A volta do neobobismo

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Nonato Guedes

O ex-ministro Maílson da Nóbrega, que lançará amanhã em João Pessoa o polêmico documentário “O Brasil Deu Certo. E agora?”, filme dirigido por Louise Sottomaior, contendo depoimentos sobre a trajetória econômica do país, volta a abordar o tema do neobobismo em sua última coluna na revista VEJA. A expressão é uma crítica do economista paraibano a atitudes da velha esquerda brasileira sobre a conjuntura experimentada internamente nas últimas décadas. “A esquerda nunca entendeu a realidade. Manteve suas convicções mesmo depois da queda do Muro de Berlim. Não percebeu que o fracasso da substituição de importações e também do comunismo tinha a mesma origem: a ausência de incentivos à inovação”, salienta ele.

Nóbrega começa lembrando que a velha esquerda muito acusou o ex-presidente Fernando Henrique de neoliberal. Numa das vezes, em 1997, FHC reagiu: “Só quem não tem nada na cabeça é que fica repetindo que o governo é o neoliberal. Isso é o neobobismo”. Agora, de acordo com o ex-ministro de Sarney, o neobobismo ressurge para fanfarronar as administrações petistas no livro “Dez anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma”, organizado por Emir Sader. De forma didática, Maílson expõe que o neoliberalismo, corrente nascida nos anos 30, opunha-se à intervenção estatal adotada na Europa e nos Estados Unidos para enfrentar a Grande Depressão. Nos anos 1970, defendia a reforma do estado intervencionista, ao qual atribuía a perda do dinamismo e o surto inflacionário de então nos países ricos. A esquerda teria passado a usar o termo em tom pejorativo.

– Na América Latina – segue ele – os mesmos problemas decorriam também das políticas de substituição de importações, que ficaram insustentáveis com as crises do petróleo (1973 e 1979), mas foram mantidas mediante elevação da dívida externa. O modelo ruiu de vez com a moratória mexicana de 1982, que fez secar a fonte de recursos do exterior. A inflação evoluiu para hiperinflação em muitos países. No Brasil, chegara a hora de rever o modelo, que havia legado uma industrialização ineficiente e uma inaceitável concentração de renda. As bases do modelo eram o fechamento da economia, o desregramento orçamentário, a tolerância com a inflação, a concessão de subsídios e favores fiscais a certos segmentos e a escolha de vencedores pela burocracia.

Era preciso, conforme ele, superar a hiperinflação, abrir a economia, redefinir o papel do Estado, privatizar estatais ineficientes, inclusive para assegurar o acesso da população a serviços básicos como os das telecomunicações, e construir moderna regulação econômica e de defesa da concorrência. A redistribuição de renda viria com o fim da corrosão inflacionária da renda dos trabalhadores e com programas sociais focalizados nos mais pobres. A universalização do ensino fundamental e novos investimentos em educação eram parte da grande empreitada. Tais mudanças ciclópicas, ou neoliberais para a velha esquerda, revela, atingiram o auge com FHC. “A velha esquerda nunca entendeu a realidade. Manteve suas convicções estatistas mesmo depois da queda do Muro de Berlim. Não percebeu que o fracasso da substituição de importações e também do comunismo tinha a mesma origem, isto é, a ausência de incentivos à inovação”.

Para Maílson, o governo Lula foi o maior herdeiro dessas transformações. O crescimento foi impulsionado pelos correspondentes ganhos de produtividade e pela emergência da China como nosso principal parceiro comercial. Havia, ainda, disponibilidade de mão de obra para incorporar ao processo produtivo. Foi possível, por tudo isso, ampliar os programas sociais, agora unificados no Bolsa Família. Mas o êxito dificilmente viria se o presidente Lula não tivesse abandonado as ideias erradas do PT sobre política econômica.

Maílson conclui que a presidente Dilma foi quem mudou de rumos. “Ela por certo agrada a neobobos com a ação política sobre o Banco Central, a reinstituição do controle de preços, o protecionismo e outras políticas típicas da era do intervencionismo excessivo e da substituição de importações. Colhe inflação alta e PIB baixo”. A seu ver, o artigo de Sader no livro é uma ode à alienação. Numa de suas pérolas, afirma que a Carta ao Povo Brasileiro lançada por Lula contribuiu para a crise política iniciada em 2005, a do mensalão. A origem do maior escândalo político da história seriam a continuidade da política econômica e a oposição dirigida por uma mídia privada e refugiada nas denúncias de corrupção contra o governo. “Neobobismo puro”, insiste Maílson.