O governador Ricardo Coutinho anunciou ontem, em Brasília, que investirá R$ 1 bilhão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na Paraíba, “com destaque para as obras da Translitorânea e Vertente Litorânea, mais a reconstrução da barragem de Camará”.
O que o Ricardo I não disse e muito provavelmente jamais dirá é que esse investimento está assegurado desde o Maranhão III. Faz parte de um pacote de obras do Pac-Saneamento e de outros projetos estruturados no governo anterior. Somados, batem na casa dos R$ 2 bi.
Mas ninguém espere que o atual governador dê um mínimo de crédito ao adversário. Além de desqualificar sistematicamente o antecessor, ele quer convencer que é o pai da criança de obras como a Translitorânea, que encontrou faltando menos de 10% para ser concluída.
Adotando claramente a estratégia de faturar o que sequer planejou e terá que realizar muito pouco para colocar em funcionamento, o governador até marca data para a conclusão da obra, passando aos incautos ou desavisados a ideia de que uma Translitorânea pode ser construída em 12 meses.
Mas é preciso reconhecer que Ricardo Coutinho não inova nessas manhas. Ele, que usa tanto o discurso de ser o diferente, o novo, apenas repete velhas práticas de alguns de seus antecessores, que se especializaram em vender ilusões, efeitos especiais e meias verdades ao distinto público.
De qualquer forma, o plano de tocar e faturar – e ao mesmo tempo esconder – o que encontrou bem encaminhado por quem veio antes dele parece mais eficiente e produtivo do que aquele que inaugurou o atual período. Refiro-me àquele do caos financeiro, do rombo nas contas do Estado.
A essa altura do campeonato, acredito que o governo e o governador Ricardo Coutinho já descartaram de vez a tentativa de fazer acreditar que encontraram o cofre zerado e a arrecadação futura inteiramente comprometida com despesas impagáveis herdadas da gestão passada.
O governo se desmente
Os próprios balancetes divulgados pelo próprio Ricardo I cuidaram de desmentir a versão segundo a qual o governo anterior havia ‘raspado o tacho’, quando, na verdade, teria deixado pelo menos R$ 600 milhões em caixa.
Mas, até que as cifras reais fossem postas à mesa da opinião pública, governo e governador sustentaram nos quatros meses iniciais de gestão a lenda do ‘rombo’ de mais de R$ 1 bilhão herdado do antecessor.
Até que o antecessor, José Maranhão, resolveu reagir e veio a público esclarecer que deixara mais de R$ 600 milhões no cofre estadual. E fez isso baseado em balancete publicado pelo atual governo, que na mesma hora deu o troco.
O ‘bate-boca’ em torno do suposto déficit aconteceu no dia 4 de abril deste ano, quando Maranhão deu a famosa entrevista para desmentir a história do rombo e, ato contínuo, foi desmentido por equipe do sucessor.
Ricardo escalou os secretários Luzemar Martins (Controladoria Geral) e Aracilba Rocha (Finanças) para mostrar que Maranhão deixara, sim, exatos R$ 606 milhões no cofre, mas deixara também um passivo de R$ 741 milhões.
Com o caixa abarrotado
Foi assim que o famoso rombo de mais de R$ 1 bilhão, que um pouco antes já havia encolhido para pouco mais de R$ 500 milhões, acabou em ‘módicos’ R$ 123 milhões. E um mês depois cairia para R$ 53 milhões, segundo o próprio Ricardo.
Mas aí nem mesmo os R$ 53 milhões de déficit se sustentavam, principalmente quando confrontados com os valores expostos nos relatórios de execução orçamentária que o governo é obrigado a publicar, por força de lei.
Segundo esses números, o Ricardo I estaria montado em um superávit orçamentário de mais de R$ 1 bilhão e, no financeiro, líquido, teria estocado cerca de R$ 252 milhões nos primeiros cinco meses de governo.
Estoque acumulado, diga-se, à custa do sofrimento de milhares de pessoas atingidas por demissões e cortes abruptos, drásticos e lineares na folha de pessoal, na manutenção da máquina e na prestação de serviços públicos essenciais.
Desmoralizando a astúcia
Meio que esvaziado o discurso do ‘rombo’ no cofre, governador e governo buscaram outro mote para sujar o cartaz do antecessor. Passaram a difundir, então, que encontraram 23 das 24 obras do ‘Pac’ paralisadas.
Mas aí veio a público e desmoralizou a astúcia o ex-secretário Francisco Sarmento, que no Maranhão III cuidou das pastas de Recursos Hídricos, Infraestrutura, Ciência e Tecnologia e ainda gerenciou o Pac-Saneamento.
Conforme mostrei na coluna de ontem, no seu conjunto as obras do Pac-Saneamento alcançaram índice de execução superior a 80% e que, se o Doutor Ricardo insistir nessa história, vai acabar expondo as fraquezas administrativas e gerenciais do seu grande eleitor, ou seja, o ex-governador Cássio Cunha Lima.
Porque foi justamente no governo de Cássio que a maioria dessas obras patinou em índices de execução inferiores a 3 por cento. Mas, pelo visto, o governador vai insistir na linha de usar passar o chapéu alheio à assistência para colher créditos e louros que, pelo menos, deveria repartir com os outros.
Mas Ricardo é Ricardo, não quer parceria com seu ninguém. Faz letra e música sozinho. Pede ajuda nem a Chico César. E, a julgar pelo que disse ontem, não tem o menor pudor de anunciar como iniciativa dele investimentos que já estavam em curso ou foram deixados ‘em ponto de bala’ para ele disparar tão logo assumisse.
Até quando, Catilina?
O admirável Professor Oliveira escreveu-me ontem. Vejam só a boa provocação que me fez, via i-meio:
– Prezado Rubens, há muito tempo não relia a famosa frase com a qual o célebre tribuno romano Cícero iniciou seu primeiro discurso dirigido a Catilina: “Qvosque tandem abvtere, Catilina, patientia nostra? (Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?)”. A frase lhe sugere alguma coisa? Grande abraço.
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Sugere, sugere sim, inexcedível guru. Tanto que amanhã vou contar um pouco a história de Cícero e Catilina, que viveram pelo menos cem anos antes de Cristo e, ao que parece, reencarnaram na Paraíba.