A difícil relação do governo de Ricardo com a mídia

Nonato Guedes

Um clima permanente de tensão permeia a relação entre o governo do socialista Ricardo Coutinho e setores da mídia paraibana, principalmente formadores de opinião em colunas de jornais ou programas de rádio e TV. O governador fica impaciente com questões que são abordadas e, não raro, apela para atos de rispidez no trato com profissionais que ousam perguntar o que ele não deseja ouvir, muito menos responder. Há má vontade da imprensa para com o governo? Esta é a avaliação corrente entre áulicos do poder, que não colaboram para distensionar as relações, inclusive porque temem ponderar alguma coisa ao chefe maior da República estadual. Ficam intimidados, pisando em ovos. Não querem se expor ao vexame de um puxão de orelhas. Nesse diapasão, preferem fazer coro com o “chefe”. Ele tem sempre razão. Os críticos da imprensa são os pescadores de águas turvas, talvez frustrados por não estarem na folha régia de pagamento ou não privarem de maior aproximação com o gestor.

É uma leitura muito simplista, diria reducionista mesmo, feita sob encomenda para agradar ao chefe. Disseminou-se entre integrantes do corpo de auxiliares do governador, salvo honrosas exceções, a paranoia de ver inimigos em toda a parte. A tensão não se resume ao contato com jornalistas. A queda de braço permanente do Executivo com deputados que lhe fazem oposição na Assembleia Legislativa anula o discurso oficial da convivência harmoniosa e respeitosa entre os Poderes, ferindo de morte o princípio da separação de competências. O Legislativo, com mais legitimidade, e a imprensa, mais próxima da opinião pública, refletem a voz rouca das ruas. Enjaulados em Palácio ou em gabinetes com ar condicionado, auxiliares da Curul governamental não frequentam restaurantes ou ambientes abertos, onde rola solta a imprecação contra este ou aquele ato do Poder. Não andam de táxi, embora motoristas de táxi, em qualquer capital ou cidade do país, sejam os melhores repórteres em atividade, porque captam extratos de conversas de passageiros sobre humores palacianos. Da mesma forma como ascensoristas de elevadores, que se matam de curiosidade para completar trechos de diálogos que são interrompidos quando irrompe o “stop” nos comandos de descida.

Já tivemos casos de governantes, que entraram para o folclore brasileiro, que se travestiram de pobres mortais ou de cidadãos anônimos para ter a liberdade de se infiltrar na massa sem serem reconhecidos e aferir o termômetro que mede as pulsações e batimentos de transeuntes. Ninguém está pedindo ao governador Ricardo Coutinho que se inspire nesse modelo. A solenidade do cargo não o atrai para o que talvez considere espetáculo populista e demagógico. Os tempos são outros. Quem vive na era digital, como o governador Coutinho, não precisa imitar João Agripino Filho que, sem precisar se disfarçar, abandonava o gabinete em Palácio para ir ao cafezinho do Ponto de Cem Réis estimular opiniões sobre seu governo. Getúlio Vargas, com toda a pose de ditador, no período em que encarnou esse perfil, certa feita viajando de carro pelo interior dos Pampas, ordenou ao motorista que parasse nas proximidades de uma estância, cujo proprietário era conhecido seu. E foi logo perguntando: “Compadre, o que acha do meu governo? Responda com sinceridade!”. O estancieiro não se fez de rogado: “Doutor Getúlio, o caçador até que é bom. A cachorrada é que não presta”. O caçador era Getúlio. A cachorrada, supõe-se, eram alguns ministros em desgraça perante a opinião pública.

O governador acessa redes sociais, mas dificilmente interage. É uma válvula de escape para assimilar o que assessores medrosos não lhe dizem. De qualquer forma, está se comunicando, dirão alguns. Estão certos. Mas está se comunicando em mão única, Governos erram, contrariam interesses, recuam em decisões. É da lógica humana do poder. O erro é achar que as coisas devem ser diferentes e que Ricardo é totalmente diferente. Conheci Coutinho como deputado estadual e vereador, acessível a reclamações. Mas ele atuava na oposição. Precisava de subsídios para atacar governos. No governo, o enredo muda. O estilo faz o homem ou o homem faz o estilo? João Agripino cunhou uma sentença lapidar quando, tomando cafezinho no Ponto de Cem Réis, avistou um secretário no banco traseiro do automóvel oficial, vidros fechados, sobressaindo apenas a silhueta do ‘poderoso’ que desfilava. “Quando você vê uma situação como essa, fique certo: o carro é mais importante que o secretário”, ensinou João a um interlocutor que com ele partilhara a visão da cena. Humildade em qualquer função que se exerça é um imperativo. Até porque o mundo é uma gangorra. E na política o sobe e desce é mais frenético do que imagina a vã filosofia de alguns.