O policial militar aposentado Fabrício Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro “e ex-assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), era alvo de investigação no Ministério Público do Rio de Janeiro no momento em que foi exonerado do antigo gabinete do filho do presidente na Assembleia Legislativa do Rio, em outubro de 2018. Naquele momento, um relatório do Coaf (órgão federal de inteligência financeira) que apontava movimentação de recursos incompatível de Queiroz estava nas mãos da Polícia Federal, da Procuradoria da República e do Ministério Público do Rio.
Na PF, seu nome constava de inquérito sobre pagamento de propina pelo ex-governador Sérgio Cabral a deputados da Assembleia do Rio.A investigação culminou na Operação Furna da Onça, deflagrada em novembro de 2018. Flávio e Queiroz não eram suspeitos nesse caso. Já no MP-RJ, o PM aposentado era tratado como investigado numa apuração sobre pagamento de “rachadinha” no gabinete de Flávio.
Essas investigações e o relatório federal ajudam a desconstruir a versão que tem sido apresentada pela família Bolsonaro depois que o empresário Paulo Marinho, suplente de Flávio no Senado, afirmou à Folha de S.Paulo que o senador foi informado sobre a presença de Queiroz no relatório do Coaf por um delegado da PF.
Por esse motivo, Flávio demitiu o assessor em 15 de outubro de 2018.”O delegado falou: ‘Vai ser deflagrada a Operação Furna da Onça, que vai atingir em cheio a Assembleia Legislativa do Rio. E essa operação vai alcançar algumas pessoas do gabinete do Flávio [que era deputado estadual na época]. Uma delas é o Queiroz e a outra é a filha do Queiroz [Nathalia], que trabalha no gabinete do Jair Bolsonaro [que ainda era deputado federal] em Brasília'”, disse Marinho.
O senador nega ter sido informado e aponta o fato de o juiz federal Abel Gomes, relator da Furna da Onça, afirmar que nem ele nem Queiroz eram alvo da operação. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu irmão, usa argumento semelhante para refutar as acusações de Marinho.Flávio, em suas redes sociais, afirmou: “Nem eu, nem meu ex-assessor, éramos alvo da operação da Polícia Federal denominada Furna da Onça. Mas, segundo meu suplente Paulo Marinho (agora assumidamente representante de Doria no Rio – PSDB), eu teria recebido informações de que a PF investigava meu ex-assessor”.
O relatório do Coaf sobre assessores de deputados da Alerj distribuído espontaneamente a diferentes órgãos de investigação, entre eles o MPF e o MP-RJ.No MPF, ele se tornou documento de consulta para aprofundar informações que os procuradores já tinham sobre o pagamento de propina a deputados. Por esse motivo, foi anexado na íntegra ao inquérito, ainda que contivesse dados de outros deputados. Além de Flávio, há outros 15 deputados mencionados no relatório que não foram alvo da Furna da Onça.Já no MP-RJ o documento se transformou em investigação formal no dia 31 de julho de 2018.Ainda que não fosse alvo da operação da PF, o documento do Coaf seria anexado na íntegra entre os documentos da investigação quando os pedidos de prisão fossem feitos.
Após a deflagração da operação, advogados da defesa poderiam acessar o documento e ver a presença de Queiroz. A prisão dos deputados foi pedida pelo Ministério Público Federal em 16 de outubro de 2018, um dia após a exoneração de Queiroz.
No dia 25, em sessão secreta, os membros da 1ª Turma do TRF-2 deferiram as medidas cautelares pedidas pela Procuradoria.Os mandados de prisão foram expedidos em 31 de outubro, dois dias após o segundo turno que selou a vitória de Bolsonaro. A operação foi deflagrada em 8 de novembro.O relatório do Coaf foi juntado a processo sigiloso ao qual só tinham acesso os advogados dos alvos da investigação.
Além dos 10 deputados, outras 12 pessoas foram detidas.A presença de Queiroz no relatório da Furna da Onça foi divulgada no dia 6 de dezembro de 2018 pelo jornal O Estado de S. Paulo. A reportagem não mencionava a existência de apuração no MP-RJ, descoberta depois.O detalhamento do item do relatório sobre Queiroz já apontava indícios da prática de “rachadinha” no gabinete de Flávio. Havia depósitos em espécie e saques subsequentes em dias próximos do pagamento na Assembleia.
Algumas transferências eram feitas por assessores do gabinete do filho do presidente.A divulgação da movimentação de R$ 1,2 milhão de Queiroz, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, provocou o primeiro desgaste da gestão Bolsonaro antes mesmo que ela começasse. Desde então, tem sido a maior dor de cabeça do presidente e de seu filho 01, como Flávio é chamado.Isso mostra que a mera existência do relatório, mesmo que fora do foco da PF, já era um problema potencial para a família do presidente.No MP-RJ, o relatório foi base para a apuração que levou à quebra de sigilo bancário e fiscal de 103 pessoas físicas e jurídicas, entre elas o próprio senador, sua mulher e ex-assessores.
Promotores afirmam ter provas de que o senador lavou R$ 2,3 milhões com sua loja de chocolates e compra e venda de imóveis.O dinheiro foi, segundo a apuração da Promotoria, fruto do recolhimento de parte do salário de funcionários, alguns deles fantasmas. Queiroz seria o operador dessa prática, conhecida como “rachadinha”. Desde a época da deflagração da Furna da Onça, há suspeita de vazamento.
Alguns alvos foram encontrados sem computador em casa e com o histórico de aplicativos de mensagens completamente apagados. Um investigado vestia roupa social às 6h e tinha diploma separado quando os agentes chegaram à sua casa.Os indícios foram usados pela Procuradoria para converter a prisão temporária em preventiva de dez investigados, entre eles seis deputados. O juiz federal Abel Gomes concordou com a análise da PF e da Procuradoria Regional da República de que o cenário encontrado por agentes no momentos da prisão dos investigados indica um vazamento da operação.
A PF afirma ter investigado o caso e concluído que não houve vazamento por membros da corporação. A polícia afirmou que, após o relato de Marinho, novo inquérito será aberto. O Ministério Público Federal também instaurou procedimento para analisar o caso.
Fonte: Folhapress
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