ação civil pública

Após tentativa de conciliação, MPF prossegue com ação judicial em favor da comunidade tradicional do Porto do Capim

Órgão juntou documentos adicionais à ação prévia ajuizada em agosto do ano passado.

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública com pedido de liminar na qual requer a manutenção de medida já concedida pela Justiça Federal, para que cesse toda e qualquer atividade decorrente das obras do Parque Ecológico Sanhauá na área onde está situada a comunidade tradicional ribeirinha do Porto do Capim, incluída a Vila Nassau, no Centro Histórico da capital da Paraíba. A paralisação das obras foi determinada no ano passado, a pedido do Ministério Público, como medida de proteção de urgência antecipada requerida em caráter antecedente (antes de propor ação com pedido principal), medida prevista no Artigo 303 do Novo Código de Processo Civil.

Na ação ajuizada contra a Prefeitura de João Pessoa e a União, além de pedir a confirmação da medida judicial que paralisou as obras do Parque Sanhauá no território da comunidade tradicional ribeirinha, o MPF agora requer o estabelecimento de multa diária de R$ 50 mil, caso a prefeitura da capital descumpra determinação judicial favorável à comunidade do Porto do Capim.

Outra medida requerida em caráter liminar é a entrega de Termos de Autorização de Uso Sustentável (Taus) em favor das famílias residentes na comunidade tradicional, tomando como parâmetro estudo antropológico realizado por técnicos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) sob a coordenação do doutor e mestre em antropologia social, Fabio Mura. O Termo de Autorização de Uso Sustentável é conferido para comunidades tradicionais, em caráter transitório e precário, com o objetivo de possibilitar a ordenação do uso racional e sustentável dos recursos naturais disponíveis na orla marítima e fluvial, voltadas à subsistência da população.

Caso seja concedido, o Ministério Público Federal pede que os termos de autorização sejam entregues pela Superintendência do Patrimônio da União (SPU/PB) em até seis meses, após audiência de conciliação, como forma de assegurar proteção mínima ao direito das famílias sobre os próprios imóveis, evitando o desassossego, o despejo e a ameaça de terceiros. Conforme o artigo 11 da Portaria SPU 89, o Taus inicia o processo de regularização fundiária que pode vir a ser convertido em concessão de direito real de uso.

Regularização fundiária
O MPF também requer a condenação definitiva da União e do município de João Pessoa na obrigação de elaborar projeto de regularização fundiária da comunidade tradicional ribeirinha do Porto do Capim em seu território tradicionalmente ocupado. O projeto deve englobar a implantação da infraestrutura adequada, elaboração do plano de manejo ambiental sustentável e, sobretudo, emissão de títulos de propriedade e/ou posse pertinentes, tudo isso no prazo máximo de um ano, a contar do trânsito em julgado da ação, sob pena de multa mensal no valor de R$ 2 mil, atualizados monetariamente, desde a data do ajuizamento da ação, em favor do proprietário de cada residência da comunidade, até que haja a efetiva regularização fundiária.

Reconhecimento da tradicionalidade
Por fim, o MPF pede à Justiça o reconhecimento judicial, com decisão declaratória, da tradicionalidade da comunidade do Porto do Capim. Estudos e laudos antropológicos anexados ao inquérito no decorrer da apuração atestam a tradicionalidade da comunidade ribeirinha. É o caso de relatório de 2014, produzido pela UFPB, segundo o qual “ao longo das últimas sete décadas a comunidade se consolidou e se enraizou, mantendo forte vínculo cultural com o rio e com o mangue, seja por meio das atividades de pesca e de lazer, seja perpetuando os rituais religiosos e festivos que ocorrem no local”. A universidade registra, inclusive, que, depois que a comunidade se instalou no local, o mangue, que “havia sido literalmente devastado para atender às necessidades do porto”, voltou a existir.

Gentrificação
Entre os documentos que acompanham a petição inicial está um dossiê produzido em 2012 por técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A elaboração do dossiê decorreu do fato de que, desde a sua concepção, o projeto de revitalização do Porto do Capim executado pela Prefeitura de João Pessoa propõe a retirada da população do Porto do Capim e suas subáreas, a exemplo da Vila Nassau, de suas residências e estabelecimentos comerciais com remoção para outro local da cidade. Durante um mês, a equipe do Iphan realizou pesquisas documentais e arquivísticas, vistorias técnicas, reuniões, consulta a especialistas, analisou proposta de novo desenho urbano, chegou a um diagnóstico da situação naquele momento e apresentou proposta de requalificação do território da comunidade.

O dossiê apontou que João Pessoa, assim como outras cidades que investiram na revitalização de áreas de interesse histórico, também privilegia, nas ações de planejamento, a política de turismo em detrimento dos problemas socioespaciais gerados pela reorganização espacial ocorrida durante todo o século XX. Conforme concluiu o dossiê, as medidas de intervenção no Porto do Capim “se configuraram claramente como práticas de gentrificação: alteração da paisagem urbana e tentativa de converter uma área de valor histórico-cultural em segmento de mercado — um espaço de ‘visibilidade pública’”.

Segundo o dicionário Infopédia, da Porto Editora, gentrificação é o “processo de transformação e valorização imobiliária de uma zona urbana, que acarreta a substituição do tecido socioeconômico existente (geralmente constituído por populações envelhecidas e com pouco poder de compra, comércio tradicional etc.) por outro mais abastado e sem condutas de pertença ao lugar”.

Valor da causa
Para fins fiscais, o Ministério Público Federal estimou a causa em R$ 31,305 milhões, cifra resultante da soma dos valores do Termos de Compromisso 0.424.013.15 e 0.424.015-34, relativos ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas para revitalização do antigo Porto do Capim e do Rio Sanhauá, na área onde está situada a comunidade ribeirinha do Porto do Capim, incluída a Vila Nassau. Considerando a inserção da União no polo passivo da demanda, o MPF manifestou-se favorável à designação de audiência de conciliação entre as partes.

Fonte: Assessoria
Créditos: Assessoria