A greve do ex-presidente

Nonato Guedes

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva paga por ter cão e por não ter cão. Se resolve deitar falação sobre certo assunto, é tido como boquirroto. Por outro lado, causa sensação quando silencia. É como se contribuísse para desempregar jornalistas que precisam de notícias e, sobretudo, de polêmica. Lula é polêmico. Sempre foi. Ninguém chega impunemente aonde ele chegou: de metalúrgico a presidente da República, com uma passagem fugaz pela Câmara Federal, para não alimentar tanto o mito de que é um predestinado. A “Veja” deste final de semana fez os cálculos e concluiu que há exatos dois meses, ou sessenta dias, Lula está em greve. Equivale dizer, evita o contato com a imprensa.

Nesse período, duas notícias o acuaram: o envolvimento de Rosemary Noronha, sua mulher de confiança, nas fraudes investigadas pela Polícia Federal na Operação Porto Seguro, e a revelação de Marcos Valério ao Ministério Público de que o dinheiro do mensalão pagou despesas pessoais do ex-presidente. Além de só participar de eventos fechados, registra a publicação dos Civita, Lula tem embarcado em uma série de viagens. Uma delas foi agendada exatamente para hoje, com destino a Cuba, que “Veja” define como uma espécie de paraíso para quem quer fugir da imprensa. Uma referência a restrições à liberdade de expressão na Ilha dos Castro, onde Lula é sempre recebido de forma afetuosa, não tivesse ele, como presidente da República, tomado posições para favorecer Cuba e retirá-la do boicote que algumas nações insistem em praticar contra o eterno inimigo dos Estados Unidos.

Um ex-presidente da República tem a obrigação de manter postura comedida e diplomática. Primeiro para não prejudicar quem está governando no momento. Em segundo lugar porque esta é a postura recomendada pelos manuais a quem já esteve no centro das atenções, nos holofotes diários. Nos Estados Unidos, tal mandamento é cumprido à risca. Ex-governantes raramente se pronunciam sobre questões internas dos governos de plantão. Entram em cena quando são chamados para cumprir missões de escoteiros ou para ornamentar a galeria de cerimônias públicas em que estão em jogo os superiores interesses do país. Quem está no comando do leme, atualmente, é Barack Obama, e é natural que ele seja a personalidade mais visível. Porque de Obama dependem as decisões sobre economia, sobre problemas internos e sobre conflitos internacionais. É a praxe, no mundo civilizado. Ainda há pouco tivemos eleições presidenciais e Obama foi reeleito para mais uma quadra na Casa Branca. Concluído seu período, adotará a rotina que os antecessores cumprem religiosamente.

Ocorre, também, que Lula ficou exposto demais no ano passado. O julgamento do mensalão, ainda que envolvendo aloprados do PT e de outros partidos aliados que avançaram com muita sede ao pote pelo erário público, foi uma espécie de plebiscito em torno de Lula. A oposição tentou incriminá-lo de todas as formas como o ordenador dos recursos não contabilizados. O Procurador da República, Roberto Gurgel, armou toda uma encenação para levar Lula às barras do Supremo. A estratégia foi desgastante para o ex-presidente, já às voltas com problemas de saúde. Houve, em paralelo, a maratona das eleições municipais. E não faltaram insinuações de que Lula vinha tentando competir com Dilma para não deixar de ser o foco da mídia, ou dos holofotes. Ele também foi acionado para conter insatisfações sobre esse ou aquele pleito que a presidente Dilma deixou de atender. Um ano para lá de agitado, sob todos os pontos de vista, para qualquer mortal. Lula suportou estoicamente o fogo cruzado. E, para desapontamento dos adversários, saiu incólume. Sua popularidade não está significativamente avariada, ainda que Dilma seja a rainha da publicidade, por razões óbvias.

Os saudosistas da imprensa não perdem por esperar. Vem por aí uma barulhenta programação que assinalará o aniversário de uma década de PT no poder federal, juntando os dois mandatos de Lula e o começo do governo de Dilma Rousseff. Haverá matéria de sobra para alimentar a fome dos leões da mídia e saciar os adversários empedernidos que não dão trégua ao ex-presidente. Lula está se resguardando para essa nova ofensiva. Ele tem a virtude da paciência, isto é indiscutível. E aprendeu as nuances do xadrez político com mais habilidade do que se esperava. Deixemos vir o calendário, que é inexorável.