A rede da corrupção tem cúmplices e os honestos colaboram

Gilvan Freire

Se violarem os cofres da FUNAI e sumirem com o dinheiro pertencente às nações indígenas, índios incultos acamparão em Brasília e ameaçarão o governo com suas bordunas. Trabalhadores rurais dos mais atrasados rincões do país, muitos tão incultos quanto os índios, invadirão as sedes do INCRA com enxadas e foices para que haja devolução de dinheiro público destinado a eles mas apropriados pelas máfias da corrupção. Até delinquentes profissionais e carrascos cruentos da sociedade, todos descomprometidos com um mínimo de cidadania, ainda assim se amotinarão nos presídios, usarão estiletes e outras armas artesanais, queimarão colchões, matarão servidores e farão reféns, até que haja explicações adequadas e solução para casos de mal emprego das verbas carreadas para o sistema prisional.

Contudo, 1 milhão de alunos da rede estadual de ensino e seus mais de 20 mil professores, que constroem juntos na base social o único mecanismo capaz de produzir cidadania em massa – a escola -, nada dirão sobre um assalto explicito e escancarado às verbas públicas devidas pelo Estado e garantidas pela Constituição ao sistema oficial de ensino.

Pior que tudo, ou quase pior (se é que é possível) é ver autoridades governamentais procurarem emendar o soneto e camuflar operação estupidamente criminosa, envolvendo ataques ao Erário. E, noutras instâncias, onde os crimes jamais poderiam ser praticados nas barbas das autoridades, terem sido.

A gatunagem, no caso, foi elevada a mais alta categoria dos roubos cometidos a céu aberto, possivelmente com a formação de quadrilha ou bando de ratos, inclusive com a conivência posterior daqueles que ainda estão procurando pegar um naco do queijo pecaminoso. Vamos aos detalhes.

O DIA EM QUE SUMIRAM 24 MILHÕES DOS ALUNOS DA PB

Relatório da Sindicância Administrativa devidamente concluída e habitando hoje o gabinete do Procurador Geral do Estado, aberta para apurar denúncia de superfaturamento de preço e desvio de dinheiro público, contém o minucioso percurso feito por R$ 24.051.344,22 entre os cofres do Estado e o submundo da criminalidade instalado atualmente nos escaninhos do governo da Paraíba. Foi assim:

Durante o mês de dezembro de 2011, a Secretaria da Educação do Estado engendrou uma licitação pública de mais de R$ 24.000.000,00 para comprar um KIT escolar para a rede pública estatal, e consumou tudo dentro de um mês apenas, sem cumprir as solenidades que a lei exige.

No dia 27 daquele mês, tendo detectado gravíssimas irregularidades da concorrência, o Controle Interno do governo mandou suspender o pagamento da fatura milionária.

24 horas depois, o Secretário da Educação comunicou ao Controle que havia suspendido. Mas, no dia seguinte, 29/12, as escondidas, mandou um oficio ao Banco do Brasil e telefonou ao gerente autorizando o pagamento.

O Controle Interno, contrariado e preocupado com as evidências de um escândalo consumado, fez uma ‘inspeção in loco’ do contrato e das compras, e constatou que o pagamento foi feito com o recebimento parcial das mercadorias, até hoje não entregues totalmente.

Confirmou mais o Controle Interno que a parte recebida das mercadorias não conferia em ‘qualidade, quantidade e especificações’ e que, ademais, os preços estavam superfaturados de 40% a 100%, gerando desvio estimado em 11 milhões de reais. Determinou a abertura de uma Sindicância Interna na própria SEE.

A Sindicância constatou tudo e averiguou a cadeia de corrupção montada para surrupiar os recursos escolares. Das 14 regiões administrativas de ensino do governo, todas detectaram as fraudes, em síntese assustadora, afora outras não menos cabeludas. Veja-se a conclusão da Sindicância, aberta tardiamente em 23/03/2012:

“No decorrer de 09 (nove) dias, foram visitadas as Seguintes Gerências Regionais de Ensino:

01 – 2ª Gerência Regional de Ensino – Guarabira;
02 – 3ª Gerência Regional de Ensino – Campina Grande;
03 – 4ª Gerência Regional de Ensino – Cuité;
04 – 5ª Gerência Regional de Ensino – Monteiro;
05 – 6ª Gerência Regional de Ensino – Patos;
06 – 7ª Gerência Regional de Ensino – Itaporanga;
07 – 8ª Gerência Regional de Ensino – Catolé do Rocha;
08 – 9ª Gerência Regional de Ensino – Cajazeiras;
09 – 10ª Gerência Regional de Ensino – Sousa;
10 -11ª Gerência Regional de Ensino – Princesa Isabel;
11 -12ª Gerência Regional de Ensino – Itabaiana;
12 -13ª Gerência Regional de Ensino – Pombal;
13 -14ª Gerência Regional de Ensino – Mamanguape;

Em todas as Regionais visitadas foram constatados problemas diversos relacionados com as entregas dos kits, os quais transcrevemos abaixo:

1. Ausência das guias de entregas dos materiais;

2. Falta de identificação referente a que série destinam os kits;

3. A Identificação dos kits feitos verbalmente, pelo condutor do caminhão;

4. Entrega dos kits aos sábados, ou em horário noturno, ou aos domingos;

5. Dificuldade na contagem dos kits, tendo em vista os mesmos virem relacionados por itens, e não por kit;

6. Kits distribuídos nas escolas sem a “Guia de Entrega”, nem o atesto do recebimento nos mesmos;

7. Kits entregues em desacordo do a formação destes, tais como:

7.1. Kit do Professor……………..entregue para 9º Série.

7.2. Kit EJA………………………..entregue para 9º Série.

7.3. Kit Fundamental ……………entregue para 6ª,7ª,8ª Séries.

7.4. Kit Integral……………………entregue para 6ª,7ª,8ª Séries.

7.5. Kit Ciclo II……………………entregue para 6ª,7ª,8ª Séries.

E, de acordo com a relação fornecida pelo Departamento Comercial do Grupo G8, consta até um KIT BERÇARIO I, sobre o qual não temas conhecimento para quem se destina, uma vez que não houve a aquisição deste tipo de kit.

8. Ausência de conferência dos kits, em algumas Regionais, em decorrência de falta de pessoal, para contagem dos mesmos, devido ao horário das entregas;

9. Dificuldade no descarrego dos kits, tendo em vista os mesmos serem entregues, muito tarde da noite, quando então, os funcionários da Regional não se encontram nos locais de trabalho;

10. Conferências dos kits, realizadas por amostragem;

11. Entrega de kits em desacordo com o objeto do contrato;

14. Ausência de materiais que deveriam constar nos kits, tais como: cola, apontador pequeno, lápis hidrocor;

15. Materiais entregues que não correspondem aos adquiridos, e que apresentam qualidade inferior.

As informações acima citadas, dentre outras, poderão ser analisadas por Regional de Ensino, nos quadros demonstrativos constantes do desse Relatório vide (anexo).

Foi observado também que, os kits estão sendo entregues de forma desordenada, ou seja, várias Regiões de Ensino os receberam, entretanto, não contemplaram todas as escolas.

A Comissão também observou divergências entre os materiais adquiridos e os materiais entregues.

É importante informar que, em documento constante do processo, a fl. nº 116, agenda a seguinte observação, a qual transcrevemos abaixo;

Os kits deverão ser montados individualmente segundo cada modalidade, em embalagens no formato retangular tipo corte e vinco, de papelão ondulado com gramatura de 594 g/m² +/- 45,coluna 8,5 kn/m +/- 08, esmagamento 260, kpa +/- 50, espessura de 3,5 +/- 0,5, com dimensões internas a serem definida oportuna e conjuntamente com a licitante vencedora, segundo cada perfil dos kits. A composição do papelão deverá ser com papel Kraft, interno e externo. A caixa deverá ter impressão tipo flexográfica, na cor preta, na parte externa, contendo os itens e quantidades que compõem o referido kit.

Entretanto, a Comissão, não encontrou, em nenhuma embalagem dos kits entregues, relação dos itens e nem quantidades que compõem os kits. Em decorrência da ausência destas informações, é que as regionais estão tendo dificuldades na identificação e na distribuição destes.

Informações detalhadas a respeito de tudo exposto acima podem ser analisadas nas planilhas constantes deste documento.

Informamos que com relação a 1ª Gerência Regional de Ensino – localizada em João Pessoa, não foi possível fornecer informações sobre a entrega dos kits, nessa Gerência, porque, segundo o Chefe da NUMAP, Senhor Mariano, a distribuição nas escolas dessa Regional, até a presente data, não foram feitas”.

Depois eu conto mais. Uma coisa pelo menos já é certa: ninguém está disposto a afundar sozinho nesse mar de lama.

E não vai aparecer ninguém para defender essa extraordinária obra de governo não?