Foram 13 anos até que Michella Marys Pereira, ex-mulher do juiz Roberto Caldas, decidisse se separar e denunciar o marido pelas agressões que diz ter sofrido. O longo tempo de permanência em uma relação tóxica chamou a atenção de muita gente, mas, segundo especialistas, a dificuldade em romper a estrutura é mais frequente do que se imagina. Além do medo, outros fatores psicológicos podem estar em jogo, como dependência, baixa autoestima e sensação de desamparo.
Na semana passada, a revista “Veja” revelou que o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos (agora afastado do cargo) foi alvo de denúncia de sua ex-mulher por tê-la espancado e assediado funcionárias que trabalhavam para o casal. Caldas nega as acusações. Em entrevista ao GLOBO publicada ontem, Michella detalhou os episódios de violência e disse ter sido estuprada pelo marido, em noites em que tomava remédios pesados para dormir. Como resposta, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defendia Caldas, negou os espancamentos e disse que “isso está longe de qualquer definição de estupro”.
Ontem, Kakay anunciou ter deixado a defesa do “amigo”, a quem teria ajudado em uma situação emergencial, em uma área que não atua, o direito de família.
A submissão de Michella a uma história como essa durante tantos anos, na opinião da psicanalista Sônia Bromberger, da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio, tem raízes profundas:
— Há aspectos da personalidade como um ego que não é suficientemente consistente para se dar conta da situação e acaba se recusando a sair. É algo que não depende do nível de instrução, da classe social. Dentro do espectro da dependência, a pessoa se vê precária e desmunida de qualquer coisa. Ela tem uma fantasia de que será desapropriada de tudo, dos filhos, dos bens. É uma fantasia absoluta de submissão, como se fosse uma criança que não tem autonomia sobre nada.
GUARDA DOS FILHOS
O medo de perder os filhos foi um dos principais motivos apontados por Michella para evitar a separação. No entanto, a advogada e mediadora Samantha Pelajo, presidente da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB-RJ, destaca que a situação conjugal e a relação com os filhos são campos analisados separadamente pela Justiça, seja considerando a ótica da agredida ou do agressor.
— O juiz vai se pautar em uma perícia técnica, que leva em conta um estudo social e psicológico. Normalmente se separa a conjugalidade da parentalidade. O fato de a relação conjugal não ter sido funcional, e em alguma medida ter sido tóxica, não quer dizer que a relação de parentalidade também vá ser ruim. Se o relacionamento entre marido e mulher foi ruim, mas entre pais e filhos é saudável, não vejo como o juiz misturar as coisas.
Fora os filhos, a dependência emocional e até mesmo financeira reforça a manutenção de um vínculo. Aline Silveira, uma das criadoras do aplicativo Mete a Colher — que tem o propósito de auxiliar mulheres que sofrem violência doméstica —, destaca que é muito frequente o contato de vítimas que têm consciência de que estão em um relacionamento abusivo, mas não conseguem sair dele.
— Há tanto casos de mulheres que terminam e voltam com o agressor, quanto aqueles dos quais elas não conseguem sair por conta de dependência financeira. Mas os mais comuns são casos nos quais há uma dependência emocional muito forte. E a nossa sociedade diz que é melhor estar mal acompanhada que só. As mulheres se sentem muito julgadas. Quando ela fica na relação, ela é culpada. Quando sai, também é culpada porque está abandonando a família.
Fonte: O Globo
Créditos: PAULA FERREIRA