela falta de caminhos claros de ação. A beleza do conjunto foi grande, mas ninguém aponta uma solução para esse quebra-cabeças que somos. Claro, queremos saúde, educação, infraestrutura se instalou, mas como romper a muralha da fortaleza do atraso? Como combater a resistência do patrimonialismo endêmico que nos corrói? Como mudar um Estado defendido por burocracia, clientelismo, corrupção, preguiça, oligarquias regionais, incompetência tecno-ideológica? As dificuldades não são apenas “políticas”, mas sim culturais, uma anomalia que há séculos gerou nossos conceitos de ética, leis, instituições arcaicas. Nós somos o que emanou de um torto processo civilizatório. Já sabemos um pouco o que fazer. Não sabemos como. Nem os manifestantes nem os políticos, mesmo atemorizados.

E, como o governo insiste nessa ambiguidade política – muito difícil de manter –, a tendência é a progressiva “bolivarização” (mais simples) do país, que já se percebe em ridículas bobagens como “médicos cubanos”, timidez diante do Evo, aceitação do bode do Mercosul, isolamento terceiromundista, incompetência administrativa total, justificada por um horror ao presente e um sonho idiota de “futuro”.

Inclusive, mesmo no proposital vazio ideológico (e saneador) dos manifestantes há uma tendência visível para uma (evitável?) aproximação com partidos da extrema esquerda e o PT. É uma ideologia mais fácil de entender, com o bem de um lado e o mal de outro. Bom para slogans.

O governo só pensa em sua imagem eleitoral. Não é a mesma imagem das “celebridades”, mas a imagem stalinista que se mantém pela mentira, pela manipulação de estatísticas, já na linha da Cristinita. Estou sendo muito duro? Pode ser, mas é revoltante nossa entropia, disfarçada por bravatas que o governo professa.

Também por razões ideológicas, as reformas essenciais de que o país precisa jamais serão feitas. Qualquer economista sério do mundo recomenda as mesmas medidas: ajuste fiscal, reformas tributária e eleitoral, diminuição do Estado, educação, saúde etc… Mas o governo prefere o trem-bala. Ou a Copa, na qual gastou R$ 30 bilhões, que davam para refazer o metrô de São Paulo e construir 80 hospitais.

A falta de substância do Executivo anima todo mundo a se lixar para a razão, a lógica, a decência. E tudo começa a se degradar diante do desconhecido.

Vai se instalando uma descompostura geral em tudo: a Câmara se suja gostosamente, já que diminuiu a pressão dos manifestantes de rua, que, aliás, estão sendo desestimulados pela brutalidade dos encapuzados.

O ano de 2014 se anuncia como uma guerra suja de traições e mentiras, com cinco candidatos. As mensagens de estabilidade, as soluções apresentadas, as metas possíveis serão tão difíceis de entender pelo eleitor comum que haverá uma grande fome de “clareza”. E a resposta a esse desejo é o populismo sem peias, quando o país precisa justamente de ações pragmáticas e localizadas. O povo vai querer uma esperança qualquer, e os malandros vão oferecer “previsibilidade”.

E a única pessoa que sabe mentir bem e “explicar” isso tudo é o Lula. Assim, o homem que, com alianças e narcisismo, trouxe de volta os piores erros do passado vai oferecer “unidade e sentido”. O restaurador do passado será a esperança de futuro.