A quem pertencia a área do Shopping Manaíra?

Flávio Lúcio

Muito se discute a respeito da posse da terra dos moradores do Bairro São José. Mas, e o Manaíra Shopping? A quem pertencia aquela área, localizada às margens de um rio e onde antes existia uma manguezal? À Marinha? Antenada leitora levantou essa questão e enviou mensagem expondo suas dúvidas sobre o tema, que compartilho logo abaixo.

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Acho importante a atuação do deputado Anísio Maia, porque é um absurdo um shopping acabar com o meio ambiente. Não é fato isolado na Paraíba, infelizmente. Mas também me chama atenção algo sobre o recebimento dos títulos pelos moradores do bairro de São José.

Peregrinação em busca da resposta

Em 2010, quando ainda estagiava, fui atender uma senhora no estágio pelo escritório de prática, que morava justamente naquela área, e procurei saber a quem pertencia aquela área. O Departamento de Patrimônio da União informou que pertenceria a ele. Pela lógica, o lado do shopping também. Vou verificar essa questão dos títulos só por curiosidade, porque me assustaria muito que aquela área pudesse ser comprada pelo dono do Manaíra Shopping.

O que eu queria saber é o seguinte: O sr. fala em sua coluna que no ano passado os moradores do São José conseguiram os títulos de propriedade, mas tem algo estranhoporque, até onde saiba, aquela área do São José pertencia a Marinha e, desde aquela época, me perguntava se, como o Shopping era vizinho, estaria também em área de Marinha? Fui até a biblioteca do Espaço Cultural e pesquisei documentos antigos , diários oficiais que ficavam lá, de 1977 em diante, quando muitas áreas de João Pessoa foram expropriadas para projetos de construção de áreas turísticas etc.Achei estranha a informação do departamento do Patrimônio da União sobre o fato de ser da Marinha aquelas áreas, porque um dos decretos que me lembro, salvo engano, expropriava aquela área do bairro de São José e proximidades de Granja que existe acima. A Sra. que atendi no escritório disse que morava lá desde 1982 e que, quando chegou no local, tinha gente há uns dois anos por lá (1980), o que coincidia com a época das desapropriações pela prefeitura. Os títulos de propriedade seriam dados por quem se a área fosse particular? Os moradores entrariam com ação de usucapião contra o dono oficial da área e o governo interviria entre ações de particulares?

Caso a área seja pública mesmo, pertencente à União, então na verdade não seriam títulos de propriedade, mas de concessão de uso e, nesse caso, não poderia Roberto Santiago adquiri-las ou pertubá-las (em tese). Ou ainda, se pertencente ao próprio município, já que o mesmo expropriou, ainda que não tenha atingido a finalidade proposta e os donos anteriores não a tenham reclamado a retrocessão. Nesse caso também não seria entregue título de propriedade porque a área seria pública.É isso que não entendi ainda e ando sem tempo para fazer minhas peregrinações nas repartições por mera curiosidade. Mas a verdade que aquela área sempre me intrigou porque sofro quando vejo rios acabando. As construções nos Bancários desses prédios, o crescimento do Jardim Cidade Universitária acabaram com os córregos e nenhum vereador se pronuncia.

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A leitora ainda lembra que o Bairro São José surgiu no início da década de 1970, quando começa uma ampla reforma urbana na cidade, resultado da expulsão de pescadores que antes moravam nos arredores do Hotel Tambaú. Ou seja, segundo a nossa interlocutora, o bairro já nasceu e ainda é um bairro de excluídos.

Lei aprovada às pressas

Quanto ao problema da legalização da propriedade do São José, é bom ter em conta o seguinte. Em 12 de dezembro de 2012, o então Prefeito Luciano Agra enviou Projeto de Lei Ordinária à Câmara de Vereadores de João Pessoa em que pedia a autorização para criar Zona Especiais de Interesse Social, as ZEIS, em várias comunidades da Capital, entre elasa do Bairro São José. O projeto foi aprovado rapidamente pela Câmera e virou a lei municipal 12.260 em 27 de dezembro, durante a última sessão do ano e da legislatura passada.

Segundo a lei federal Nº 11.977/2009, a“regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes”. Entre outros critérios definidos por ela para a regularização fundiária de uma determina área urbana ocupada por moradores de baixa renda, está a de “legitimação de posse”, que é o“ato do poder público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse”. A lei acima remete ao Plano Diretor de cada cidade os critérios para definir a regularização fundiária nessas ZEIS. Curioso, consultei o Plano Diretor de João Pessoa.

Como em toda lei, é permitida uma diversidade de interpretações sobre o repasse desses títulos de propriedade, mas um parágrafo em particular, 4º do art. 35 que trata dessa questão, fica definido que “não será permitida a transferência para terceiro, da concessão real de uso, sem a prévia autorização da Prefeitura Municipal, ouvido o órgão responsável pela política de habitação do Município.” Posso estar redondamente enganado, mas não está proibida a transferência para terceiros de terrenos localizadas em ZEIS, desde que autorizada pela prefeitura.

De qualquer maneira, como estamos diante de interesses tão opostos – o de moradia e o do grande comércio, associado ao da construção civil, – é bom ficarmos atentos.