Por Aluisio Lundgren Correa Regis, Carlos Guilheme Pagiola e Miguel Pereira Neto.
O Sínodo do Cadáver e eventos relacionados ocorreram durante um período de instabilidade política na Itália, que durou de meados do século IX até meados do século X, foi marcado por uma rápida sucessão de 24 papas resultado das maquinações políticas de facções locais romanas, e refere-se ao julgamento post mortem do Papa Formoso (891 a 896, D.C).
Segundo os historiadores, ao que tudo indica o Sínodo do Cadáver teve motivações políticas envolvendo o Sacro Império Romano-Germânico .
Narra a história que o Papa Formoso foi sucedido por Bonifácio VI, que morreu semanas depois, e Estêvão VII foi coroado papa e, provavelmente em torno de janeiro de 897, ordenou que o cadáver do Papa Formoso fosse removido de seu túmulo e levado para a corte papal, para julgamento, acusado de transmigração em violação do direito canônico, de falso testemunho, e de servir como um bispo, enquanto na verdade, um leigo.
Segundo as escassas fontes históricas, o Papa Estêvão teria despojado o cadáver de suas vestes papais, cortado seus três dedos da mão direita, usados para bênçãos, e declarado todos os seus atos e ordenações inválidas. O corpo, após a vil profanação, foi finalmente sepultado em um cemitério para estrangeiros, apenas para ser desenterrado mais uma vez, ligado a pesos, e lançado no rio Tibre.
O espetáculo macabro fez a opinião pública em Roma voltar-se contra o Papa Estêvão VII, o que o levou a ser deposto e encarcerado, e terminou sendo estrangulado.
O Papa Teodoro II (897), visando a reparar esse vilipêndio à memória do Papa Formoso, convocou um novo sínodo, que anulou o Sínodo do Cadáver, reabilitou o Papa Formoso, e ordenou que seu corpo, que havia sido recuperado do Tibre, fosse enterrado na Basílica de São Pedro em paramentos pontifícios.
Na mesma linha, o Papa João IX (898-900) também anulou o Sínodo do Cadáver, e convocou dois sínodos (um em Ravena e outro em Roma), que confirmaram as conclusões do Sínodo de Teodoro II, ordenando que a acta do Sínodo do Cadáver fosse destruída, e proibindo qualquer julgamento futuro de pessoas mortas.
O Papa Sérgio III (904-911), nada obstante, nessas idas e vindas da justiça eclesiástica, e que havia funcionado como bispo no Sínodo do Cadáver, como um co-juiz, anulou as decisões de Teodoro II e João IX, reafirmando a condenação do Papa Formoso, e determinando inclusão de um elogioso epitáfio inscrito no túmulo de Estêvão VII.
Feita a leitura histórica dos fatos, não há como não fazer um paralelo da Lava Jato com o Sínodo do Cadáver: o ambiente político conturbado; a invasão dos sagrados ambientes eclesiásticos e judiciais, pelas disputas políticas; a tentativa de desconstrução de papados ou de mandatos políticos anteriores por intermédio de falsos julgamentos em que o resultado já estava previamente definido antes mesmo de seu início e até a obsessão pelos dedos dos acusados.
Assim como o Papa Formoso, não há a menor dúvida de que o ex-Presidente Lula terá um lugar de destaque na História, que sempre contará a farsa da sua prisão na agora declarada ilegal masmorra de Curitiba, como um fato a infamar mais a seus julgadores que a si mesmo.
Também em descompasso com a nossa Constituição Federal, que determina o absoluto respeito à dignidade a pessoa humana, causa repulsa a forma como alguns membros da ex-Força-Tarefa da Lava Jato se refiram ao sempre humilde, nobre e digno ex-Presidente.
Essa obrigação de absoluto respeito aos acusados vem desde o Direito Romano, de quem herdamos a tradição jurídica, e vem expressa no seguinte brocardo: “reo res sacra”.
Por outro lado, em que pese atualmente estarem na berlinda os comportamentos poucos edificantes do ex-Juiz Sérgio Moro e do Procurador Deltan Dallagnol, causando indignação na opinião pública, pela farsa judicial que promoveram e, mais ainda, por permitirem que o propósito político e plano de poder invadissem o sagrado ambiente judicial, o que merece total repúdio das pessoas com maior formação humanística, pode ser que encontrem apoiadores em certo momento futuro da história, assim como o Papa Estevão VII.
Nada obstante, assim como a Igreja Católica tirou lições do dantesco episódio, proibindo o julgamento de pessoas mortas, espera-se que o Poder Judiciário reafirme providências para impedir farsas judiciais, enterrando moralmente as pessoas quando ainda vivas, sendo urgente a implantação do juízo de garantias.
Há necessidade de se reconhecer e condenar a farsa, a gravíssima violência aos princípios fundamentais, à liberdade, à dignidade da pessoa humana, para que sirva como exemplo e não volte mais a ocorrer. Afinal, como dizia Rui Barbosa, que nos faz lembrar de qualquer julgamento injusto: “O que hoje semeais, colhereis amanhã. Semeais opressão, sereis oprimidos. Semeais o engano, sereis espoliados. Posso perdoar, e tenho perdoado aos (…) que perseguem. Mas, nunca perdoarei as opiniões perseguidoras. Porque os homens passam, e as opiniões duram, os homens perecem, e as opiniões germinam. Onipotentes na política de um dia, os perseguidores se submergem na do outro. Mas as doutrinas perseguidoras sobrevivem à política que as gerou, para perseguir amanhã nas mãos da política hoje perseguida”.
Fonte: Opinião
Créditos: Por Aluisio Lundgren Correa Regis, Carlos Guilheme Pagiola e Miguel Pereira Neto