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Após prisão de Joesley e Saud, STF pode discutir validade de provas

Seis dos onze ministros já disseram que as informações podem ser usadas

Quatro meses depois de selado o acordo de delação premiada com os executivos da J&F Joesley Batista e Ricardo Saud, que atingiu o presidente Michel Temer e abalou as estruturas do governo, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a prisão dos dois. Ele também suspendeu temporariamente a validade de toda a delação premiada, retirando o benefício de imunidade penal dos delatores. Os mandados de prisão não precisaram ser cumpridos, porque Joesley e Saud se entregaram na tarde deste domingo na sede da Polícia Federal (PF) em São Paulo. Na próxima quarta-feira, o STF pode decidir, em plenário, o destino da delação dos dois, depois da reviravolta provocada pelos novos áudios em que os executivos colocam em xeque a forma como a delação foi acertada e envolvem o ex-procurador da República Marcello Miller. Fachin, porém, negou o pedido de prisão de Miller.

Seis dos onze integrantes da corte já disseram ao GLOBO que os depoimentos e provas apresentadas por Joesley e Saud podem ser aproveitados nas investigações, mesmo com a decisão do ministro Edson Fachin de suspender o acordo de delação temporariamente. Também na quarta-feira, os ministros vão julgar o pedido da defesa do presidente Michel Temer para que seja adiada a segunda denúncia que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pretende apresentar contra o peemedebista, com base na delação da J&F.

Antes de chegar a essas questões, o plenário deve confirmar, em votação, a decisão tomada ontem por Fachin — suspender a delação e determinar a prisão dos dois executivos, a pedido de Janot. Em seguida, os ministros devem julgar dois pedidos da defesa de Temer. O primeiro é para que Janot seja impedido de atuar nos processos contra Temer, abertos com base na delação da JBS. Os advogados também pediram a suspensão de eventual nova denúncia contra o presidente enquanto não terminar a investigação sobre o novo áudio dos executivos.

TRANSFERÊNCIA PARA BRASÍLIA

A defesa alega que não se pode apresentar nova denúncia agora, porque há risco de invalidação das provas obtidas a partir da delação. O julgamento será uma espécie de prova de fogo para a credibilidade de Janot perante o STF. Se ele for considerado suspeito para atuar nas investigações, atos praticados por ele até aqui poderão ser afetados. Isso também o impediria de apresentar a segunda denúncia contra Temer, já que o mandato dele na PGR termina no próximo domingo. O pano de fundo para essa discussão será a validade das provas apresentadas pelos delatores com o acordo suspenso.

Joesley e Saud devem ser transferidos hoje para Brasília em um avião da PF. Advogados da J&F acreditam que a viagem acontecerá durante a manhã, mas dizem que o trâmite depende de cronograma estipulado pela polícia. Ao chegar na capital federal, os delatores devem fazer o exame de corpo de delito. Previsto para ser realizado em São Paulo, antes que os executivos entrassem na carceragem, o procedimento foi adiado após acordo entre policiais e a defesa, que tenta evitar a exposição dos seus clientes.

Joesley passou a maior parte do fim de semana no apartamento do seu pai, na Rua Haddock Lobo, nos Jardins, bairro nobre da Zona Oeste de São Paulo. Perto da hora do almoço de ontem, recebeu a visita de sua mulher, a apresentadora Ticiana Villas Boas, que havia passado a manhã inteira na residência do casal, a dois quilômetros dali.

O empresário se reuniu com outros familiares no apartamento antes de deixar a residência no banco de trás de um Toyota Hylux acompanhado pelos seus dois advogados Pierpaolo Bottini e Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, recém-contratado.

Joesley e Saud chegaram à Superintendência da PF na Lapa, Zona Oeste de São Paulo, em carros separados, por volta das 14h de ontem. Um grupo formado por cinco pessoas que usavam camisetas com frases em apoio à Lava-Jato protestou em frente ao prédio e chegou a soltar fogos para comemorar a prisão dos executivos da J&F.

Agentes federais que presenciaram a chegada de Joesley à PF notaram que o empresário, que usava óculos escuros quando saiu do carro, estava muito abatido. A defesa tinha tentado evitar a prisão temporária, entregando os passaportes dos dois delatores e pedindo para ser ouvida pelo ministro Fachin antes que ele tomasse a decisão sobre o pedido de Janot, mas não conseguiu.

Como a carceragem da PF não está cheia, Joesley e Saud não precisariam dividir a cela de dois metros por quatro. Ao longo da tarde, pessoas próximas aos executivos levaram lençóis, travesseiros e mantimentos para a primeira noite deles na carceragem.

A entrada do criminalista Kakay na defesa de Joesley foi confirmada ontem, após a decretação da prisão. A ideia é que a negociação entre os delatores e a Procuradoria Geral da República (PGR) continue sendo conduzida pela equipe de Bottini. Caberia a Kakay, reconhecido por ter bom trânsito na mais alta corte do país, fazer o enfrentamento, no STF, do pedido de prisão e das denúncias feitas pela PGR de que os colaboradores omitiram a informação que estavam sendo orientados pelo ex-procurador Marcello Miller.

Segundo Kakay, no depoimento que prestaram na quinta-feira na sede da PGR, em Brasília, seus clientes já contaram “tudo o que sabiam” sobre Miller. Crítico das delações premiadas, Kakay atacou Janot, a quem acusa de pedir a prisão dos seus clientes baseado na pressão popular:

— Se houve omissão dos delatores, por que Janot não os chamou para fazer um recall, como aconteceu com outros delatores da Lava-Jato? Não chamou porque não tinha o que arrumar. O que ele queria fazer era salvar o mandato dele como procurador. Está sendo criticado por quase todos os setores e quer salvar o mandato. É uma coisa melancólica — disse o criminalista em entrevista ao GLOBO, ontem à noite.

Mais cedo, em nota divulgada à imprensa, Kakay havia escrito que Janot não pode “agir com falta de lealdade e insinuar que o acordo de delação foi descumprido. Os clientes prestaram declarações e se colocaram sempre à disposição da Justiça”. Segundo ele, a suspensão do acordo “é mais um elemento forte que levará à descrença e à falta de credibilidade do instituto da delação”.

Em nota enviada à imprensa na tarde de ontem, a J&F informou que os executivos Joesley Batista e Ricardo Saud não mentiram nas suas delações premiadas nem omitiram informações durante o acordo. A empresa ainda afirma que os dois colaboradores esperam ser ouvidos sobre novos anexos da delação entregues no fim de agosto.

O comunicado foi enviado horas após os dois executivos se entregarem à Polícia Federal depois de terem a prisão temporária determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. O ministro atendeu a pedido feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que investiga se os delatores omitiram informações durante o acordo.

Na nota, a J&F diz que, ao contrário do que acontece em “todos os processos de colaboração”, Joesley e Saud ainda não foram ouvidos sobre novos pontos da delação que entregaram no último dia 31. Segundo a empresa, em geral, os delatores são chamados a depor logo após entregarem as novas provas, o que não aconteceu neste caso.

Fonte: O Globo