A cidade de açúcar

Rubens Nóbrega

“Painho, sou de açúcar não”, costumam dizer minhas filhas quando insisto para que se protejam da chuva, que chuva em cidade grande é bicho poluente e adoecente, bem diferente de chuva em Bananeiras, onde cai água bem tratada no céu e bem vinda na terra.
O problema maior é que minhas filhas vivem na cidade de João Pessoa, que parece feita de açúcar. Não pode ver chuva que se desmancha. Desmancha-se e alaga, entope, desliza, desmorona e vez por outra mata pessoas, por soterramento ou afogamento.
Mas não dá pra botar apenas na natureza a culpa por mortes, desabrigos e aperreios das pessoas mais pobres e menos assistidas pelo poder público na minha cidade. Se é para botar culpa em algo ou alguém, culpo mais a natureza dos nossos governantes.
Um na Prefeitura, o outro no Governo do Estado, quando os dois eram um só pentearam as nossas ruas com mais e mais asfalto, fizeram algumas delas mais largas para caber mais carros, mas não cuidaram direito ou nunca cuidaram de rios, galerias, encostas…
Resultado: em apenas um semestre, tivemos três torós pesados que fizeram da vida e do trânsito na cidade um inferno, para onde não devem ter ido os três ou quatro inocentes que já morreram este ano em conseqüência de inundações ou queda de barreira.
O pior é conviver com a incerteza sobre se é maldade ou incompetência a inércia molhada na omissão do poder diante dos problemas que se repetem a cada pé d’água, expondo alagamentos e ameaças de desmoronamento nos mesmos pontos, nas mesmas comunidades.
Sequer socorro e amparo imediatos às vítimas de sempre a gente vê. As providências parecem limitadas a visitas do prefeito para constatar o sofrimento continuado e uns amarelinhos vigiando cones que interditam ruas transformadas em lagoas.
Isso quando chove, porque quando faz sol – e faz na maior parte do ano – a gente também não vê ou não sabe de campanhas educativas para o povo não jogar lixo nos acostamentos e bueiros nem trabalho preventivo de desobstrução de canais por onde escoar a água.
Por essas e outras, vivemos num lugar onde o governo sequer canaliza água empoçada para levá-la até o rio que fica bem ao lado, a exemplo do que acontece já secularmente, como se fosse crônico, no largo da Estação Ferroviária que orla o rio Sanhauá.
Pelo visto, a julgar por tudo o que se repetiu ontem, resta pedir a Deus para segurar as nuvens lá por cima e derramar um pouco de compaixão e solidariedade no juízo ou no coração dos nossos governantes.
Somente assim, para muitos dos nossos concidadãos – com o perdão do clichê – a vida será um pouquinho menos amarga na cidade de açúcar em que se transformou a Capital paraibana, por falta de cuidado e prevenção com a sua infraestrutura.
Panis et circense

Digna de aplauso a operação da Polícia Federal, Ministério Público Estadual e Controladoria Geral da União que começou a prender envolvidos em superfaturamento na contratação de bandas musicais e financiamento, com dinheiro público, de todo o aparato que dá suporte aos shows das milionárias atrações.
Digo começou porque esse tipo de operação tem ‘gostinho de quero mais’. Afinal, ontem foram presos agentes públicos e empresários acumpliciados nesses esquemas em apenas 13 municípios paraibanos. A torcida é para que PF, MPPB e CGU façam desse trabalho uma ação permanente e cheguem aos 210 municípios restantes.
E que não deixem de fora o Estado. Afinal, dois terços dos R$ 75 milhões desviados ou vitimados pela corrupção seriam compostos por verbas estaduais, segundo informações das próprias instituições promotoras das investigações, prisões e apreensões efetuadas legal e eficientemente, porque amparadas em mandados da Justiça.
Trilha sonora

A música-tema da Operação Pão & Circo não poderia ser outra. ‘O prefeito’, sucesso de Ton Oliveira, é perfeita para o que deflagraram ontem a PF, o MPPB e a CGU. Cantem as estrofes a seguir e depois me digam se não tenho razão.

• Mamãe, agora eu quero ser prefeitoGaranto que vou me candidatarDo jeito que já sei mentir bastanteAcho que de hoje em diante minha vida vai mudar.
• É a cidade esburacada (ai ai ai)E o povo vivendo mal (ui ui ui)Mas quando a coisa ficar pretaEu invento uma micaretaE faço aquele carnaval.
• Trago um conjunto da Bahia (ai ai ai)Pago mais do que ele merece (ui ui ui)Se pagar 100 digo é 500Desviando os 400 meu saldo banqueiro cresce.
• Ai o povo esquece tudo (ai ai ai)E no embalo desse som (ui ui ui)A cidade fica felizE ainda tem gente que diz: “Eita, que prefeito bom!”