Museu da Rapadura, entre as atrações da região Foto: Eduardo Vessoni
A bebida evoluiu bastante nos últimos tempos. “Até os anos 90, era como tomar um gato com as unhas de fora”, lembra Múcio Fernandes, presidente da Aspeca. A cachaça paraibana tem menos acidez que a de outras regiões brasileiras, o que favorece a percepção de sabores e aromas. Outra característica é a fermentação caipira, que aproveita as leveduras selvagens presentes, naturalmente, na cana. No copo, isso significa cachaças de aromas mais frutados, com notas de mel e ausência daquela sensação de queimação, que pode ser reforçada pela acidez.
Rótulos antigos de cachaça: acervo do Museu da Rapadura Foto: Eduardo Vessoni
A 130 quilômetros da capital paraibana, aproximadamente, Areia tem conjunto histórico e urbanístico dos séculos 18 e 19 tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que convidam a voltar aos tempos em que os engenhos de cana-de-açúcar eram movidos pela força de escravos africanos. Tudo está bem explicado no Museu da Rapadura, que o Centro de Ciências Agrárias da UFPB mantém em um casarão de 1870 do antigo engenho da Várzea. Além de peças que mostram a evolução do maquinário usado na produção da cachaça, o espaço reproduz cômodos da época e abriga uma coleção com mais de 300 garrafas de cachaças de diferentes partes do Brasil.
As visitas aos engenhos da região são bem-vindas e não precisam ser agendadas, podendo ser feitas de forma individual, com o acompanhamento de guias particulares ou em saídas do tipo bate e volta de João Pessoa, comercializadas por agências que atuam nos hotéis da capital. E incluem provas.
Nem todos os engenhos têm boa estrutura para receber visitantes. No entanto, a gente hospitaleira local sempre faz questão de abrir as portas para mostrar como se faz cachaça na Paraíba, onde a melhor experiência ainda são as conversas informais aos pés de cenográficos barris de madeira sob luz mais baixa.
As terras serranas de clima suave, que já atraíram tropeiros que iam do sertão ao litoral paraibano, no final do século 17, são lugar para passar, ao menos uma noite. No Hotel Triunfo, cada um dos 30 apartamentos sobre uma colina de Areia tem nomes que homenageiam antigos engenhos da região e amenities como o sabonete de fabricação própria, com bagaço de cana.
Paladar visitou três engenhos paraibanos que estão abertos ao público e fazem boas bebidas que também podem ser encontradas em São Paulo. Confira abaixo.
Engenho Triunfo
Um dos espaços com melhor infraestrutura de visita em todo o Brejo, o Engenho Triunfo é novo, fundado em 1994. Fruto do sonho de um casal que largou tudo (ela, ex-professora do Ensino Médio e ele, um produtor de bananas) para se dedicar à bebida. Antônio Augusto e Maria Júlia Baracho tinham tudo para dar errado no novo ramo (e chegaram inclusive a produzir cachaças intragáveis no início da empreitada). Ele ia testando as novas possibilidades com as máquinas que adquiria e ela provava.
Maria Júlia Baracho, à frente do Engenho Triunfo Foto: Eduardo Vessoni
O engenho produz 250 mil garrafas mensais de dois tipos de cachaça: a branca (armazenada em recipientes de polietileno) e as envelhecidas, que passam nove meses em barris de madeiras brasileiras como umburana, carvalho, jequitibá-rosa e canela.
A visita segue os padrões dos engenhos da região, com passagem pelas diferentes etapas de produção da bebida, da moagem ao engarrafamento, mas paraibano não sabe receber sem montar uma mesa farta para quem acaba de chegar. Por isso, é em um jardim colorido que os visitantes são recebidos com sucos, frutas, doses da bebida produzida no local e sorvete de… cachaça. cachacatriunfo.com.br
Engenho Vaca Brava, Matuta
No Engenho Vaca Brava, que faz a Matuta, a sexta geração de produtores segue trabalho intenso durante a safra, que costuma ir de agosto a fevereiro. Localizada em Areia, a empresa mói 180 toneladas de cana por dia e produz cerca de 3,5 milhões de litros por ano, seguindo o mesmo processo da época do bisavô de Gustavo Azevedo Leal Freire, gerente de produção. Ainda assim a empresa investe em inovação no maquinário e na apresentação. A Matuta é a primeira cachaça de alambique embalada em lata. O engenho produz a cachaça a cristal (armazenada por um ano em inox) e a umburana (descansada na madeira).
De sabor persistente e toques discretos de madeira, a Matuta tem como particularidade a colheita manual da cana-de-açúcar ainda verde e prioridade aos pequenos produtores. Atualmente, 95% da matéria-prima é proveniente de 46 pequenos produtores de cidades como Areia, Guarabira e Alagoa Grande. cachacamatuta.com.br
Gustavo Azevedo Leal Freire: gerente de produção do Engenho Vaca Brava Foto: Eduardo Vessoni
Engenho Lagoa Verde, Volúpia
Em Alagoa Grande, pertinho de Areia, o Engenho Lagoa Verde produz a premiada Volúpia. Ela foi a primeira cachaça brasileira comercializada em garrafas de porcelana. “Essa foi a solução para atrair as pessoas que tinham receio de tomar a cachaça em lugares públicos. Antigamente, a elite não consumia cachaça”, conta a supervisora Maria José.
Em uma área de 200 mil hectares, de onde sai toda a cana orgânica que dá origem aos 200 mil litros anuais da bebida, esse engenho cenográfico é lugar para passar o dia, nas redes coloridas que ficam nas varandas do restaurante Banguê, na propriedade.
Volúpia, rótulo do Engenho Lagoa Verde, da Paraíba Foto: Eduardo Vessoni
Por onde a vista alcança há cachaças, da sala envidraçada com tonéis, coquetéis que misturam a bebidas e frutas variadas aos pratos servidos em longas mesas de madeira, como o pernil de carneiro na cachaça branca (R$ 79 para até quatro pessoas, acompanhado de feijão-de-corda, macaxeira cozida, arroz e farofa).
Do engenho saem a Volúpia, que repousa em barris de freijó por um ano e a cachaça envelhecida por quatro anos em barris de carvalho. Além deles, o engenho faz também fruta frozen, coquetéis com baixo teor alcoólico (18%). cachacavolupia.com.br
Fonte: Estadão
Créditos: Estadão