O calendário assinala, hoje, 24 anos da morte do ex-governador, ex-senador, ex-deputado federal Antônio Mariz, que teve projeção na vida pública brasileira pelo seu comportamento de altivez e pelo culto à ética e à moralidade na vida pública, deixando exemplos paradigmáticos para os seus contemporâneos e para as gerações futuras. Mariz foi um rebelde na Arena, partido de sustentação do regime militar, integrando um grupo renovador que pugnava por eleições diretas, fim da censura e do arbítrio e concessão de anistia aos opositores da ditadura, que purgaram cassações de mandatos, prisões e torturas coordenadas pelo aparelho de repressão a serviço do Estado autoritário.
Por três vezes, Mariz, cujo berço político foi a cidade de Sousa, no Sertão paraibano, tentou ascender ao governo do Estado. Na primeira, em 78, concorreu na convenção do PDS à indicação indireta, enfrentando Tarcísio Burity, que era o ungido da cúpula militar em Brasília, encastelada no Palácio do Planalto. Perdeu para Burity e arrostou a ameaça de cassação ou outras punições que os donos do poder brandiam para dissidentes da ordem institucional fixada no país. Emprestou a uma candidatura indireta o caráter popular, fazendo-se intérprete do sentimento de mudança que era latente junto a parcelas da sociedade brasileira. Em 82, com as eleições diretas para governadores restauradas, mas debaixo de uma legislação casuística destinada a limitar as regras do processo democrático, Mariz protagonizou uma reviravolta na própria biografia, ingressando no PMDB, vindo de uma passagem pelo PP, que buscava furar o cerco da ditadura mascarada. Candidatou-se, então, novamente, ao Palácio da Redenção, disputando votos a céu aberto contra Wilson Braga, o nome carimbado pelo oficialismo estadual e federal. Nesse pleito, o Partido dos Trabalhadores marcou sua presença no cenário paraibano, lançando o advogado Derly Pereira ao governo. Venceu Braga, escorado pelas máquinas, por uma maioria de 151 mil votos sobre Mariz. Mas Mariz impôs-se, definitivamente, como o “novo”, em oposição a oligarquias tradicionais que se revezavam no cenário político.
Em 1990, Mariz foi eleito senador, derrotando Marcondes Gadelha, que havia feito caminho inverso, pulando do antigo MDB para o PDS-PFL, sucedâneos da Arena. Finalmente em 1994, na terceira tentativa para chegar ao governo, Mariz foi premiado com o reconhecimento popular e a confiança da maioria do eleitorado. Elegeu-se derrotando a deputada federal Lúcia Braga, mulher do ex-governador e também ex-deputado federal Wilson Braga. Como candidato a vice, em chapa partidária, Mariz acolheu o então deputado federal José Maranhão, que havia sido cassado pelo regime militar por ter integrado a Frente Parlamentar Nacionalista. Vitorioso no confronto com Lúcia, Mariz enfrentou um inimigo insidioso e fatal – o câncer, que já se espalhava pelo organismo.
Teve a oportunidade, no discurso de posse como governador, de alinhavar as metas cardeais do “Governo da Solidariedade” que havia concebido como expressão do seu senso de justiça e da sua sensibilidade diante das categorias mais humildes. Mariz recrutou uma equipe comprometida com o ideário de mudança e com a eliminação de práticas clientelistas e paternalistas que tonificavam o exercício do poder durante décadas na história da Paraíba e do próprio Brasil. Infelizmente, como governador, foi “breve”. Faleceu no dia 16 de setembro de 1995, gerando um sentimento de prostração e, ao mesmo tempo, de orfandade, mas deixando um legado que tinha por escopo a promoção da Cidadania e por dogma a implantação da justiça social. Mariz notabilizou-se na vida pública, também, por gestos históricos. Na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, ele foi o Parlamentar Nota Dez, pelas posições progressistas e em defesa das classes trabalhadoras que assumiu em votações antológicas. Em 1992, foi designado relator do processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, envolvido pelo esquema PC Farias e por outros escândalos de corrupção no serviço público. Mariz agigantou-se no oferecimento do parecer lúcido e impecável pelo impeachment de Collor, tendo afirmado que se tivesse convicção da sua inocência não hesitaria em absolvê-lo, mas que se sentia confrontado com a culpabilidade do presidente no episódio em tela. O impeachment foi decretado. Um marco da sua austeridade e do compromisso com a liberdade foi o gesto de mandar retirar do Palácio da Redenção arabescos que guardavam simbiose com a cruz suástica, signo do nazismo de Adolf Hitler. Foi de Mariz a frase: “Quando tinha saúde, perdi o governo. Quando ganhei o governo, perdi a saúde”. A Paraíba é eternamente grata a Antônio Mariz, pela sua personalidade íntegra, pelos gestos e pelas atitudes corajosas, combativas, como homem público.
Nonato Guedes
Fonte: Nonato Guedes
Créditos: Nonato Guedes