Os 10% mais ricos da população brasileira respondem por 51,5% da desigualdade de renda total do país, uma das mais altas do mundo. É o que revela um estudo inédito publicado pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea). Esse percentual é maior do que o encontrado em outros países, como Estados Unidos (45%), Alemanha (44%) e Grã-Bretanha (41%). A pesquisa ainda constatou que a maior parte desse contribuição está na metade mais rica do grupo abastado (no 5% do topo), que responde por mais de 45% do índice de desigualdade. No ano passado, quem recebeu mais do que 5.214 reais por mês estava entre os 10% mais ricos do Brasil.
Os dados foram medidos por um indicador ainda pouco utilizado na literatura socioeconômica, a J-divergência, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, entre 1981 e 2015. Diferentemente de outros índices utilizados no mundo para aferir o tamanho da desigualdade, como o Gini, a J-divergência consegue, a partir de dados amostrais, estimar quanto da disparidade total vem de cada pessoa ou de cada grupo, definido por faixas de renda. “Ela compara a distância da renda de cada indivíduo com a média de renda do país [o rendimento domiciliar per capita do Brasil ficou em 1.268 reais em 2017]. Conhecer a contribuição do grupo mais abastado, por exemplo, pode ajudar o país no redesenho de suas políticas redistributivas, como impostos progressivos sobre renda e patrimônio”, explica um dos autores do estudo, o técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Carlos Henrique Corseuil.
Entre 2001 e 2015, as contribuições dos 10% mais ricos, dos 10% mais pobres e dos 80% do meio na distribuição da renda mensal declinaram em termos absolutos. No entanto, a pesquisa revelou que a contribuição para a disparidade tanto do grupo dos 10% mais ricos como dos 10% mais pobres aumentou proporcionalmente. Os 80% do meio reduziram sua participação na desigualdade (de 31,5% para 28,1%), mas o que foi compensado por aumentos nas participações do grupo mais pobre (de 17,6% para 20,4%) e do grupo mais rico (de 50,9% para 51,5%). Os pesquisadores admitem que não sabem explicar o porquê desse movimento. Ainda serão necessárias novos estudos para entender os indicadores.
A preponderância dos mais ricos sobre o nível e a trajetória da J-divergência pode ajudar, segundo os estudiosos, a compreender o que, afinal, aconteceu com a desigualdade de renda no Brasil desde o início deste século. Pesquisas mostravam até 2014 uma queda considerável na desigualdade, sobretudo quando a medida usada era a Pnad anual, os dados mais usados até então para acompanhar o fenômeno. Muitos trabalhos destacam o papel dos aumentos reais de salário mínimo e de benefícios atrelados a eles para justificar o recuo da desigualdade. No entanto, o estudo “A desigualdade é mais alta e estável do que se imaginava” de Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio Castro, divulgado em 2015, apontou estabilidade da desigualdade no período. No caso da última pesquisa, as rendas dos 10% mais ricos encontradas na Pnad são substituídas por estimativas a partir de tabulações anuais do Imposto de Renda – Pessoa Física (IRPF). “Este trabalho não permite responder definitivamente se o verdadeiro índice de Gini das rendas caiu ou não no Brasil, mas pode ajudar a qualificar melhor a discrepância entre as histórias contadas pela Pnad e pelo IRPF e as conclusões tiradas a partir destas”, escrevem os autores do estudo inédito.
Na avaliação de Marcelo Medeiros, o novo estudo é importante para realmente saber quais os dados de renda da camada mais alta. “Se você quiser estudar a desigualdade, você terá que olhar para os mais ricos”. O pesquisador ressalta, entretanto, que, mesmo com maior conhecimento do diagnóstico, não há fórmula mágica para combater a desigualdade. “É um conjunto de políticas muito grande que vai ter que ser combinado e mantido de maneira persistente para causar de fato uma redução da desigualdade. A mudança na tributação sozinha não resolve. Apenas o conjunto de todas elas”, explica.
Fonte: El País
Créditos: El País