José Maranhão, o legado do “mestre de obras” da Paraíba
Na dimensão existencial humana, quando a perda é grande, o silêncio talvez seja a expressão mais eloquente, uma vez que o verdadeiro sentimento dificilmente pode ser traduzido em palavras. Hoje pela manhã (08/02/2021), assisti em uma emissora local (João Pessoa-PB) um resumo biográfico protocolar, quase anêmico em capturar e, ainda mais, em traduzir a grandeza humana e política de um homem com mais de 70 anos dedicados à vida pública: José Targino Maranhão, que completou seu ciclo entre nós, marcado pela coerência, sem nenhuma mácula ética, com inquebrantável espírito público e, acima de tudo, tendo como foco central as pessoas mais vulneráveis, para quem trabalhou com disposição física e mental de fazer inveja aos mais moços que o auxiliaram em suas passagens, principalmente, enquanto chefe do Executivo paraibano.
Conheci Maranhão no final da década de 1990, quando integrava a Coordenação de Transposição do Rio São Francisco (Secretaria Especial de Políticas Regionais – SEPRE – Brasília-DF) e ele, reeleito, iniciava seu segundo mandato como governador da Paraíba (1998-2002). O Brasil se encontrava em pleno debate sobre se a Transposição deveria ou não ser realizada e Maranhão, defensor ardoroso da obra, preparava um depoimento a ser dado no Senado Federal sobre a importância do empreendimento para a Paraíba. Fui designado para repassar ao governador as informações de que ele precisava para montar seu pronunciamento.
Ao contrário do que esperava em termos de informações que seriam demandadas por alguém com a política como exercício de vida, a maior parte da conversa fluiu em torno de detalhes técnicos da obra, naquele ínterim, em fase de elaboração de projeto. Maranhão queria saber tudo sobre equipamentos, motores, modos de funcionamento, etc. Só vim a compreender bem aquele tipo de interesse, diga-se de passagem, incomum aos políticos comuns, quando, no final da conversa, ele me falou de sua paixão pela aviação, pela mecânica de funcionamento das máquinas, por questões de aerodinâmica, regidas pelas mesmas leis físicas presentes na hidrodinâmica empregada no transporte da água sanfranciscana para a nossa Paraíba.
Cerca de 15 dias após aquele primeiro encontro, recebi outra ligação do governador Maranhão, desta vez para uma conversa no escritório de representação do Estado em Brasília. Naquele segundo encontro, ele me convidaria para assumir a Secretaria Extraordinária de Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Minerais, um órgão da administração direta, criado pouco mais de ano antes, com o objetivo nada modesto de resolver o problema hídrico da Paraíba. Pedi-lhe alguns dias para pensar, consultar a família, dentre outras desculpas usadas quando se é pego de surpresa. A família se dividiu e o principal argumento em contrário advinha de um primo que ocupara um cargo público em área administrativa similar, cerca de uma década antes, e que pedira exoneração, escandalizado com o que ocorria no seio da administração pública. Em mim, venceu a vontade de aproveitar a oportunidade de colocar em prática o que acumulara de conhecimento em Engenharia até ali, além da aprovação de outros familiares mais próximos.
Não demorou para que eu percebesse a seriedade e a extrema disposição de trabalho de José Maranhão. Assim como ocorrera no nosso primeiro contato envolvendo a Transposição do São Francisco, Maranhão discutiu cada detalhe de um plano que, em suas palavras “transformaria os recursos oriundos das privatizações não em pó, mas sim em água”. Nasceria então o “Plano das Águas”. Em sua habilidade política singular, o governador soube multiplicar os pães (recursos das privatizações, sanha neoliberal imposta pelo o governo FHC), convertendo-os, quando possível, em recursos de contrapartida, oferecendo com a outra mão, projetos de engenharia tecnicamente inatacáveis, que anulavam qualquer argumento procrastinador, eventualmente usado nas esferas federais para atrasar repasses.
Na fase de execução das obras previstas no Plano das Águas, não era nada raro que ele me ligasse na madrugada, para perguntar sobre o andamento de determinada adutora, barragem ou projeto de irrigação. Muitas foram as ocasiões em que, se desculpando por ser notívago, aproveitava para saber, madrugada adentro, o que não cabia durante o dia. Muitas dessas conversas telefônicas, transcorridas às 2 ou 3 horas da manhã, terminavam em compromisso de tomar o avião do Estado às 6:00 horas para visitar in loco os empreendimentos. Isso, para não falar nos finais de semana, para ele, sempre achei, indistinguíveis das segundas-feiras.
Os resultados daquele primeiro ciclo do governo Maranhão, findo em 2002, ainda que nos restringíssemos apenas à área de Recursos Hídricos não caberiam aqui. Entretanto, mesmo sob o risco da prolixidade, como antídoto à mesquinhez anêmica – proposital ou desinformada – do que vi na acima referida emissora (outras emissoras se esforçaram para fazerem jus à magnitude do personagem que partiu), resumo alguns segmentos do Plano das Águas:
Barragens:
• A açudagem pública no Nordeste e na Paraíba foi iniciada na primeira década do século XX.
• No Plano das Águas de Zé Maranhão, apenas as barragens de maior porte representaram um acréscimo de 30% em relação a tudo o que foi feito em termos de barragens estaduais ao longo do século XX.
• Foram 14 grandes barragens contempladas, além de dezenas de pequenos açudes executados diretamente ou em parceria com as prefeituras.
• São barragens para múltiplos usos. As águas servem ao abastecimento público, irrigação, piscicultura, carcinicultura (criação de camarão) e uso industrial.
• Mais de 2,5 milhões de paraibanos beneficiados direta ou indiretamente em barragens espalhadas em todas as regiões do Estado.
• Investimento total atualizado: 678,7 milhões de Reais.
Projetos de Irrigação:
• Considerando apenas os projetos de maior porte foram cerca de 8.500 hectares contemplados;
• Os principais projetos estruturantes foram: Várzeas de Sousa (5.100 hectares), Piancó I (524 hectares), Piancó II (1.000 hectares), Piancó III (1.000 hectares) e Lagoa do Arroz (1.000 hectares);
• Potencial de empregos gerados: 25.500 empregos (diretos e indiretos);
• Produção: em termos de fruticultura, potencial médio anual da ordem de 425 mil toneladas/ano.
Investimento total atualizado: 354,2 milhões de Reais.
Sistemas Adutores:
• Entre sistemas adutores construídos ou deixados em execução no governo Zé Maranhão, foram mais de 1.200 km de adutoras;
• Se esses tubos fossem colocados ao lado da BR 230, seriam suficientes para interligar João Pessoa a Cajazeiras indo e voltando;
• Nunca na Paraíba foram construídos sistemas de adução de água tão longos, verdadeiras transposições de bacias, levando para as cidades a água dos grandes açudes, aqueles com maior capacidade de fornecimento;
• Por serem sistemas longos, foi empregada tecnologia de ponta para ligar e desligar as várias estações de bombeamento que possibilitam que a água chegue até os centros urbanos. Isso é feito com computadores e ondas de rádio (eletromagnéticas);
• Com essa garantia de atendimento, nunca na Paraíba foram adotadas soluções de abastecimento definitivas como os grandes sistemas adutores construídos no governo Zé Maranhão. Paliativos indignos e desumanos foram sepultados no governo de Zé;
• Sistemas adutores como Cariri e Congo, além de abastecerem as cidades, dispõem de chafarizes para atendimento de comunidades rurais com água tratada;
• O programa de adutoras, em parte realizado em parceria com o Banco Mundial, recebeu por diversas vezes o reconhecimento daquela instituição que chegou a citar a Paraíba como exemplo de boa gestão de água e modelo para outros Estados nordestinos;
• Dados da Organização Mundial da Saúde mostram que para cada 1 real investido em saneamento são economizados 5 reais em saúde pública. Assim, a economia propiciada pelo programa de adutoras de Zé foi da ordem de mais de 2 bilhões de reais, e o que é mais importante, foram poupadas vidas humanas, com redução da mortalidade infantil, e diminuição do número de internações hospitalares por doenças provocadas por água de baixa qualidade, como a de cisternas e barreiros.
• Ao todo, foi diretamente beneficiada uma população de 853 mil pessoas.
• Investimento total atualizado: 798,11 milhões de Reais.
Entre os anos de 2003 e 2009, período em que retornei à equipe de Coordenação da Transposição do Rio São Francisco (no Governo Lula, alocado na Vice-Presidência da República – VPR) seguimos mantendo estreito contato, ele sempre a defender a implementação do projeto e sempre em busca de informações aprofundadas, ao tempo em que proferia discursos contundentes pela interligação do Velho Chico com o nordeste setentrional. Maranhão fora eleito senador com expressiva votação, até ali a maior da história da Paraíba.
Em 2009, José Maranhão reassumiu o governo da Paraíba para uma terceira gestão de apenas um ano e nove meses (fevereiro de 2009 a dezembro de 2010). O longo e demorado processo de cassação do governo anterior deixou como consequência uma quase completa paralisia da máquina administrativa, obstáculo inicial que o novo governador enfrentou com toda a sua energia. Assim, em tão exíguo período administrativo, foi mais uma vez possível realizar intervenções estruturantes que impactarão por décadas o Estado da Paraíba. Atendendo a sua convocação, pedi exoneração da Chefia da Assessoria Técnica da VPR para acumular as Ssecretarias de Recursos Hídricos e de Infraestrutura, enquanto se formava o novo governo. Mais uma vez, nesse resgate do legado infraestrutural de José Maranhão, por falta de espaço, me restringirei apenas às realizações afetas à capital paraibana, incluindo ainda obras relevantes relacionadas ao período 1998-2010:
Saneamento:
• Adutora Translitorânea: Foi José Maranhão quem implantou 100% da tubulação da Adutora Translitorânea, além de deixar praticamente concluídas (em 2010) as estações elevatórias e a ampliação da Estação de Tratamento de Água de Gramame. A Translitonânea hoje garante o abastecimento de água da grande João Pessoa. Sem essa ação, João Pessoa estaria sem segurança hídrica, o que se evidenciou na grande seca de 1997-1999.
• PAC-Saneamento: Com o PAC-Saneamento o governo Maranhão aplicou recursos da ordem de R$226 milhões divididos em 24 projetos, dos quais 14 beneficiam a capital do Estado, dentre esses o esgotamento do bairro do Altiplano em João Pessoa (contrato firmado em outubro de 2010).
Turismo:
• Construção da PB-008: Além de ser importante obra de infraestrutura rodoviária, a PB-008 tem como forte viés turístico, pois interliga João Pessoa a todo o litoral sul, de praias paradisíacas.
• Desembargo ambiental do Pólo Ecoturístico do Cabo Branco: Tratava-se do resgate de um projeto com mais de 20 anos de existência, que não avançou em termos de implantação em decorrência de fatores das mais diversas naturezas. Ao assumir em fevereiro de 2009, Zé Maranhão identificou como entrave mais imediato para a implantação do projeto o embargo ambiental por parte do IBAMA. O embargo perdurava por cerca de duas décadas. Para a suspensão do embargo, remanesciam pendências relacionadas à infraestrutura na área de implantação do pólo, as quais foram priorizadas e acompanhadas até o seu pleno cumprimento na gestão finda em 2010.
• Centro de Convenções de João Pessoa: Foi o governo Maranhão que, em um mandato de apenas um ano e nove meses (fevereiro de 2009 a Dezembro de 2010) levantou o embargo do projeto do Centro de Convenções junto ao TCU e construiu cerca de um terço da obra.
Saúde:
• Hospital de Trauma Senador Humberto Lucena: Foi o governo Maranhão que, em João Pessoa, construiu o Hospital de Trauma Senador Humberto Lucena, equipamento cuja importância dispensa comentários.
Considerando apenas a última gestão de José Maranhão (2009-2010) como governador do Estado, foi realizada:
• Ampliação e Reforma do Hospital Clementino Fraga;
• Implantação do Sistema de Climatização do Hospital Clementino Fraga e Complexo Pediátrico Hospital Arlinda Marques;
• Reforma e Ampliação Setor Radioterapia Hospital Napoleão Laureano;
• Construção da Subestação abrigada de 600KVA no Hospital Edson Ramalho;
Infraestrutura de Transportes:
• Duplicação da BR-230: Foi o governo de José Maranhão que duplicou a BR-230 no trecho entre João Pessoa e Campina Grande incluindo o viaduto de Oitizeiro.
Tecnologia da Informação:
• Projeto Infovias: Maranhão deu início à implantação do projeto de integração, via fibra ótica, das cidades de João Pessoa e Campina Grande, com o fito de permitir fluxo de informações imensamente superior à internet convencional e possibilitar a transmissão de informações e imagens em tempo real.
Meio Ambiente:
Implantação e posterior recuperação do Jardim Botânico Benjamim Maranhão – JBBM: Inaugurado de 2002, o governo Maranhão cumpriu com todas as exigências infraestruturais e institucionais para a conversão da popularmente conhecida como Mata do Buraquinho, no Jardim Botânico de João Pessoa. Em fevereiro de 2009, ao iniciar-se seu novo período governamental na Paraíba, José Maranhão deparou-se com uma Unidade de Conservação fechada e praticamente abandonada, com suas instalações depredadas a ponto de torná-las inutilizáveis pelos novos gestores. Emergencialmente, a SUDEMA descentralizou recursos próprios para a SUPLAN realizar serviços de recuperação que permitissem o funcionamento administrativo do Jardim Botânico. Em setembro de 2010, em ato solene de assinatura de parcerias entre o JBBM e a Secretaria de Turismo e Desenvolvimento Econômico, o Jardim Botânico foi reaberto ao público. Havia a previsão de recursos oriundos do PRODETUR para a consecução dos trabalhos de melhorias, reformas e ampliação das instalações, visando um melhor aproveitamento desse importante patrimônio para o Setor de Turismo do Estado.
A partida de José Maranhão deixa um imenso vazio na política brasileira, pelo exemplo de homem público, trabalhador, de elevada estatura intelectual e, sobretudo, no campo pessoal. Sinto a perda de um amigo leal com quem muito aprendi e que me propiciou a oportunidade contribuir com suas realizações, dando efetividade direta à formação educacional que recebi da escola e da universidade públicas. Digo que sua partida foi precoce, pois, para quem o conhecia de perto, era visível a sua completa disposição para a vida e para o trabalho. Que o Mestre do Universo o receba em Sua Paz.
Francisco Jácome Sarmento, em 08/02/2021
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RELATÓRIO DE ATIVIDADES – GESTÃO 2009/2010
Fonte: Francisco Jácome Sarmento
Créditos: Francisco Jácome Sarmento