O blog abriu espaço recentemente para “O Decálogo dos Cristãos na Política”, escrito por Sérgio Queiroz, pastor titular da Cidade Viva. A publicação repercutiu bastante entre evangélicos e não evangélicos, por conta das visões por vezes conflitantes entre política e religião. Nesta segunda-feira (9), abro espaço para uma análise crítica do texto anterior, feita pelas professoras Quezia Vila Flor Furtado, Márcia Batista da Fonseca e Luana Carla Santana Ribeiro.
Confira abaixo:
Resposta ao texto “O Decálogo dos Cristãos na Política: Contribuições para as Eleições de 2020”
Este texto representa as reflexões e inquietações de alguns cristãos evangélicos, partindo do pressuposto de que somos parte do corpo de Cristo, guiados por princípios de honestidade, transparência, respeito e, sobretudo, de amor uns para com os outros. Não se pretende gerar conflitos, entretanto, a leitura atenta do “Decálogo dos Cristãos na Política: Contribuições para as Eleições de 2020” provoca algumas reflexões, e esta via aparenta ser tão democrática quanto a forma como o texto fora disponibilizado.
Destaque-se que é louvável a iniciativa de se construir uma base para a discussão sobre a participação política individual e coletiva dos cristãos. Segundo o quinto princípio Batista, “a mordomia cristã da vida inclui tais responsabilidades como o voto, o pagamento de impostos e o apoio à legislação digna”. Trazer instrução com princípios para que a igreja reflita sobre a escolha dos candidatos é boa influência.
Seguem, portanto, reflexões de alguns pontos do Decálogo:
1. “…o cristão, quer seja membro ou líder de uma igreja, não é um cidadão de segunda categoria e tem o direito constitucional de se envolver na política, votando, pedindo voto, influenciando e sendo votado”.
Considerações: Não existe problema no cristão exercer sua autonomia via voto, pelo contrário, é algo absolutamente pertinente, já que o cristão faz parte da vida social. O problema apresenta-se pela indução de voto, quando a orientação por determinados candidatos vem dos líderes da igreja. Esta indução pode gerar grande desconforto, supondo-se, por exemplo, a situação em que estes candidatos sejam incoerentes com seus discursos. Além disso, pode representar uma consequência muito nociva, pois serve de gatilho para outras dissensões, relacionamentos quebrados e divisões na igreja, e o líder religioso não pode se omitir a isso, nem muito menos ser motivo de escândalo para a sua Comunidade. Não há legitimidade bíblica em um líder cristão conduzir e conclamar pessoas a votarem em determinado candidato. Ao se posicionar de forma político-partidária, o representante líder de uma igreja estabelece o descompasso entre pautas partidárias e princípios cristãos e, ao se aliar partidariamente, se compromete às pautas do partido e pode subjugar o evangelho aos seus princípios. Posicionar-se politicamente é um bem de direito cidadão, mas quando um líder da igreja revela seus candidatos, especialmente dentro da organização política brasileira, assume a pauta do partido! Se um líder cristão quer instruir os membros da igreja a aprenderem exercer a cidadania pela luz do evangelho, apresente princípios e não candidatos. Há uma verdadeira indissociabilidade entre o indivíduo e a pessoa pública de um líder cristão. No momento em que um pastor expõe sua decisão de voto ou apoio político, ele exerce uma influência direta sobre seus liderados, esta influência pode impedir que as pessoas pensem e reflitam, assumindo a responsabilidade de suas escolhas individuais. Biblicamente, há uma relação de obediência entre os pastores e os membros da igreja. Em Hebreus 13: 17 está escrito, “obedeçam aos seus líderes e submetam-se à autoridade deles”. Além disso, o pastor é a figura do exemplo, em I Pedro 5: 3 encontra-se que os pastores sirvam de exemplo para o rebanho.
2. “Após a Revolução Francesa e em todo o avanço da modernidade, tem havido uma contínua tentativa de se tirar Deus e os assuntos da moralidade religiosa cristã dos debates públicos”.
Considerações: Jesus Cristo concedeu o livre arbítrio ao ser humano para que este possa optar pelo caminho ao qual deve seguir, entretanto, em vários pontos de suas orientações, ele deixa aos cristãos qual a função mor dos cristãos na terra. Em Mateus 6:33, Jesus nos dá uma instrução de que devemos buscar “em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas as outras coisas vos serão acrescentadas”. Jesus Cristo orienta a não nos preocuparmos com as “ansiedades da vida” (Lucas 21: 34). E vai muito além disso, quando sobre os reinos, governos e principados, Jesus explicou que o reino Dele não é deste mundo, em João 18:36, e que os reinos deste mundo pertencem ao maligno. Logo, o envolvimento na luta sobre a quem pertence estes reinos não é prioridade para o cristão. “Dai a Cesar o que é de Cesar”, em Mateus 22: 21 revela-se um Cristo que se posicionou para além de questões político-partidárias. Quando Cristo disse aos líderes religiosos judeus “quem não tiver pecado, atire a primeira pedra” (João 8: 7), os desafiou diante de suas indagações políticas do judaísmo e do poder romano a olhar o que seria de fato o Reino de Deus. A história da humanidade mostra onde a relação Estado e igreja nos levou, é preciso lembrar que a Reforma Protestante de 503 anos atrás nasce de um ato vil de corrupção, onde o poder econômico para a compra de um arcebispado demonstrou até que ponto a sinergia entre a igreja e o Estado era danosa para a vida moral e espiritual dos cristãos. O próprio Calvino, em seus textos originais mostra que são distintos os dois domínios, a Igreja não deve ocupar-se das funções do Estado nem o Estado das funções e prerrogativas da Igreja. É preciso que a aplicação dos princípios morais do cristianismo não sofra influência de visões pessoais justificadas a luz da palavra com objetivos espúrios.
3. “…nenhum candidato tem o selo da perfeição e da impecabilidade. Cuidado com os santarrões da política, os que estão sempre “certos”.
Considerações: Não há um partido sequer que agregue todos os princípios cristãos, todos os princípios do Evangelho de Cristo! O Evangelho não cabe em partidos ou ideologias humanas, mas os transcende. Todos os partidos, sem exceção, são falhos e limitados! São feitos por homens e entre os homens não há perfeição. Cristãos devem buscar viver o Evangelho de Cristo e não podem ser definidos ou ter a identidade estereotipada pela escolha política. A identidade do cristão define-se em Cristo Jesus, que nos regenerou para que vivamos para as boas obras, fundamentadas no amor a Deus e no amor ao próximo! E caso se envolva de forma partidária, como direito de todo cidadão e cidadã brasileiro/a, por questões éticas, é preciso refletir: será que é possível dissociar apenas mediante a fala a posição de líder cristão (representante do evangelho) e de político (representante partidário)? Será que ambas as funções se compactuam no seu exercício? Exercer, ambas as atividades, garante a lisura e especificidade que ambas necessitam?
5. “Entendemos que em nome do amor e da solidariedade cristã, e não em nome de discursos cheios de rancor e ódio que levam pessoas à luta de classes, o poder público deve cuidar daqueles que estão à margem da sociedade, enquanto não conseguem se manter dignamente”.
Considerações: O Cristianismo também defende com fervor a dignidade de toda vida humana. O sofrimento e exclusão social dos que clamam, os menos favorecidos socialmente, deve ser ouvido e assistido sem omissão. Do Antigo Testamento até o Novo Testamento, a Palavra de Deus nos ensina a buscarmos a justiça, para todos os homens, inclusive a justiça social. O profeta Amós
6. “Os cristãos não devem votar nem naqueles que idolatram a natureza. Os Cristãos devem desenvolver o meio ambiente para que sirva à humanidade e às suas necessidades, sem idolatrar a natureza, enquanto cuidam e preservam com prudência e amor a linda criação de Deus”.
Considerações: Na verdade, o homem desde os primórdios, foi deixado como espécie de administrador da natureza, em Gênesis esta relação é bem descrita do homem como sendo uma espécie de guardião fiel da natureza. E o porquê disso? Há uma relação intergeracional quando se pensa no meio ambiente. O que é feito no presente pode gerar consequências drásticas não para a geração atual, mas para as próximas. Há também um desequilíbrio econômico, onde as populações mais vulneráveis usam menos e repartem da mesma forma o custo do mal uso do meio ambiente, num processo conhecido como “injustiça ambiental”. Como seguir e atender ao mandamento de Jesus “amai ao teu próximo como a ti mesmo” sem resguardar condições ambientais necessárias para uma vida digna? A proteção ao meio ambiente, a terra, é um dever do cristão. Quem assim não entende deveria observar o livro da revelação sobre o fim, o Apocalipse, nele encontra-se a advertência: “Iraram-se, na verdade, as nações; então veio a tua ira, e o tempo de serem julgados os mortos, e o tempo de dares recompensa aos teus servos, os profetas, e aos santos, e aos que temem o teu nome, a pequenos e a grandes, e o tempo de destruíres os que destroem a terra.” Apocalipse 11: 18. Que os cristãos possam ficar atentos aos políticos e governos que não apoiam a preservação ambiental, entendendo esta ação como uma atitude cristã.
10. O Decálogo é encerrado com esta frase: “Que o Brasil comece a ser realmente transformado pelas bases, e os municípios são o principal palco para que isso aconteça”.
Considerações: Esperamos que as pessoas que se dizem cristãs no Brasil compreendam o que realmente importa à vida de um cristão. Qual o propósito de Cristo para nossa existência? “Há alguma motivação por estar em Cristo? Há alguma consolação que vem do amor? Há alguma comunhão no Espírito? Há alguma compaixão e afeição? Então completem minha alegria concordando sinceramente uns com os outros, amando-se mutuamente e trabalhando juntos com a mesma forma de pensar e um só propósito. Não sejam egoístas, nem tentem impressionar ninguém. Sejam humildes e considerem os outros mais importantes que vocês. Não procurem apenas os próprios interesses, mas preocupem-se também com os interesses alheios. Tenham a mesma atitude demonstrada por Cristo Jesus.” Filipenses
Para além dessas reflexões, ressalta-se a inaceitável instrumentalização da religião e dos espaços sagrados de culto a Deus para promoção de candidatos e partidarismos.
Se somos corpo! Se somos igreja! Vivamos como corpo e igreja!
Na graça e na paz do Senhor Jesus Cristo!
* Quezia Vila Flor Furtado – Pedagoga, Mestre e Doutora em Educação, Professora Universitária. Membro ativo de uma Igreja Batista de João Pessoa-PB, desde 2015.
** Márcia Batista da Fonseca – Economista, Mestre e Doutora em Economia, Professora Universitária. Membro ativo de uma Igreja Batista de João Pessoa-PB, desde 2012.
** Luana Carla Santana Ribeiro – Enfermeira, Mestre e Doutora em Enfermagem, Professora Universitária. Membro ativo de uma Igreja Batista de João Pessoa-PB, desde 2017.
Fonte: Blog do Suetoni Souto Maior
Créditos: Blog do Suetoni Souto Maior