4 de novembro

Por Gonzaga Rodrigues

A cidade de João Pessoa tem história, mais do que antiguidade, no entanto está se lixando por isso. Mais que antiguidade: tem presença quase única na crônica das lutas de resistência à colonização, nos sonhos republicanos de Arruda Câmara (1817) de Maciel Pinheiro (1889) ou de Antenor Navarro (1930). Presença pelo patrimônio artístico e histórico herdado das suas próprias mãos nativas e pelo ambiente que ofereceu à cultura do espírito, seja de um Augusto dos Anjos , de um José Américo, de um Ze Lins do Rego, para não ferir com omissão os valores de hoje.
Neste amanhã, em 4 de novembro de 1585, a cidade começou a ser construída. “Visto tudo muito bem e roçado o mato, a 4 de novembro se começou o forte (…)”. É o registro do primeiro documento. Era por onde as cidades começavam, pelas muralhas armadas de sua defesa.
Defesa contra quem? Contra a concorrência de invasores europeus e, mais à queima-roupa, contra o índio flecheiro derrotado pelas armas poderosas da civilização de então. Foi um arraso, uma covardia, um morticínio que a própria igreja de Nóbrega, que dava estandarte à ocupação, discretamente censurou.
Pois bem, é essa matança cruenta empurrando cadáveres até encostar na Copaoba ( ali por Serra da Raiz) e continuada por Feliciano Coelho mesmo depois da rendição, que a Paraíba hasteia a sua bandeira e as suas honras. Achando pouco, ainda misturamos o 5 de agosto, quando do índio só restavam as flechas e tacapes sem mais impulsos, com a data de fundação da cidade. Comemoração para os capitães da usurpação de terras e de homens, nunca para os vencidos.
Os espanhóis ainda deixaram vivas as sementes que perpetuam até hoje a cara e as artes, sobretudo a música, dos nativos latinos. Aqui, escapam a mestiçagem da cor, da língua e de uns poucos sabores culinários. A tapioca felizmente resiste viva e bem nossa.
O 4 de novembro, que é o marco inicial da construção da urbe que já não tem seu lugar mais alto na colina sobranceira ao Sanhuá, passa despercebido do pessoense e de todos os mastros municipais. No entanto, além de ser a data mais coerente com o registro histórico, é o marco de onde, como escravo ou pedreiro livre, saímos do forte de taipa à beira do rio para os novos e mais altos andares da beira-mar alada.
A cidade mudou, é outra, com novos e estranhos ocupantes, todos, sem exceção, tendo mais em que se ocupar. O 5 de agosto, pertinente a todo o Estado, reduz-se a feriado municipal. E o 4 de novembro, que é de João Pessoa, não é de coisa nenhuma.