Ex-governador da Paraíba e candidato à prefeitura de João Pessoa, Ricardo Coutinho, do PSB, vive à sombra de uma acusação de desvios de verba na área da Saúde apresentada pelo Ministério Público do estado. Desde o início da chamada Operação Calvário, Coutinho tem sido submetido a diversos constrangimentos, entre eles a decretação de prisão enquanto estava fora do País, determinação derrubada em menos de 24 horas pelos tribunais superiores em Brasília.
O pessebista sempre se declarou inocente e gasta a maior parte do seu tempo para denunciar o que considera uma perseguição política. “As acusações não são amparadas em prova alguma, a não ser em teses dos procuradores”, defendeu-se em entrevista a CartaCapital em julho último.
Agora, a poucos dias do primeiro turno, seus advogados afirmam ter encontrado provas de manipulação do inquérito. Uma perícia realizada a pedido da defesa descreve indícios de edição e o uso de declarações fora do contexto de trechos de conversas entre o empresário Daniel Gomes, que assinou um acordo de delação premiada, e o ex-governador.
Coutinho, segundo o Ministério Público, comandou um esquema de corrupção que teria desviado 134,2 milhões de reais de contratos superfaturados com a filial da Cruz Vermelha do Rio Grande do Sul, organização social que, insiste a denúncia, teria fraudado contratos obtidos na Paraíba e pagado propina mensal a integrantes do governo.
A organização criminosa desviaria dinheiro público por meio do sobrepreço de itens adquiridos pela Secretaria de Saúde e, posteriormente, da pasta de Educação, durante os dois mandatos de governador de Coutinho, de 2010 a 2018. A quadrilha teria continuado a operar na administração do sucessor, João Azevêdo, filiado ao Cidadania.
Os diálogos entre Gomes e Coutinho que embasaram a denúncia, sustentam os advogados, foram usados fora de contexto. Quando se analisa a conversa na íntegra, o sentido espúrio atribuído pelos procuradores à conversa perderia completamente o sentido.
A defesa reclama de cerceamento aos direitos do acusado e diz que a Justiça tem dificultado o acesso aos documentos anexados no processo. Apenas cinco dos sete áudios usados na ação teriam sido franqueados ao ex-governador. Até o momento, houve tempo de periciar apenas um deles.
Gomes encontrou-se com Coutinho em diversas ocasiões para tratar da gestão de unidades de Saúde no estado, entre elas o Hospital de Trauma de João Pessoa, o Hospital Geral de Mamanguape, no interior, e o Hospital Metropolitano Dom José Maria Pires (HMJMP), em Santa Rita, na região metropolitana.
Nesses encontros, o ex-conselheiro da Cruz Vermelha, preso na primeira fase da Calvário, portava um gravador oculto, parte do acordo de delação premiada fechado com o Ministério Público. A defesa ainda critica o método dos acordos com os delatores. Os alvos, Gomes e Livânia Farias, ex-secretária estadual de Administração, foram presos preventivamente e “pressionados a delatar” o ex-governador, ao estilo da Operação Lava Jato.
Um dos trechos veiculados como prova do esquema, relata a defesa, no qual Gomes e Coutinho negociariam uma propina de 10% dos recursos repassados ao HMJMP, teria sido totalmente distorcido. A conversa não trataria do sobrepreço na compra do material, mas do custo dos equipamentos que precisariam estar disponíveis até a inauguração do hospital, em abril de 2018.
No excerto apontado como criminoso, Gomes afirma: “Consigo trabalhar seguramente com 10%”. Coutinho pergunta: “Mas isso no começo ou no fim?” Gomes responde: “Posso fazer quando o senhor fizer a primeira entrada aqui, eu já consigo viabilizar parte, posso adiantar”.
Segundo a defesa, há uma “gigantesca diferença” entre a interpretação dos acusadores e o teor do diálogo analisado em sua íntegra. Na transcrição completa, o empresário acrescenta: “Eu só não consigo financiar os itens pequenos, mas os itens pequenos, governador, se eu tiver 3 milhões de reais, eu compro todos os pequenos. O resto todo eu consigo parcelar. Agora, quanto mais eu pagar à vista, eu consigo melhor preço, essa é a única vantagem”.
Segundo a perícia contratada, os 10% dizem respeito ao valor da entrada inicial para a aquisição de “itens pequenos” em relação ao total do montante investido na unidade. Se comprados à vista, o governo obteria desconto na operação. Seria esta a discussão.
Os advogados também apontam distorção em um trecho amplamente divulgado na mídia, no qual Coutinho afirmou: “Meu 13º já está certo”. Segundo os procuradores, a frase seria uma comemoração jocosa do então governador, animado em receber seu “próprio 13º”, fruto dos desvios. Quando se ouve a transcrição completa, diz a defesa com base na perícia, vê-se, porém, que se trata de uma menção à garantia de pagamento aos servidores públicos estaduais.
Como o salário extra dos funcionários estaria garantido e reservado no caixa, seria possível investir na construção do hospital ainda em 2017. Na transcrição fornecida pela defesa, Gomes afirma: “(É melhor) a gente não deixar para novembro e dezembro, que é sempre difícil, né?”, referindo-se ao dinheiro investido naquela época do ano. Coutinho então responde: “Não, ao contrário, é melhor que no início, porque o dinheiro tem mais, porque, por exemplo, o 13º eu guardo antes”. “O senhor paga no meio do ano, já tá pagando o 13º…”, diz o empresário. O governador emenda: “Meio do ano, é. O meu 13º já tá certo porque eu já fiz”.
Coutinho e outros oito denunciados na Operação Calvário tiveram os bens bloqueados por decisão judicial, em um total de 21,8 milhões de reais. Enquanto tenta provar a sua inocência, o ex-governador disputa uma vaga no segundo turno em João Pessoa, cidade que administrou em duas ocasiões. Segundo pesquisa Ibope de 22 de outubro, ele está em terceiro lugar, com 10%, em empate técnico com Nilvan Ferreira, do MDB, com 15%. Quem lidera é Cícero Lucena, do Progressistas, que soma 21%.
Procurado, o Ministério Público do estado não respondeu às perguntas encaminhadas pela CartaCapital até o fechamento da edição.
Fonte: Carta Capital
Créditos: Polêmica Paraíba