Ariano, um patrimônio

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Nonato Guedes

Na definição de Arnaldo Niskier, Ariano Suassuna é um escritor e um dramaturgo inquieto. Acho que esse é o traço mais marcante da personalidade do notável paraibano. Inquietude, no seu caso, significa não-acomodação. Mas pode simbolizar, também, autenticidade nos gestos, no estilo de falar-escrever e até na indumentária. Trata-se de um patrimônio cultural nacional, não há o que discutir. O autor de “O Auto da Compadecida” tomou posse de sandálias na Academia Brasileira de Letras, chocando alguns imortais, ciosos ao extremo do caráter tradicionalista daquela que também é denominada instituição vetusta. Pelo que sei e conheço de Ariano, ele não é de pompa. Mas é de circunstância.

Aliás, essa história de “chocar platéias” é muito familiar a Suassuna. Não há nenhum “gênero” nisso. Ele, decididamente, não precisa de marketing para expor posições invariavelmente polêmicas e carregadas de verdades que poucos ousam verbalizar. A fidelidade às origens, ao jeito matuto que aparenta, é o que diferencia Ariano de outras figuras de expressão, igualmente respeitadas, no cenário nacional. O próprio Niskier produz esse perfil: “Orador de sucesso, (Ariano) faz da ironia e da crítica as qualidades essenciais de suas obras. Mesmo em situações dramáticas que são comuns nos seus trabalhos, sempre está presente a qualidade do texto, que não se deixa levar pela correnteza descontrolada das palavras. Daí a linguagem expressiva, com parábolas tropicais originalíssimas. Suas palavras têm uma harmonia nem sempre encontrável na literatura brasileira”.

Como homem de teatro, escreveu em 1987 “As conchambranças de Quaderna”, encenada no Recife, no ano seguinte. Na linha do regionalismo, conchambrança, como anota o filólogo Niskier, significa combinar, concertar algo de modo escuso; encobrir algo para que não seja conhecido de outros, ou fazer algo precipitadamente e mal, de modo escuso. A palavra ainda é de Niskier: “Suassuna se vale dessas originalidades para desenvolver o drama popular e religioso que se alimenta da morte e ressurreição étnicas e de tradições e costumes regionalistas. Os palhaços são muitas vezes porta-vozes do autor, na visão metafórica das práticas vigentes, especialmente no Nordeste brasileiro”. Filho de ex-governador que foi assassinado no Rio por questões políticas, Ariano Vilar Suassuna agitou, sobretudo, o movimento cultural de Pernambuco. Junto com Hermilo Borba Filho, na Faculdade de Direito do Recife, fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco e começou a escrever peças de teatro, a primeira das quais foi intitulada “Uma mulher vestida de sol”.

A sua ligação com os vizinhos tornou-se mais profunda quando começou a lecionar Estética na UFPE. Depois, o inquieto ou irrequieto fundou o Teatro Popular do Nordeste, que montou peças importantes como a “Farsa da boa preguiça”. Enfim, coube-lhe idealizar o Movimento Armorial, que marcou profundamente a cultura nordestina. Um dado curioso extraí, agora, relendo Niskier: Ariano sempre deixou transparecer sua opção política pelo socialismo, embora renegasse o marxismo. Chegou até a afirmar: “Sempre fui de esquerda, mas nunca fui nem serei marxista”. Filiado ao PSB, ele tornou-se secretário de Cultura do governo de Miguel Arraes, de 1994 a 1998, onde colocou em prática muitos projetos e programas de valorização da cultura brasileira.

Na peça “O Santo e a Porca”, Ariano narra a obsessão do avarento Euricão, que vivia dividido entre sua fé (Santo Antônio) e a obsessão pelo acúmulo de riqueza, representada pela “porca”, onde guardou suas economias durante anos. Evidente que a porca não é a fêmea do porco, mas a porca de madeira que seria similar ao que hoje chamamos de cofrinho, muito usado por quem quer poupar dinheiro. O texto, carregado de influência grega, gira em torno do personagem pão-duro Euclião, que encontra, em sua casa, num esconderijo, uma panela cheia de moedas de ouro. A trama começa aí. E é possível imaginar os seus desdobramentos. Mas não vou repetir o que a maioria conhece. Quero apenas render homenagens a Ariano, verdadeiro patrimônio do acervo paraibano. Com muito orgulho para nós!