A irmã Hérika Chaves tem 24 anos, uma voz tranquila e um humor que arranca risadas. Na vida religiosa desde os 16 anos, ela, que é de Ananindeua, pequeno município do Pará e hoje vive em São Paulo, tem uma posição particular em sua atuação na igreja católica: a acolhida à população LGBT.
Há poucos dias, ela visitou o bar Boleia, voltado ao público lésbico, durante uma passagem pelo Rio de Janeiro. Mas sua história com essa população começou muito antes. Antes também da declaração do Papa Francisco em defesa da união civil entre homossexuais -e do posterior recuo do Vaticano. Conheça a história dela.
“Freira? Deus me livre”
Hérika e seu irmão, dois anos mais novo, costumavam ir à igreja com a avó, muito religiosa. “Mas minha mãe nunca foi muito de igreja, tanto que eu só fui batizada aos 7 anos.”. A catequese também aconteceu mais tarde. “Eu comecei a dançar quadrilha com uns 8 anos, isso faz parte da nossa tradição no Pará. Com uns 11 anos, meu melhor amigo, que é gay, me chamou para ir a um encontro de jovens da igreja. Eu fui e passei a gostar, comecei a frequentar bastante, por conta própria”, diz ela.
Apesar da participação assídua, seguir carreira religiosa não passava pela cabeça de Hérika. “Quando alguém me falava que eu tinha um jeitinho de freira, eu respondia logo: Deus me livre”, ri ela. Com 13 anos, teve contato com uma freira pela primeira vez, que questionou Hérika sobre a vontade de seguir a vida religiosa. Sem graça, respondeu que sim e foi chamada para um encontro. “Disse sim porque fiquei sem jeito e daí pensei: o que eu vou fazer agora?”, conta, aos risos.
Mas o encontro com religiosas falou ao seu coração. “Eu gostei, era bem alegre. Tinha música. Aí eu voltei para casa e comecei a sentir que Deus queria algo a mais de mim. Quando eu voltava da igreja, sentia que faltava algo, algo que eu encontrava na vida religiosa”, conta.
Adolescente, ela começou a flertar com a sua vocação, mas não deixou de flertar com alguns garotos. “Sim, eu namorei, fiquei com meninos e acho que isso foi muito importante. Essas experiências me ajudaram na minha caminhada, pois acho que eu teria dúvidas se não tivesse vivido essas experiências”, diz ela. Sem dúvidas em mente, aos 16 anos ela entrou para o convento. Em 2016, aos 20, fez seus votos.
“Mãe, meu irmão é gay, diga a ele que eu o amo”
Em seu primeiro ano como freira, Hérika foi chamada a atuar na cidade de Maracaju, no Mato Grosso do Sul. “Fui transferida em 2017 e, na verdade, eu sempre soube que meu irmão era gay, mas comecei a perceber no Facebook comentários de meninos sobre como ele era bonito. Resolvi conversar com a minha mãe, com quem ele morava”, diz.
A mãe afirmou que o irmão negava a sexualidade. “Mãe, ele é gay e deve ter vergonha porque eu sou freira. Diga a ele que eu o amo acima de tudo, ele é meu irmão, e apoie ele”, indicou Hérika à mãe. Com o empurrãozinho, o irmão saiu do armário, com muita acolhida.
A irmã Hérika Chaves tira foto com a equipe do Boleia Imagem: Arquivo Pessoal
“Minha avó, que era mais velha e bastante religiosa, teve muita dificuldade em aceitar. Conversei demais com ela, que, hoje, acolhe os amigos e namorados dele”, diz a freira.
Ela conta que desde pequena conviveu com gays, lésbicas e pessoas trans, mas que ver o preconceito que o irmão sofria a sensibilizou ainda mais para a causa. “Chamavam meu irmão de viado, de gayzinho, bichinha, e aquilo me incomodava. Eu pensava em quanta dor tantas pessoas sentiam”, diz ela.
Ainda em seu primeiro ano de atuação, em 2017, na Igreja Católica, um segundo caso a aproximou ainda mais da população LGBT. “Eu trabalhava com jovens, e havia uma garota que me pediu ajuda porque ainda não havia se assumido para a família. Ela dizia que eles eram muito fechados e sentia medo. Eu não sabia muito bem o que fazer e fiquei pensando em como ajudar”, conta.
A jovem recomendou para a irmã a websérie lésbica Esconderijo. “Ela queria que eu visse o dia a dia de lésbicas e a série me ajudou a ter uma visão de dentro da comunidade LGBT”, conta ela, sem ressalvas, vergonha ou preconceito. Assistir a série teve dois resultados: ela conseguiu ajudar a jovem a conversar e ser aceita pela família e começou a seguir a equipe da produção no Instagram.
Anos depois, já durante a quarentena, em uma live da diretora da série, Gabi Dimello, ela se apresentou como freira e passou a conversar mais com outras mulheres lésbicas. No dia 1º de novembro, em uma visita ao Rio, resolveu visitar o Boleia, da empresária Lela Gomes, com quem havia criado uma aproximação virtual.
“Foi engraçado, porque eu estava de hábito e no dia anterior havia sido Dia das Bruxas, então me perguntaram se eu estava fantasiada. Quando viram que eu era realmente freira, muita gente veio conversar, se abrir, falar da dor de não ser aceita pela família”, conta ela, que passou a noite ali, conversando, ouvindo, trocando mensagens de apoio.
“Muitas pessoas se afastam da religião por conta da resistência por parte de algumas pessoas da igreja. E o amor de Deus não segrega, o amor de Deus é respeito, é muito maior que qualquer preconceito”, afirma ela, que diz que a noite foi inesquecível e que a inspirou a continuar o trabalho -que, garante, não tem nenhuma resistência por parte de membros da igreja.
“Eu recorro à palavra de Deus e à passagem ‘Amai ao próximo como a si mesmo’. Quando todos queriam apedrejar a prostituta, Jesus dava a mão, quando expulsavam o leproso, Jesus trazia de volta. Hoje, essas pessoas são a comunidade LGBT e é preciso lembrar: Deus é amor. Quero ser esse rosto amoroso de Deus. A acolhida e as portas da igreja devem ser abertas a todos, e não a alguns selecionados”, indica.
Fonte: UOL
Créditos: Polêmica Paraíba