Não quis me manifestar no calor das emoções. É preciso sabedoria e prudência para lidar com o clima de massacre que pulula no estado da Paraíba. É sabido, no entanto, que no exercício de minha profissão, fui vítima de insulto desarrazoado por parte da deputada estadual Estela Bezerra (PSB), que, lamentavelmente, ultrapassou qualquer limite admissível de republicanismo.
Destaco que esta não é uma mera questão político-partidária. As ofensas a mim dirigidas ultrajam também toda a categoria dos jornalistas que, ao apurar fatos de interesse da população, ocupam nobre função social. Justamente por isso, após o desrespeito sofrido, recebi manifestações de apoio e solidariedade de jornalistas das mais distintas linhas editoriais e de diferentes emissoras, aos quais agradeço firmemente.
Sabemos o quanto a imprensa é atacada em momentos de agravamento de crises institucionais. Foi assim na Itália, na década de 1990, quando emergiu a Operação Mãos Limpas, investigação que descortinou a corrupção sistêmica que integrava o cotidiano das relações entre empresários e políticos. À época, bravos jornalistas informavam à população quais os métodos de corrupção adotados, quem eram os homens e mulheres envolvidos, quais suas regras e ritos, de que forma a condução de licitações para o benefício de um pequeno círculo de empresas “protegidas” financiava determinados políticos italianos secretamente.
Foi assim com a Operação Lava Jato que, desde 2009, perscruta a corrupção generalizada e o patrimonialismo enraizado no Estado brasileiro. Na Paraíba, coincidentemente ou não, o clima infame de dizimação de jornalistas encontra eco, sobretudo, no auge da Operação Calvário, investigação que denunciou núcleos de uma organização criminosa acusada de desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e peculato, por meio de contratos firmados entre o Governo do Estado da Paraíba e Organizações Sociais.
Ora, nós, jornalistas, limitamos a publicizar os atos de gestores da administração pública e informar à população o desenrolar de investigações judiciais que, até o presente momento, seguem os cânones do processo justo e legal. É evidente que as consequências de possíveis crimes, se houver, devem recair sobre aqueles que os cometeram, não sobre quem os investigou ou os tornou públicos. O exercício do jornalismo demanda vigilância constante, pois é o esquecimento dos crimes que consome lentamente a liberdade das instituições. Inevitável, portanto, que em uma sociedade democrática a imprensa questione casos sensíveis que coloquem em discussão a conduta de administradores públicos e o relacionamento entre as esferas pública e privada.
Estela Bezerra, deputada a quem sempre nutri respeito e admiração pela forma aguerrida de combate contra o cerceamento das liberdades individuais, parece ter esquecido o solene juramento que fez na Universidade Federal da Paraíba, quando concluiu o curso de Jornalismo, o de se comprometer com o direito do cidadão à informação. Ora, a apuração dos fatos se dá em função das demandas da sociedade, não obedecendo às orientações político-partidárias.
É preciso cuidado para não se esconder atrás de discursos retoricamente esvaziados porque inaudíveis às perguntas da sociedade paraibana. É necessário cuidado para não defender o Estado Democrático de Direito apenas quando é conveniente, abandonando-o tão logo a imprensa questione fatos desconcertantes. É preciso, sobretudo, que a deputada Estela Bezerra volte ao patamar de civilidade que o cargo exige. Evidentemente, a deputada tem o direito de escolher qual é o jornalista mais apropriado para dialogar. Deve, no entanto, manter a integridade moral de todos os profissionais da comunicação, ainda que, eventualmente, discorde das notícias veiculadas.
Talvez, seja interessante que a deputada releia Michel Foucault, filósofo francês pelo qual compartilhamos a mesma admiração. Em um pequeno prefácio à obra de Deleuze e Guattari, intitulada “O Anti-Édipo”, Foucault sugere dicas práticas para superar o fascismo cotidiano. Não aquele cristalizado no estado ou em formas de governo, como o fascismo histórico de Hitler e Mussolini, mas aquele fascismo mais perigoso porque quase invisível, aquele que martela o espírito e a conduta, e que, se não tomar cuidado, habita em cada um, independentemente da coloração político-partidária. Trata-se, por exemplo, do tratamento hostil dispensado a um interlocutor que ousa pensar diferente. As perguntas que impõe Foucault neste texto são certeiras: como fazer para não se tornar fascista, sobretudo, quando se acredita ser um militante revolucionário? Como livrar do fascismo não apenas o discurso, mas no comportamento cotidiano?
Acredito que a política e o regime democrático são os melhores instrumentos pelos quais as divergências devem ser resolvidas. Assim, o espaço continuará aberto à deputada Estela Bezerra, e o desejo de encontrá-la para questionar, com o mais absoluto respeito, temas de interesse da sociedade paraibana permanece o mesmo. Afinal, o Paraíba RádioBlog tem como inspiração um sábio ditado árabe: “os cães ladram, mas a caravana passa”. A expressão, que significa que devemos ignorar as provocações que possam impedir a caminhada e esquecer críticas que não sejam construtivas, não poderia ser mais apropriada.
“Latidos são apenas latidos. Podem até incomodar um pouco. Podem irritar. Podem provocar algumas iras contra a caravana por perturbar o sono de alguns. Mas a caravana entende o seu sentido e segue adiante. O original, o novo, o diferente, vai sempre provocar latidos, mas em breve serão latidos de festa, de reconhecimento, de alegria. Ficar preso a um círculo invisível é para eles, os cães…”
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Thiago Morais