O São João 2020 não foi fácil para nenhum nordestino. Para os paraibanos, então, deixar de lado uma das maiores festas do estado trouxe até tristeza. Há mais de 20 anos, em 1996, Bira Marcolino, compositor paraibano, escrevia junto a irmã, Fátima Marcolino, a música Siá Filiça. Mas o fato é que nenhum dos dois jamais imaginaria que ela representaria com tanta força um mês que jamais significou “vontade de chorar”. Hoje, dia de São Pedro, também haverá mais silêncio. E mais saudade.
As lives, no entanto, foram a garantia de que ao menos forró não faltaria para os amantes da festa junina. Santanna, O Cantador, e Flávio José representaram o autêntico forró pé de serra na véspera de São João, fazendo a alegria de tantos forrozeiros, assim como a cantora Elba Ramalho e tantos outros artistas.
Bira Marcolino, no entanto, é alguém que poucos conhecem, mas que merece a sua devida importância, principalmente neste ano em que o São João nos deixou escorrer pelos olhos a dor da saudade. Nascido na cidade de Prata, no Cariri da Paraíba, Bira já morou em varias cidades.
Cadê a lenha da fogueira
Siá Filiça
Cadê o milho pra assar
Cadê aquele teu vestidinho de chita
Que tu vestia pra dançar
Cadê aquele sanfoneiro
Que eu pedia pra tocar
A canção da minha terra
Um forró de pé-de-serra
Que eu ajudava a cantar
Quando me lembro disso tudo
Siá Filiça
Me dá vontade de chorar
A música marcou o período junino porque fez qualquer nordestino lembrar dos simbolismos que marcam essa época: o vestido de chita, o milho, a fogueira, balão e o sanfoneiro. Bira e Fátima jamais imaginariam que ela realmente fosse representar dor em algum momento.
Mas quem é Siá Filiça? Siá vem do termo “sinhá”, uma espécie de abreviação. E Filiça vem de Felícia, uma senhora que morava na cidade da Prata, na Paraíba, e que todos gostavam muito de brincar com ela quando eram pequenos. Segundo Bira, ela sempre andava com uma lenha. Certo dia, ele estava com a irmã em Caruaru e pensou em “Siá Filiça”, que era como chamavam Felícia, e a irmã disse que dava uma boa música.
Então começaram a escrever. Fátima Marcolino foi a autora da frase: “minha esperança ainda dorme, e eu com pena de acordar”, que retrata um pouco a espera e o desejo de que a pandemia do coronavírus passe, e o São João volte a ser como era.
Quando foi escrita, muitos artistas queriam gravar a música. O primeiro foi Ezequias Rodrigues, que gravou com voz e violão. Depois veio Santanna e Ademário Coelho, da Bahia. Mas foi com O Cantador que a música fez sucesso.
Hoje, Bira tem 61 anos. Para um compositor de forró, deixar o São João morrer seria até um crime. “O São João está na veia da gente, o forró está na veia da gente. Sem São João a gente se sente fora d’água, mas não deixa de ouvir não. Eu fiz meu São João sozinho, no mato”, conta.
Santanna encerra live com ‘Siá Filiça’
A música foi a grande emoção da live de Santanna na véspera de São João. Quem assistiu, certamente se emocionou. Antes de cantar, disse algumas palavras: “vou me despedir de vocês com uma música… eu não vou pedir desculpa por me emocionar, porque é a emoção que move o mundo. A emoção é impressionante. Me despeço de vocês com essa canção, que é a música que melhor representa o São João este ano”.
Ao fim, tirou o chapéu. Ali, estava representada a tristeza, mas também a esperança de todos se reencontrarem novamente entre público e palco, forró, xaxado e baião.
“A música foi que me escolheu, me escolheu como intérprete principal dela. Ela faz parte da minha vida. Ela foi eleita a música do São João desse ano, e o sentimento é muito grande. A gente que é sertanejo, a gente sabe o que significa uma festa junina para nós. Eu fico impressionado como a música Siá Filiça entra na vida das pessoas”, relata.
Livro sobre música é lançado por paraibano
Um livro chamado “Siá Filiça”, de Efigênio Moura, natural de Monteiro e morador de Campina Grande, foi escrito e lançado este ano, durante a pandemia, para contar a história da canção. A ideia surgiu para fazer uma desintoxicação no autor, que terminava de escrever sobre o cangaço, tema forte e marcante. “Precisava limpar a garganta e a alma”, confessa.
Em uma viagem para Prata ele descobriu que Siá Filiça realmente existiu. “Comecei a ouvir a música, debulhar a música devagarzinho no juízo. Comecei a trabalhar a música na cabeça de uma forma que ela fosse se apresentada em capítulos”, conta Efigênio.
Ouviu toda a história da música por Bira e Fátima Marcolino e descobriu que Siá Filiça passou a representar a infância deles. Por isso, situou o livro no município da Prata e dividiu em duas partes: o passado e o presente. De cada estrofe saem as misturas de capítulos, situando o leitor na cidade da Prata, no São João e no forró em si.
“O livro é o São João de papel. Um passeio pela saudade e um puxão de orelha nas pessoas que fazem o tempo. Além de uma declaração de amor à minha região, o Cariri”, diz Efigênio.
Fonte: G1 PB
Créditos: Polêmica Paraíba