Pré-candidato à Presidência da República, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) começou nos últimos meses a flertar com o mercado financeiro e tenta se apresentar como representante de uma linha liberal no campo econômico. A atuação dele como parlamentar, no entanto, foi exatamente oposta durante o período de estabilização econômica e abertura do mercado brasileiro, na década de 1990. Bolsonaro votou e militou contra o Plano Real, contra a quebra dos monopólios do petróleo e das telecomunicações e contra as reformas administrativa e da Previdência, que buscavam dar racionalidade às contas públicas.
Desde que o Plano Real surgiu, em 1994, Bolsonaro foi um dos militantes isolados contra a estratégia desenhada para estancar a inflação sob o comando do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Quando a criação da URV, (Unidade Real de Valor), moeda provisória que deu origem ao Real, estava sendo discutida em uma comissão mista no Congresso, Bolsonaro foi o único a votar contra a medida — enquanto PT e PDT tentavam obstruir a sessão. O deputado, então no PPR, ainda protagonizou um bate-boca com o senador Ronan Tito (PMDB-MG), que defendia a votação urgente da proposta econômica. Quando o deputado interrompeu o senador com um soco na mesa, acusando-o de “demagogias”, Tito reagiu: “Nunca paguei chantagens a militares nem quando eles estavam no governo”. O parlamentar retrucou: “Se Deus quiser, vamos voltar. Só que teremos guilhotina e não haverá esta bagunça que está aí”, atacou, saindo da sala em seguida.
No dia 19 de maio de 1994, quando da votação em plenário de uma emenda aglutinativa a uma outra medida que também tratava da organização do Plano Real, a MP 482, ele também votou contra a conversão da moeda, posicionando-se da mesma forma que PT, PCdoB e PDT. Antes de a URV começar a valer, a moeda em circulação era o Cruzeiro Real, corroído por uma inflação de cerca de 40% ao mês. O programa de estabilização da moeda é considerado um dos mais bem sucedidos na área econômica. Quatro anos depois, a inflação estava em menos de 2%. Em 1995, já filiado ao PPB (Partido Progressista Brasileiro), Bolsonaro desfilou pela Câmara exibindo uma moeda falsa de Real e avisando que pediria investigação da Polícia Federal sobre o caso.
Além de ir contra o Plano Real, Bolsonaro também disse não em votações-chave que promoveram a privatização de setores que até então eram exclusivamente controlados pelo governo — mantendo-se novamente alinhado à oposição da época, liderada pelo PT. Em 1995, ele se levantou contra a proposta de emenda constitucional (PEC) que acabou com o monopólio estatal do petróleo e, no ano seguinte, contra a PEC que acabava com o monopólio da União na prestação dos serviços de telecomunicações. Foram as duas propostas que permitiram a entrada de outras empresas brasileiras e estrangeiras em ambos os setores.
Até 1995, a União, através da Petrobrás, controlava a pesquisa, extração, refino, importação e exportação do petróleo. O fim do monopólio, consolidado com a Lei do Petróleo de 1997 — mais uma vez aprovada tendo voto contrário de Bolsonaro —, permitiu que a pesquisa e a lavra passassem a ser realizadas por outras empresas, o que levou a uma rápida expansão do setor. A União seguiu apenas como responsável pelo controle das reservas. Ironicamente, este ano o deputado passou a sinalizar a possibilidade inclusive de privatizar a Petrobras caso chegue ao Planalto.
O GLOBO procurou o deputado diretamente duas vezes pelo telefone na última terça-feira e em seguida entrou em contato com a assessoria de imprensa do deputado na terça, na quinta e na sexta-feira, quando foi informado que o deputado não falaria do assunto, pois só retomaria sua agenda de trabalho na próxima quarta-feira. Bolsonaro figura hoje em segundo lugar nas pesquisas, com índices entre 13% e 18%, atrás apenas do ex-presidente Lula, que vai de 35% a 36%.
Manifesto como vacina
Alvo recente de críticas por apresentar posições pouco aprofundadas na área econômica, Bolsonaro publicou, na semana retrasada, um manifesto semelhante à Carta ao Povo Brasileiro, assinada por Lula em 2002. Nela, o parlamentar diz que está montando uma equipe repleta de “professores de algumas das melhores universidades do Brasil e da Europa” e que nenhum de seus membros defende “ideias heterodoxas ou apreço por regimes totalitários”. Ele também passou a publicar em suas redes sociais comentários defendendo a independência do Banco Central.
Ao longo do governo Fernando Henrique Cardoso, Bolsonaro foi um dos mais irascíveis críticos das medidas econômicas. No fim de 1999, o deputado chegou a afirmar que o presidente estava cometendo um “crime” contra o país e que “sua pena deveria ser o fuzilamento”. Durante a gestão do tucano, Bolsonaro resistiu a diversas medidas de ajuste das contas públicas por meio dos cortes de privilégios a servidores. Logo nos primeiros meses do governo tucano, em março de 1995, o parlamentar ingressou no STF contra uma medida provisória que acabava com antecipação dos salários para servidores, que recebiam o salário antes do fim do mês trabalhado.
Poucos dias depois, ofendeu o então ministro da Secretaria da Administração Federal, Luiz Carlos Bresser Pereira, em uma comissão na Câmara. Quando o ministro disse que o aumento salarial proposto para os funcionários que recebiam gratificação “é apenas aparente”. O hoje presidenciável reagiu: “Vossa excelência tem uma tremenda cara de pau. Todos os funcionários gostariam de ter um aumento apenas aparente”. O ministro ignorou o deputado, que, irritado, levantou e, apontando o dedo para Bresser, o acusou de “sem vergonha”. O ataque levou inclusive a um pedido de abertura de processo por quebra de decoro parlamentar.
No fim daquele ano, o governo enviou para a Câmara uma proposta de reforma administrativa, pilotada exatamente por Bresser. A reforma só terminou de ser votada em 1997, e contou todo o tempo com a oposição de Bolsonaro. Entre outras coisas, o texto do governo criou um teto salarial para o serviço público, proibiu o acúmulo de cargos e acabou com a isonomia de vencimentos entre os três Poderes.
Uma das preocupações centrais do mercado financeiro hoje, a reforma da Previdência é outro tema ao qual o deputado sempre se opôs — e segue criticando. Em março de 1996, Bolsonaro foi um dos deputados que votaram contra a reforma proposta por FH. Em 1999, foi a vez de a Câmara discutir a proposta que instituía a cobrança previdenciária de servidores públicos inativos e aumentava a contribuição dos servidores em atividade. A medida fazia parte de um pacote de ajuste fiscal do governo FH, que tentava também demonstrar ao FMI (Fundo Monetário Internacional) seu compromisso com as contas públicas. O deputado foi contra.
Três anos antes, em 1996, a preocupação do deputado foi com sua própria aposentadoria. No início daquele ano, o então presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), decidiu extinguir o Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC). Tratava-se de um órgão que concedia aposentadorias especiais para os deputados e senadores, e ainda permitia que eles pegassem empréstimos e financiamentos de automóveis em condições muito melhores que as do restante da população. Bolsonaro vociferou contra a ideia e a classificou de “eleitoreira”.
Fonte: O Globo
Créditos: O Globo