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CABRA MARCADO PARA MORRER: A poesia trágica é lembrada após morte de trabalhadores do MST em Alhandra

A obra reativa permanece atemporal quando parece  narrar eventos ocorridos na atualidade.

 

Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira. Poeta, escritor, tradutor e teatrólogo, Gullar, é considerado um dos maiores autores brasileiros do século 20 e um dos fundadores do neoconcretismo, movimento artístico que propunha uma reação ao concretismo ortodoxo.

Ferreira Gullar nasceu em São Luiz do Maranhão, em 1930, publicou seu primeiro livro, “Um Pouco Acima do Chão”, em 1949. Com o golpe militar, em 1964, foi preso e exilado — passou por Moscou, Santiago, Lima e Buenos Aires, só retornando ao Brasil em 1977. Durante o exilio na Argentina, escreveu sua magnum opus, o “Poema Sujo”, um longo poema, com quase 100 páginas, que foi traduzido em 25 países. “Sentia-me dentro de um cerco que se fechava. Decidi, então, escrever um poema que fosse o meu testemunho final, antes que me calassem para sempre”, escreveu o poeta.

A obra reativa permanece atemporal quando parece  narrar eventos ocorridos na atualidade. É o caso de Cabra Marcado para Morrer, que narra a vida de João Boa Morte, cujo nome atesta que já que o personagem não teve uma “boa vida”, poderia ao menos ter uma coisa boa no final da vida.

O assassinato de dois integrantes do MST José Bernardo da Silva e Rodrigo Celestino,  na noite deste sábado (08) por volta das 19h. Os dois eram militantes do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Sem Terra (MST) da Paraíba e estavam no acampamento Dom José Maria Pires, localizado no município de Alhandra, quando um grupo de 4 homens armados entraram na área e atiraram neles enquanto jantavam.  A poesia tem sido lembrada juntamente com a tragédia.

 

João Boa Morte
Cabra Marcado para Morrer

 Essa guerra do Nordeste

não mata quem é doutor.

Não mata dono de engenho,

só mata cabra da peste,

só mata o trabalhador.

O dono de engenho engorda,

vira logo senador.

Não faz um ano que os homens

que trabalham na fazenda

do Coronel Benedito

tiveram com ele atrito

devido ao preço da venda.

O preço do ano passado

já era baixo e no entanto

o coronel não quis dar

o novo preço ajustado.

João e seus companheiros

não gostaram da proeza:

se o novo preço não dava

para garantir a mesa,

aceitar preço mais baixo

já era muita fraqueza.

“Não vamos voltar atrás.

Precisamos de dinheiro.

Se o coronel não quer dar mais,

vendemos nosso produto

para outro fazendeiro.”

Com o coronel foram ter.

Mas quando comunicaram

que a outro iam vender

o cereal que plantaram,

o coronel respondeu:

“Ainda está pra nascer

um cabra pra fazer isso.

Aquele que se atrever

pode rezar, vai morrer,

vai tomar chá de sumiço”.

Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Polêmica Paraíba