SOBRE O EVENTO
PENSE Vivemos um daqueles momentos da história em que pensar profundamente o presente é o único caminho para a construção de um futuro socialmente justo, democrático, sustentável e fraterno para todos. Estão em questão os destinos da Cidadania, da Sociedade, do Estado e de nossa Soberania. Para promover essa reflexão necessária, o Governo do Estado da Paraíba realizará o PENSE | CICLO DE DEBATES CONTEMPORÂNEOS DA PARAÍBA – 2017. De julho a dezembro, no Espaço Cultural, discutiremos temas como:
· Mídia, Poder e Cidadania
· A Nação sob incerteza: profundidades e sentidos da crise brasileira
· Justiça e Cidadania: extremos, riscos e desafios da crise brasileira
· A construção social da subcidadania
· Avanços e intervenções da Cidadania para o controle ético-democrático da Política
· Civilização e Barbárie: caminhos da resistência
· A invenção e a reinvenção necessária do Nordeste
· As veias abertas da América Latina
· Identidades, representação, conflito e convívio culturais
Depois do evento, vai haver Sarau, provavelmente no boteco Baiano dos Bancários, bem descrito na crônica abaixo:
https://www.facebook.com/luis.nassif/videos/10203113929244515/
Baiano dos Bancários
Ninguém consegue dizer com precisão a data, mas todos se lembram que o ponto final do ônibus no Bairro dos Bancários tinha uma energia diferente, um axé que não se explica, apenas se sente. Pois bem, neste lugar havia uma espécie de minimercado que claudicava na sua vocação assumindo ares às vezes de boteco e outras vezes de mercadinho. Só para nos localizarmos no tempo e no espaço, o referido estabelecimento comercial ficava ao lado de uma oficina eletrônica especializada em consertar rádios e afins, a famosa e sempre bem frequentada oficina do Jair. Estranhamente parece que todos os rádios do bairro começaram a dar defeitos e os confrades começaram a surgir de repente e em poucos sábados já havia a tradição de comprar a cachaça no mercado e bebericar na calçada, enquanto o rádio estava no conserto, era o seu proprietário que sempre ficava pronto primeiro. Assim surgia aqui em João Pessoa o primeiro estabelecimento etílico onde a clientela nasceu primeiro do quer o bar. Pois só em meados dos anos 1980, uma destemida mulher, sem parentes importantes e vinda do interior, chamada Socorro abriu o que viria a ser o famoso Bar do Baiano.
O Baiano estudava música na UFPB e morava nas imediações do Bar da Socorro e de tanto frequentar o bar, apesar do seu jeito meio rude, passou a frequentar também o coração dela e em pouco tempo já estavam casados e, em menos tempo ainda, o local passou a ser batizado de Bar do Baiano. Esta figura meio misteriosa, folclórica e peculiar que recebia a todos com alegria musical e atendia com desprezo teatral. Enquanto estava empunhando o seu quase tambor, um balde sonoro com o qual acompanhava qualquer instrumento de harmonia e alguém lhe pedia alguma bebida, ela respondia com a estupidez de uma criança que não quer soltar o brinquedo, “Vá buscar, se você quiser vá buscar.” Grandes músicos se reuniam todos os finais de semana, professores, alunos, artistas de todas as modalidades e os poetas errantes que encontraram ali uma espécie de trincheira cultural para seus saraus intermitentes. Grandes nomes das nossas artes já tiveram seu momento Bar do Baiano, Xangai já estampou sua incrível voz por lá, Maciel Melo também deu seus sonoros tons de caboclo sonhador, Toninho Ferragutti também puxou a sua sanfona lá no Baiano e tantos outros que se apresentaram naquela calçada com pretensões de palco mostraram talento em troca apenas de goles, aplausos e um bode guisado.
O Bar do Baiano tem a essência do tradicional boteco brasileiro que reúne, petiscos baratos, uma boa bebida, muita conversa e pouco compromisso. O atendimento nunca foi o forte do Baiano e os seus garçons até hoje parece que foram escolhidos num campeonato de má-criação. Certa vez alguém pediu uma taça de vinho para acompanhar um tira-gosto de bode e o garçom retrucou na hora, “aqui você não toma vinho com bode não, não harmoniza, bode só com cana.” Outro dia um freguês pediu ao mesmo garçom que fechasse a conta dele, então o garçom perguntou, “quantas cervejas você pediu?” E o cliente respondeu, “Eu pedi sessenta, mas só vieram duas.” Porém essa forma de tratamento não incomoda a clientela, muito pelo contrário, a diverte e dá um grau de intimidade maior até que a graduação alcoólica de algumas famosas cachaças da Paraíba. O cardápio não tem nenhum compromisso com a Bahia, nada de abará, caruru ou acarajé, são só petiscos da mais profunda “paraibanidade” como arrumadinho, fava, carne de sol, tripa, queijo coalho e bisteca de porco. A cerveja está sempre gelada e agora tem mais algumas opções de marcas, porém a carta de cachaças é reduzida, mas tem aquelas que contemplam o gosto médio do apreciador do derivado da gramínea.
O Baiano infelizmente já está no botequim celestial, certamente cobrando a mesma conta várias vezes, pois pra ele isso era o céu, e quando se deu a sua passagem o bar ficou um período fechado, mas os frequentadores contumazes como Bebé de Natércio e Hildeberto Barbosa continuaram frequentando ele mesmo fechado até convencerem Didi, o atual proprietário, a assumir o papel quase figurativo do dono do bar, pois os clientes se sentem tão donos que o dono só serve para abrir e fechar.
A democracia é total e irrestrita e desta maneira foi fundado o Bloco Violando a Madrugada, considerado por muitos o melhor carnaval da cidade, o bloco se concentra no Bar do Baiano todo ano para percorrer, ou não, o menor percurso de um bloco de arrasto do mundo, apenas “arrudiar” o bar. O Bloco foi uma criação coletiva, mas alguns desentendimentos marcaram sua trajetória, alguns integrantes divergiam quanto ao gênero musical a ser adotado pelo bloco, pois uma ala progressista defendia um ritmo mais baiano e a ala tradicional defendia o frevo que é pernambucano, até hoje ninguém sabe que venceu essa querela musical, mas o bloco continua encantando as madrugadas da nossa folia com muito talento, união e uma maldição. Segundo Bebé de Natércio e muitos frequentadores do bar, todos homenageados pelo bloco recebem um bilhete só de ida para brincar o próximo carnaval ao lado do Baiano, pois dos 15 personagens homenageados só restam 2 no nosso plano, o próprio Bebé e o Professor Hildeberto Barbosa Filho. É tanto que todos fogem da homenagem como o cachaceiro foge da água.
O Bar do baiano sofreu algumas transformações, agora exibe um telão onde o futebol ganhou espaço, mas continua sua vida cultural e etílica sem perder a sua mística, sua aura de espaço das artes continua brilhando em lançamentos de livros e discos. Talvez um dia o atendimento melhore, o garçom sorria, a conta venha certa e até Wi-fi seja disponibilizado, mas mesmo assim ele será sempre o bom e velho Bar do Baiano, o lugar onde o coração dos Bancários pulsa no compasso da alegria e da indiferença de classes.
Fonte: GGN