Há muitos anos o algodão faz parte da vida do mineiro Luiz Paulo de Carvalho, de 66 anos. Grande parte desta história foi semeada em Campina Grande, no Agreste da Paraíba. Entre os mais de 40 anos dedicados à pesquisa e ao melhoramento genético da fibra, o engenheiro agrônomo foi uma das pessoas que contribuíram para a história de Campina Grande como referência na produção e exportação do algodão colorido. Hoje, chamado carinhosamente por amigos e colegas de trabalho de “o pai do algodão colorido”, ele diz que se sente honrado em poder fazer parte dessa história com a cidade.
“Já são tantos anos dedicados à pesquisa que eles me apelidam de ‘pai do algodão colorido’, mas eu amo o que eu faço e ainda mais por esse trabalho ter contribuído, de alguma forma, para o crescimento e desenvolvimento de Campina Grande”, diz Luiz Paulo.
O engenheiro agrônomo ganhou apelido por ser um dos responsáveis pelas pesquisas realizadas na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), onde ele trabalha desde que chegou a Campina Grande, em 1977. As pesquisas desenvolvidas na Embrapa resultou numa variação genética do algodão comum, que ficou nacionalmente conhecida como o “algodão colorido”.
Para Luiz Paulo de Carvalho, o mais importante é que essas novas variedades de algodão trouxeram também a possibilidade de crescimento dos produtores, que hoje vivem dessas plantações.
“Antigamente, a gente chamava o algodão comum de ‘ouro branco’. Agora nós temos um outro tipo de ouro: é o nosso ‘ouro colorido’”, destaca o pesquisador.
Luiz Paulo se formou em Agronomia em 1975. Dois anos depois, o pesquisador chegou para morar e trabalhar em Campina Grande. Mas foi após o mestrado e o doutorado em genética e melhoramento que surgiu a paixão pela pesquisa voltada ao algodão. Antes do primeiro contato com o que hoje ele chama de “ouro colorido”, o engenheiro agrônomo trabalhava apenas com pesquisas voltadas ao algodão branco.
“Quando eu vi a beleza do algodão colorido, eu imaginei que ele deveria ter muito valor e então comecei a trabalhar com ele. Após anos de pesquisas aqui na Embrapa voltadas a esse novo tipo de fibra, nós lançamos a primeira variedade de algodão colorido, no ano de 2000, que foi o modelo BRS 200, esse marrom clarinho que hoje todo mundo já conhece”, conta o engenheiro agrônomo.
Como surgiu a pesquisa do algodão colorido
O pesquisador lembra de como teve início a relação dele com esse novo tipo de fibra. Segundo Luiz, tudo começou no final da década de 90, quando um grupo de empresários japoneses visitou a Embrapa. “Eu lembro como se fosse hoje. Um grupo de japoneses chegou aqui na Embrapa e eles viram um pouquinho de algodão colorido que estava exposto em uma prateleira. Aí eles falaram com o diretor de pesquisa daquela época: olha, esse aqui seria muito bom pra nós, porque lá nós usamos fraldas coloridas nos bebês e não seria preciso o tingimento”.
Foi então que surgiu o interesse do engenheiro agrônomo pelo algodão colorido. O olhar de encantamento dos japoneses pela fibra o fez dedicar anos de pesquisa ao novo tipo de algodão. Luiz lembra que o pouco da fibra do algodão colorido, que despertou o interesse dos japoneses, tinha sido coletada por uma equipe de pesquisadores antigos da Embrapa, que havia coletado o material para guardar e poder ter variabilidade no futuro.
“Essa coleta da fibra colorida, que eles viram em uma das prateleiras da Embrapa, foi feita aqui no interior da Paraíba e do Rio Grande do Norte. E aí, depois desse olhar dos japoneses, por meio da literatura eu comecei a pesquisar onde teria outros tipos de algodões coloridos como aquele”, relata Luiz Paulo.
A partir das pesquisas, o engenheiro agrônomo descobriu que existiam outros tipos de genes que condicionavam cor à fibra do algodão. Luiz conta que começou analisando algodões que não eram plantados na Paraíba.
“Eu introduzi sementes de algumas variedades com cores marrom avermelhado e verde, mas não podia plantá-las direto porque talvez as sementes não se adaptassem aqui, aí tivemos que fazer um trabalho de melhoramento genético e, depois de sete anos, lançamos as seis variedades que existem hoje de algodão colorido produzido na Paraíba”.
Pesquisas para exterminar o bicudo-do-algodoeiro
Antes das pesquisas desenvolvidas na Embrapa em Campina Grande, que inovou com o desenvolvimento do algodão colorido, Luiz Paulo lembra dos tempos sombrios que viveram os produtores do algodão branco na Paraíba, entre os anos de 1979 e 1980, com o aparecimento da praga do bicudo-do-algodoeiro.
“No passado, Campina Grande passou muitos anos exportando o algodão branco, mas isso durou até o bicudo aparecer, e aí, depois disso, nós levamos algum tempo pra estudar como controlar a praga”, recorda o engenheiro agrônomo.
O pesquisador comenta que, após a praga do bicudo, demorou para que os produtores voltassem a plantar o algodão na região novamente. “Eu lembro que a gente teve que pesquisar como se controlava a praga, pra poder justamente levar essa informação ao produtor. Mas, por meio das pesquisas, a gente conseguiu controlar o bicudo através do manejo cultural da praga, então acho que isso não contribuiu só pra Campina, mas pra toda região onde se plantava algodão”.
O engenheiro agrônomo diz que, hoje, os produtores de algodão do Centro-Oeste do país voltaram a plantar a fibra graças à pesquisa de melhoramento genético de novas variedades realizadas em Campina Grande.
“A gente faz as pesquisas aqui, mas que acabam contribuindo na plantação de algodão lá. Hoje o Brasil é um dos maiores exportadores de algodão do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e, grande parte da produção do algodão no Centro-Oeste, quem começou foi a Embrapa, através do melhoramento genético, então as pesquisas na Embrapa em Campina Grande contribuíram pra produção do algodão lá também”.
“Eu acho que o algodão em si, sem ser exatamente o colorido, trouxe uma grande contribuição pra Campina Grande e região. Mas, após anos de pesquisas, nós conseguimos produzir e colher aqui o nosso próprio algodão, com suas variedades de tonalidade”, ressalta Luiz Paulo.
Após o lançamento da primeira variedade de algodão colorido em Campina Grande, a paixão de Luiz na pesquisa pelas fibras coloridas aumentou quando ele viu, pela primeira vez, o modelo que hoje é chamado de BRS Rubi. “Quando eu vi esse outro tipo de algodão colorido aberto pela primeira vez, eu fiquei muito interessado naquela cor e, baseado nessa primeira experiência e contato com esse algodão, eu continuei as pesquisas e então conseguimos selecionar outras fibras de cores diferentes”.
Quatro anos depois do lançamento do algodão BRS 200, o pesquisador apresentou, junto à Embrapa, mais dois tipos de fibra do algodão colorido produzido na Paraíba: os modelos BRS Rubi e BRS Safira, que possuem tons de marrom avermelhado.
“Hoje, já são seis tonalidades de algodão colorido produzidos na Paraíba e que passam por melhoramento genético na Embrapa, aqui em Campina Grande. Além do BRS 200, Rubi e Safira, atualmente temos produção dos modelos BRS Verde, BRS Topázio e BRS Jade”.
Luiz explica o porquê da escolha para a referência a cada cor dos algodões coloridos. “Não necessariamente as cores dos algodões remetem as mesmas cores das pedras preciosas, isso foi após uma pesquisa de mercado, como estratégia de marketing mesmo, a gente percebeu que usar o nome de jóias preciosas chamariam a atenção dos possíveis compradores desses novos tipos de fibra”, frisa.
O pesquisador destaca que a maior diferença do algodão colorido é a cor, porque a fibra é semelhante a do algodão branco, mas que o algodão colorido acaba sendo mais importante por ser ecologicamente correto, por não precisar de tingimento durante a produção de tecidos.
Hoje já são seis tonalidades de algodão colorido produzidos na Paraíba — Foto: Érica Ribeiro/G1
“Muita gente vem em Campina Grande para conhecer o algodão colorido e uma das melhores épocas é durante o São João, porque tem um exposição enorme e várias pessoas vem dos estados vizinhos visitar, então isso faz enaltecer ainda mais a festa, por isso o algodão colorido também contribui nesse sentido pra cidade”, ressalta Luiz.
Conforme Luiz Paulo, atualmente a Paraíba possui cerca de 30 produtores de algodão colorido, sendo em torno de 200 hectares. “Eu, particularmente, no começo não queria que esse algodão fosse pra fora, queria que ele fosse trabalhado só aqui no Nordeste. Até hoje, essa produção de algodão colorido se concentra praticamente na Paraíba e no Ceará, mas há um pouquinho no Mato Grosso. Aqui nós temos, a cada ano, cerca de 200 hectares, o que equivale a 200 campos de futebol, na região do Sertão paraibano, entre as cidades de Patos, Pombal, Sousa e Cajazeiras”.
O pesquisador recorda a época em que a Paraíba chegou a plantar até 5 mil hectares do algodão. “Depois dessa produção de algodão colorido aqui na Paraíba, houve uma época (em 2004) de parceria entre a Embrapa de Campina Grande e o Governo do Estado, que foi quando a gente conseguiu plantar até 5 mil hectares de algodão colorido, mas isso acabou após a mudança de governo”.
O engenheiro agrônomo lembra ainda do tempo em que o trabalho de melhoramento genético dos algodões acontecia manualmente. “Hoje na Embrapa em Campina Grande nós temos o laboratório de melhoramento, mas antes, lá quando começamos as pesquisas, o trabalho era todo manual, então demorava muito pras fibras serem analisadas”, conta Luiz Paulo.
Parceiros nas pesquisas do algodão colorido
Luiz ressalta a participação de outros pesquisadores, empresários e produtores nas pesquisas voltadas ao algodão colorido em Campina Grande. “Claro que não tivemos só a participação da Embrapa, outras pessoas também contribuíram pra isso. Entre essas pessoas estão Maysa Gadelha, empresária paraibana que acompanha esse trabalho de pesquisa desde o início. Ela tem um ateliê, que fabrica roupas em algodão colorido e que exporta esses produtos pra outros países. Temos também ‘dona’ Francisca, que hoje mora em João Pessoa, e que também continua exportando produtos em algodão colorido pra outros países”.
O pesquisador diz que o trabalho dessas outras pessoas foi fundamental para que o algodão colorido fosse estabelecido na Paraíba. “Eu lembro demais do Sandoval, que tem uma fábrica de fiação em algodão colorido, aqui em Campina Grande, ele também participou dos trabalhos iniciais. Ele comprava o algodão colorido e fazia fios pra vender, então foi assim que o algodão colorido foi se estabelecendo na Paraíba”.
Além dos empresários, produtores e pesquisadores da Embrapa, Luiz conta que as pesquisas também receberam contribuições de jovens universitários. “Aqui na Embrapa, durante as pesquisas do algodão colorido, eu tive muita ajuda dos universitários da Universidade Federal de Campina Grande, que vinham pra cá estagiar, e aí a gente passava pra eles as instruções de todo o projeto de pesquisa”.
José Joênio Braga, que trabalha há 15 anos como analista do Laboratório de Fibras da Embrapa, é uma dessas pessoas que continuam acompanhando Luiz nas pesquisas voltadas ao algodão colorido em Campina Grande. “A gente já acha estranho quando acontece algo e seu Luiz não aparece aqui no laboratório, esse local já é a cara dele. São muitos anos dedicados a isso. Eu tenho 15 anos aqui e desde que cheguei, continuamos juntos”, comenta.
De acordo com Luiz Paulo, as pesquisas voltadas ao algodão colorido continuam. “Nós não podemos parar agora, é preciso continuar as pesquisas. Pra você ter uma ideia, atualmente, a fábrica de tecidos da ‘dona’ Francisca, lá em João Pessoa, já trabalha na confecção de jeans com o algodão colorido, então não há dúvidas de que isso terá um exportação enorme, por ser bem aceito lá fora”, salienta.
“Pra mim é uma honra poder dizer que faço parte dessa contribuição aqui pra Campina Grande. Eu já moro aqui há mais de 30 anos, então é como se eu tivesse fazendo pra minha cidade natal, sinto a mesma coisa”, conclui o pesquisador.
Fonte: G1 PB
Créditos: G1 PB