“Às vezes as crises de depressão eram tão fortes, que eu sentia muita angústia e não tinha nenhum motivo aparente, ela vinha e se instalava”.
“No início eu não sabia o que estava passando. Não estava bem com a separação dos meus pais e estava terminando o ensino médio, isso em 2004. Eu simplesmente me enchi dos meus problemas e me afoguei neles.”
Os depoimentos são de duas pessoas diferentes. Elas não se conhecem, mas viveram um drama muito parecido. Renata Maia, jornalista. Alcides, educador físico. Os dois tiveram depressão. Foram anos de sofrimento.
Para entender como tudo começou, voltemos no tempo.
Comecemos pela história de Renata. Natural de São Paulo, a menina teve uma infância tranquila até que a saúde da mãe dela piorou. O diagnóstico: Transtorno Afetivo Bipolar. Desde então, os dias se dividiam entre crises agudas de depressão e de euforia. Em um momento, a tristeza intensa e o silêncio. No outro, o impulso pelas compras. Ela comprava muito. Gastava tudo o que tinha.
O problema só piorou com o tempo e quando Renata era adolescente, perdeu a mãe, com 43 anos, para o suicídio. “Na época eu tinha dezessete anos e por ser muito apegada a minha mãe, a perda desencadeou muitas mudanças. Uma foi me mudar para João Pessoa onde estava toda a família do meu pai e passei a morar com uma tia. Não me sentia satisfeita com muitas coisas e uma delas era com meu corpo, e cheguei a ingerir sem prescrição médica, remédios para emagrecer”. declarou Renata.
Esse foi o estopim de uma vida marcada por altos e baixos. Renata também viria a descobrir que tinha Transtorno Afetivo Bipolar alguns anos mais tarde. Nas crises depressivas, a jornalista não saía de casa, tinha uma libido baixa, se sentia uma péssima mãe e chorava muito. De repente o humor virava, ela acelerava, produzia, escrevia, praticamente não dormia e a libido voltava. Renata vivia em guerra com ela mesma e não conseguia parar em um emprego.
Com Alcides a adolescência também parecia uma montanha-russa com sentimentos diversos e humor ora em alta, ora em queda livre. A separação dos pais abriu uma ferida na alma. Foi profundo. E doía mais porque ele não entendia. Ele só queria que aquilo parasse. “Por não ter conhecimento do que estava acontecendo eu tomei várias caixas de remédio e acabei tentando suicídio. Até então eu não sabia que já estava com depressão. Depois da tentativa do suicídio fui ao médico onde foi dado o diagnóstico da doença. Dei início a um acompanhamento psicológico. Foi difícil a aceitação.”
A depressão
As pessoas com maior probabilidade de desenvolver depressão são aquelas que possuem histórico de depressão na família, pessoas que têm dificuldades de se relacionar, vítimas de discriminação social, mulheres no pós-parto, usuários de álcool e de drogas.
Não é brincadeira ou frescura como alguns costumam dizer. Também não é uma simples tristeza. A depressão é um transtorno mental que exige tratamento, muitas vezes, medicamentoso. A doença não surge do nada. Ela dá sinais de que está se instalando. Os estágios da depressão passam pelo mau humor, desânimo contínuo e perda de interesse pela vida.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 300 milhões de pessoas no mundo sofrem com depressão. O Brasil é o país com maior número de pessoas com depressão da América Latina e o segundo das Américas: 5,8% da população é afetada pela doença. Nesse triste ranking, o perdemos apenas para os Estados Unidos, onde 9% da população está com depressão.
O último levantamento do IBGE por meio da pesquisa Nacional de Saúde (PNS), data de 2015. Na época, constatou-se que a depressão já atingia 133.500 paraibanos. Mulheres com mais de 18 anos eram maioria. Representaram 74% dos casos diagnosticados. O mapeamento mostrou que mais de 20% das pessoas com depressão apresentaram grau intenso ou muito intenso de limitações das atividades habituais.
Para a psicóloga Fernanda Secco, de maneira geral, “a sociedade ela está perdendo o ponto mais importante da vida, que é conhecer a sua essência cristalina e sua relação com o divino. Cada um vai entender o divino segundo suas crenças. No caso esse divino pode ser Deus, pode ser uma energia, pode ser um guia interno. São muitas as faces do divino. Mas, de maneira geral, as doenças aparecem como avisos de que algo está funcionando de maneira inadequada, mas não significa que não possa se tornar adequada no futuro. E que esse futuro pode ser breve. Assim como toca a campainha da nossa casa, nós nos dirigimos pra atender, não é?! Então a doença no nosso caso é a campainha do nosso corpo e a gente precisa atender pra ver quem é, e assim poder servir. Então os sintomas e os sinais são instrumentos que nos direcionam a reconhecer quem apareceu em nossa porta. Nesse caso nossa casa é nosso corpo”, conclui.
Tratamento alternativos
Há uma série de intervenções que podem ajudar no tratamento da depressão. Fernanda Secco lembra que “além da psicoterapia, muitas práticas e outras áreas poderão ser aliadas ao tratamento, e agregar no restabelecimento do equilíbrio de quem está acometido com a doença. Sobre as práticas para o corpo, é recomendado uma alimentação saudável, práticas de exercícios físicos regulares, qualidade no sono e atividades de lazer”. Há ainda a “acupuntura, auriculoterapia, aromaterapia, cromoterapia, homeopatia, medicina ayurvédica, terapias com barro. Todas essas podem ser aliadas ao processo psicoterapêutico e cada pessoa pode escolher o que melhor se identifica e o que vai atender sua necessidade.”.
“Depressão nunca é falta de Deus, nunca é preguiça, nunca é frescura. É uma doença.”
De acordo com a psicóloga tratar a mente também é essencial. “A mente também pode ser estimulada, e o que eu destaco é prática da veracidade, ser honesto, perdoar, evitar conversas desnecessárias, evitar companhias desfavoráveis ao seu crescimento pessoal, cultivar a simplicidade, religiosidade ou espiritualidade.
A reviravolta
Foi o caminho da espiritualidade que ajudou Renata e Alcides. Ela teve pensamentos suicidas inúmeras vezes. Ele também.
Ela faz terapia há dez anos e se polícia o tempo todo. Ele também.
Renata não queria terminar como a mãe e buscou forças na família e na fé para não se sabotar. “A fé é o essencial nos momentos críticos. A família tanto pode ajudar quanto atrapalhar, caso não consiga compreender o que se passa”.
Renata decidiu também ajudar outras pessoas e se encontrou nesse processo. Deixou de querer morrer para viver por um propósito. A jornalista tem feito vídeos falando sobre combate ao preconceito e lançou um livro, o “Minhas asas entre letras”. Em cada linha ela fala sobre o Transtorno Afetivo Bipolar, compartilha experiências e, por meio de suas histórias, procura ajudar outras pessoas.
Do livro, nasceu um grupo de apoio que se encontra quinzenalmente na Universidade Federal da Paraiba (UFPB), no Centro de Comunicação Turismo e Artes (CCTA), geralmente em alguma sala que esteja disponível. E ela faz questão de lembrar: “depressão nunca é falta de Deus, nunca é preguiça, nunca é frescura. É doença. Procure ajuda”.
O educador físico Alcides também deu a volta por cima depois uma tragédia familiar. Ele já se dedicava a pessoas que sofriam com depressão. Fez da prevenção um motivo para continuar lutando pela vida quando soube que o irmão havia tirado a própria vida. “Aconteceu que numa quinta-feira. Recebi uma ligação do meu irmão, me convidando para uma conversa. Porém não deu certo e acabamos remarcando para o sábado. Liguei para o meu irmão a manhã inteira, e ele não atendeu meus telefonemas. No fim da tarde recebi uma ligação feita do celular do meu irmão, onde meu primo informou que meu irmão havia se suicidado.
“Aquilo foi um ‘choque’ para toda minha família, principalmente para mim, que estava trabalhando com prevenção de suicídio.” Isso quase o fez entregar os pontos. Alcides se afastou da igreja que passou a frequentar, entrou em fase de negação da fé, mas entendeu que era preciso superar. “Um tempo depois, consegui compreender que tinha uma missão e tinha que passar por essa situação. Desde então comecei a me dedicar ao trabalho de prevenção, pois não quero que outras pessoas passem pelo mesmo que minha família e eu passamos”.
Desde 2012 ele participa de um projeto com estudantes, a maioria da área da saúde. “A gente trabalha mais com sobreviventes, mas, também avaliamos quem tem sintomas e trabalhamos a questão do cuidado com essa pessoa. Atualmente o projeto tem um espaço físico em Mandacaru, onde atendemos pessoas da comunidade”. No momento estão sendo feitos atendimentos a mais ou menos 30 pessoas, mas eles têm uma lista de espera com mais de 300 pessoas que querem ser atendidas pelo projeto.
O espaço está localizado na Rua João de Brito Moura, Alto Céu, em João Pessoa na Paraíba.
Alcides e Renata são sobreviventes também, fizeram do luto uma forma de luta contra o preconceito, contra a depressão e pela vida. São a prova de que é possível vencer a doença e reencontrar motivos para continuar de pé.
*A reportagem foi produzida como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Adriany Santos, no curso de Jornalismo da Faculdade Maurício de Nassau, no período de 2018.2. O texto original foi feito para o jornal impresso e adaptado para o online.
Fonte: Adriany Santos
Créditos: Adriany Santos